Ciro esqueceu de ler Weber
Edmundo Siqueira 12/10/2022 11:33 - Atualizado em 12/10/2022 11:34
Reprodução/Instituto Claro


Ciro Gomes é formado em direito pela Universidade Federal do Ceará. Foi pesquisador da Harvard Law School e professor de direito tributário e constitucional. Escreveu quatro livros. Filosofia política foi uma área do conhecimento que Ciro precisou aprofundar para ter a formação que possui. Mas talvez tenha se esquecido de ler Max Weber.

Weber,  sociólogo alemão, estabeleceu, em princípios do século XX, a distinção entre “ética da convicção” e “ética da responsabilidade”.

A primeira ética, a “da convicção”, diz respeito aos juízos pessoais. Seriam as crenças e os valores íntimos de alguém, um contorno quase dogmático, quase religioso, de posições políticas e sociais.

A segunda, a “da responsabilidade”, é a adoção de comportamentos orientados pelas circunstâncias. Um afastamento refletido e inevitável de crenças e suposições pessoais para a adoção de medidas necessárias, condizentes com o momento histórico — embora muitas vezes contraditórias.

Um exemplo prático: um governante pode ser pessoalmente contra o aumento de gastos do Estado, mas diante de uma tragédia natural precisa alocar recursos para minimizar os efeitos. Precisa agir sob a “ética da responsabilidade”, deixando suas convicções pessoais de lado naquele momento.

Nas eleições de 2018, já era possível ter consciência do que representava uma eleição de Jair Messias Bolsonaro, então deputado do baixo clero, conhecido por posições preconceituosas e apoio ao regime militar. No segundo turno, onde Bolsonaro disputava, Ciro declarou “apoio crítico” ao então candidato Fernando Haddad. Mas em seguida, viajou para o exterior. Voltou ao Brasil apenas no momento do voto, onde disse, demonstrando saber da situação, e fazendo uma previsão certeira:

— É preciso votar pela democracia, contra a intolerância, contra a descriminação (...) o Brasil vai estar em um momento político gravíssimo, de aprofundamento da divisão, do estigma do ódio e da violência política.

Reprodução/SBT
Neste ano, declarou apoio ao Lula depois de seu partido, o PDT, fechar questão. “Frente às circunstâncias, é a última saída”, disse.


Ciro teve toda sua atuação política em tempos de abundância democrática. Lula não. Assim como Brizola e Fernando Henrique, que viveram um período onde a democracia precisava ser conquistada, onde um regime de violência estava em vigor e a simples aglomeração de pessoas poderia configurar crime — punível com morte ou tortura.

Talvez essa seja uma distinção da ética da responsabilidade presente em Lula e FH. Ciro deixou que o ressentimento superasse o bom senso durante a campanha, o resultado eleitoral que teve demonstra isso. O que não aconteceu com Simone Tebet, que não deixou de dizer sua posição crítica sobre Lula e Bolsonaro, mas soube manter o caráter propositivo e civilizado na campanha. Teve 1,3 milhão de votos a mais. 
Simone está participando ativamente da campanha de Lula, percorrendo os municípios e comunicando sobre o risco que representa a reeleição de um presidente com viés autoritário como Bolsonaro. O que também faz Marina Silva, deputada federal eleita, ex-presidenciável e ex-senadora. 
Marina sofreu ataques covardes em 2014 pela campanha petista. Foi tratada como inimiga, alvo de mentiras e de ódio da militância. E recorreu a outro ícone da filosofia alemã, de origem judia, a Hannah Arendt, para justificar seu apoio agora. "A coragem de perdoar e prometer é a solução possível para o problema da irreversibilidade e a caótica incerteza do futuro”.
Mágoas e responsabilidades

“A maior qualidade do político é saber lidar com as mágoas”, é uma frase atribuída a Tancredo Neves, que negociou com os militares a reabertura democrática do país. Se Tancredo não tivesse em si a ética da responsabilidade, e não soubesse lidar com as mágoas, o país poderia sofrer consequências nefastas.

Ciro Gomes, por sua vez, não está participando da campanha, não realiza mais suas lives e conteúdos nas redes sociais, não orienta publicamente a militância pedetista e não comunica ao país sobre os riscos democráticos que a reeleição de Bolsonaro representa.

O atual vice-presidente Mourão e senador eleito, declarou em entrevista recente um “plano” para aumentar o número de ministros do STF. Bolsonaro seguiu a mesma linha. Controlar o Supremo, assim como já controlam o parlamento, é a ideia embutida na proposta, que segue os moldes de autocracias da América Latina e da Europa. Ciro Gomes silenciou sobre isso.

A formação de Ciro e as demonstrações do seu conhecimento histórico e de sua erudição, não permitem que se suponha que ele não tenha consciência da gravidade do momento atual do país. Sim, Ciro sabe da importância da ética da responsabilidade e da sua necessária sobreposição da convicção.

O que torna a omissão ainda pior.

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