Precisamos falar sobre o Ciro
Edmundo Siqueira 28/09/2022 23:12 - Atualizado em 28/09/2022 23:15
Foto: Jarbas Oliveira

Quando o desespero bate à porta de alguém que quer muito a presidência da República, mas não passa de um longínquo terceiro lugar nas pesquisas, há uma semana da eleição, esse candidato talvez se sinta pressionado demais e cometa arroubos.

Sim, estamos falando de Ciro Gomes. Na última segunda-feira, o pedetista decidiu divulgar o que ele chamou de “manifesto à nação”, onde fez críticas duras aos dois candidatos que estão na frente das pesquisas.

Mas Ciro foi além. E talvez tenha ultrapassado limites que desonram sua própria trajetória.

“Mesmo possuindo certos conteúdos e contornos diferentes, [eles] trazem [Lula e Bolsonaro] de forma profunda a mesma matriz histórica que há décadas atrasam o Brasil e escravizam nosso povo”, disse Ciro em um trecho do manifesto.
A estratégia de igualar os dois candidatos, embora esteja errada (facilmente comprovado pelos números que Ciro apresenta), é democrático que se faça. E Ciro apresenta argumentos para fazê-la. Mas Lula e Bolsonaro não atuam no mesmo campo político. Simone Tebet e Ciro também não, quando comparados ao atual presidente.
Bolsonaro é alguém que opera politicamente no conflito, no ódio, na violência, no culto à morte, na negação da ciência, na negação do direito de alguém ser diferente e no silenciamento das minorias. Bolsonaro não está governando para o país inteiro; governa para poucos e nega com veemência os valores que nossa Constituição defende.

Além disso, Bolsonaro nunca desceu do palanque. Promove eventos, motociatas, lives em rede social, dispensa a participação e mediação da imprensa livre e profissional para seus pronunciamentos e ataca as instituições. É assim desde que assumiu. Em julho deste ano afirmou que as minorias devem se curvar à vontade da maioria. Ou seja: Bolsonaro atua e se posiciona no rompimento com os valores mais básicos da Constituição Cidadã de 1988.

Carla Carniel/Reuters
Ciro erra ao dizer que Lula e Bolsonaro são a “mesma coisa”. Não são.

E cometendo mais um erro — esse bastante grave —, disse no mesmo manifesto:

— O Brasil está na iminência de sofrer a maior fraude eleitoral de nossa história (...)
As urnas são de fato invioláveis, mas a legítima vontade popular está sendo tremendamente violada.

Ciro parece não ter compreendido o momento que a história brasileira atravessa. Ou se presta a dizer algo assim por má-fé. Apesar de fazer ressalvas quanto a inviolabilidade das urnas, afirmar que o país está na “iminência” de fraude eleitoral é “tremendamente” irresponsável.
Por dois motivos: primeiro pela evidência que a vontade popular ter sido direcionada para os dois candidatos de forma livre, onde os personagens políticos são conhecidos da esmagadora maioria da população — nas qualidades e defeitos. Depois por termos em segundo lugar na disputa alguém que constantemente tenta deslegitimar o sistema eleitoral, que diz ter provas sobre fraudes ocorridas nas urnas sem nunca as ter apresentado. Dizer o que disse Ciro é, na prática, fazer coro ao discurso golpista de Bolsonaro.
As eleições majoritárias se afunilam em dois candidatos historicamente, não apenas no Brasil. Em países que adotam o voto distrital isso é ainda mais evidente. Alguns ainda construíram sua democracia com base em dois partidos apenas, onde os outros são meros coadjuvantes. Ciro age com o fígado, mais uma vez, ao afirmar que existe algo ilegítimo nisso. 
Preparado, mas perdido
Ciro Gomes é inegavelmente o candidato com a melhor proposta para o país, o que demonstra melhor diagnóstico da situação e o que tem a melhor capacidade técnica e intelectual para assumir a cadeira de presidente. Mas decidiu abandonar suas qualidades para mergulhar em seus mais profundos defeitos.

Uma das suas teses é de que a inteligência brasileira, em conluio com a imprensa e os artistas, decidiu que o povo — esse ignorante e passivo em sua visão — só pode escolher um dos candidatos postos. Além de fantasiosa, a ideia de Ciro tem o pressuposto de que ele é o único capaz de resolver os problemas do país e todo o resto está errado. Por isso todos estão contra ele. Não passa de arrogância e prepotência aliada a teorias conspiratórias.

Ciro foi acusado durante a campanha de ser a “linha auxiliar do fascismo”. Injustamente. Atacou o atual presidente diuturnamente e agiu política e juridicamente quando o PT se omitiu. Mas ao se isolar de forma radical, brigando inclusive com seus irmão no Ceará, e percebendo que talvez saia da disputa muito menor que entrou, começa a agir de forma a justificar a acusação.

Caso a eleição se resolva enquanto Ciro permaneça nessa linha de atuação, irresponsabilidade e desespero ocuparão o lugar das boas propostas e da inteligência na implacabilidade da história.

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