Quando o desespero bate à porta de alguém que quer muito a presidência da República, mas não passa de um longínquo terceiro lugar nas pesquisas, há uma semana da eleição, esse candidato talvez se sinta pressionado demais e cometa arroubos.
Sim, estamos falando de Ciro Gomes. Na última segunda-feira, o pedetista decidiu divulgar o que ele chamou de “manifesto à nação”, onde fez críticas duras aos dois candidatos que estão na frente das pesquisas.
Mas Ciro foi além. E talvez tenha ultrapassado limites que desonram sua própria trajetória.
“Mesmo possuindo certos conteúdos e contornos diferentes, [eles] trazem [Lula e Bolsonaro] de forma profunda a mesma matriz histórica que há décadas atrasam o Brasil e escravizam nosso povo”, disse Ciro em um trecho do manifesto.
Além disso, Bolsonaro nunca desceu do palanque. Promove eventos, motociatas, lives em rede social, dispensa a participação e mediação da imprensa livre e profissional para seus pronunciamentos e ataca as instituições. É assim desde que assumiu. Em julho deste ano afirmou que as minorias devem se curvar à vontade da maioria. Ou seja: Bolsonaro atua e se posiciona no rompimento com os valores mais básicos da Constituição Cidadã de 1988.
Ciro erra ao dizer que Lula e Bolsonaro são a “mesma coisa”. Não são.
E cometendo mais um erro — esse bastante grave —, disse no mesmo manifesto:
— O Brasil está na iminência de sofrer a maior fraude eleitoral de nossa história (...)
As urnas são de fato invioláveis, mas a legítima vontade popular está sendo tremendamente violada.
Ciro parece não ter compreendido o momento que a história brasileira atravessa. Ou se presta a dizer algo assim por má-fé. Apesar de fazer ressalvas quanto a inviolabilidade das urnas, afirmar que o país está na “iminência” de fraude eleitoral é “tremendamente” irresponsável.
Uma das suas teses é de que a inteligência brasileira, em conluio com a imprensa e os artistas, decidiu que o povo — esse ignorante e passivo em sua visão — só pode escolher um dos candidatos postos. Além de fantasiosa, a ideia de Ciro tem o pressuposto de que ele é o único capaz de resolver os problemas do país e todo o resto está errado. Por isso todos estão contra ele. Não passa de arrogância e prepotência aliada a teorias conspiratórias.
Ciro foi acusado durante a campanha de ser a “linha auxiliar do fascismo”. Injustamente. Atacou o atual presidente diuturnamente e agiu política e juridicamente quando o PT se omitiu. Mas ao se isolar de forma radical, brigando inclusive com seus irmão no Ceará, e percebendo que talvez saia da disputa muito menor que entrou, começa a agir de forma a justificar a acusação.
Caso a eleição se resolva enquanto Ciro permaneça nessa linha de atuação, irresponsabilidade e desespero ocuparão o lugar das boas propostas e da inteligência na implacabilidade da história.