Ciro: da esperança à rebeldia - sem causa
Edmundo Siqueira 04/10/2022 23:49 - Atualizado em 04/10/2022 23:50
Carla Carniel/Reuters

Ele foi considerado por muitos o melhor candidato de 2018. Em 2022, a mesma coisa. Sólida formação intelectual, larga experiência, reputação ilibada e verve empolgante. Ciro está preparado para assumir a presidência da República, é inegável. O problema é apenas um: o voto.

Há pouco mais de 100 anos o Brasil viveu algo parecido. Concorria à presidência um homem considerado, no Brasil e no mundo, uma “águia”. Jurista brilhante, orador infalível, escritor, jornalista e diplomata. Seu nome era Rui Barbosa. Alguém de inteligência invejável que também não tinha voto. Perdeu para o militar Hermes da Fonseca, em 1910.

Rui era brilhante e também arrogante. Nas palavras de um de seus principais biógrafos, tratava-se de um indivíduo “ácido, contundente, obsessivo, por vezes agressivo, pedante e pretensioso”. Algo como Ciro Gomes. Entrou para a história como “o melhor presidente que o país não teve”. Algo como — talvez — Ciro Gomes.

O que talvez nem Rui Barbosa, nem Ciro Gomes, tenham percebido, é o momento histórico de cada um. Deixaram a vaidade encobrir suas melhores virtudes. Em 2018, Ciro conseguiu mais de 13 milhões de votos. No último domingo, 3,59 milhões. Em uma eleição com abstenção ainda maior que a última (20,95%), é preciso saber se o eleitor de Ciro desistiu simplesmente ou optou por votar em Bolsonaro. Qualquer das opções fala alto ao tipo de postura que o pedetista teve na campanha.


Passado o primeiro turno, Ciro pediu “algumas horas para pensar” sobre o que havia acontecido, e se reuniu com o PDT para decidir o que fazer. O caminho que Ciro e o partido iam seguir era difícil prever. Antes, optaram pelo isolamento, pelo embate agressivo aos dois principais candidatos e principalmente por um visível ressentimento com Lula e o PT.

Se olharmos para alguns países da Europa, outros da América Latina, presidentes populistas autoritários como Bolsonaro usam o segundo mandato para eliminar a oposição, cercear a imprensa, calar o judiciário e o congresso — afinal, foram vendidos como os “inimigos da pátria”. A partir daí governam por decreto, mudam a constituição como querem e calam qualquer voz dissonante com violência.

Ciro sabe disso. Conhece profundamente a história do Brasil e do mundo, tem bastante experiência para perceber esses movimentos com nitidez. Ciro sabe o risco que a democracia corre com uma possível reeleição de Bolsonaro. E talvez por isso decidiu, juntamente com o PDT, apoiar Lula no segundo turno. Um apoio “crítico”.

“Por unanimidade nós tomamos uma decisão (...) e eu acompanho a decisão do meu partido, o PDT”, disse Ciro na tarde desta terça-feira (4), em um pronunciamento em vídeo. Horas antes, o presidente do PDT, Carlos Lupi, já havia anunciado o apoio do partido.
“Frente às circunstâncias, é a última saída [apoiar Lula]. Lamento que a trilha democrática tenha se afunilado ao tal ponto que reste para os brasileiros duas opções, ao meu ver, insatisfatórias. Não acredito que a democracia esteja em risco nesse embate eleitoral”, continuou Ciro.

Em nenhum momento do vídeo Ciro Gomes cita o nome “Lula” ou “PT”. Ao contrário: faz ataques lembrando a “campanha violenta” que teria sido “vítima”. E ainda aproveitou para fazer seu primeiro ato de campanha de 2026: “vou seguir estudando e apresentando ideias para o nosso país”.

Se não fosse a ampla divulgação do apoio do PDT à candidatura petista, provavelmente poucos conseguiriam perceber no vídeo qual era a real decisão que Ciro havia tomado. Não é leviano afirmar que muitos ainda tenham dúvida sobre quem de fato Ciro está apoiando no segundo turno.

Em uma rebeldia sem razão de ser (sim, ele foi frontalmente atacado pela campanha petista, mas sempre respondeu à altura), quase uma birra juvenil, Ciro não deixou claro. Afinal, há ou não um risco na eleição de Bolsonaro? Poderia se perguntar alguém que tenha visto o pronunciamento. 
Sim, há risco. E Ciro não pontuou como deveria. Para parte da militância cirista, o voto nulo é o mais considerado.

Ciro Gomes sempre foi uma esperança. Nesta terça, talvez tenha se firmado apenas como um rebelde. E se há causa para tal, não se sustenta; não nesse momento histórico.

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