Arthur Soffiati: Alentejo
* Arthur Soffiati - Atualizado em 31/08/2024 09:15
Minha viagem à Península Ibérica, em junho de 2024, começou por Évora. De Lisboa, parti de carro com meus primos. Eles me davam segurança por morarem em Portugal. Depois de passarmos por Setubal, seguimos para Évora. Visitamos os monumentos megalíticos do Neolítico, nos arredores da cidade.

Tudo corria bem até chegarmos ao lugar em que eu ficaria hospedado. Entramos por ruas estreitas, com casas antigas. O local estava fechado. Batemos na porta e não fomos atendidos. Um número de telefone afixado na parede nos ajudou. Minha prima ligou para ele. Uma pessoa viria nos atender em dez minutos. Ao chegar, ela me deu a chave da porta central e outra para meu quarto. Estou acostumado a me hospedar em hotéis baratos, mas agora eu vivia uma nova experiência: hospedar-me num hostel. Havia apenas quatro quartos. O único ocupado era o meu. Ninguém na portaria. Nem mesmo portaria havia. Essa solidão me causou pânico.

Meus primos retornaram a Lisboa (mais propriamente para Cascais) e eu fiquei sozinho. Saí à noite para lanchar e comprar um chip para usar meu celular na Europa. Cidade deserta. Andei bastante até encontrar um posto de combustíveis. Comprei umas barras de chocolate e não encontrei o chip. Contive o pânico que ameaçou me invadir.

No dia seguinte, saí à procura de um táxi. Eu estava hospedado na periferia da cidade velha. Encontrei um bar onde tomei café. Encontrei o táxi e fui à rodoviária comprar passagem para Portimão. Em outro táxi, pedi para ir ao centro da cidade. Era domingo quando cheguei realmente a Évora. O taxista me deixou na praça do Giraldo, coração da cidade. Havia poucas pessoas, mas, aos poucos, o movimento foi aumentando. Caminhei pela cidade toda cercada por uma muralha medieval. Avista-se logo um aqueduto que ultrapassa a muralha.

Nas ruas estreitas, sempre uma surpresa. Em largos que se abriam, havia igrejas de idades diferentes. De fato, Évora é, toda ela, um monumento. É a capital do distrito de mesmo nome e a cidade que mais se destaca no Alentejo. Várias camadas da história estão ali registradas: neolítico, império romano, visigodos, mouros e cristãos. Estes últimos reconquistaram a cidade aos mouros em 1166. Encontrei aqui o onipresente rei D. Dinis. Ele reconstruiu muralhas no século XIV para proteger a cidade.

Depois de conhecer os monumentos de pedra do neolítico, estive no templo romano, no interior da muralha, em ponto alto. É conhecido como Templo de Diana. Percorri com reverência a Sé Catedral, de estilo gótico, construída entre os séculos XIII e XIV. Visitei seu interior como peregrino, fazendo orações como se fosse um devoto. Estilos de diferentes épocas se superpõem.

Piedosamente, visitei a igreja de São Francisco, que também combina estilos distintos. A nave única é coberta por uma grande abóbada de pedra. Visitei-a pelo lado de fora, andando em seu telhado e contemplando a cidade. Anexa à igreja, foi erguida, no século XVIII, a fascinante Capela dos Ossos. Na entrada, lê-se: “Nós ossos que aqui estamos pelos vossos esperamos”. Um amigo católico me disse que a Igreja reconhece a morte temporária com tudo que a cerca: sepultamento, decomposição da carne, redução aos ossos e finalmente ao pó. Mas acredita na ressureição da carne e na vida eterna. Infelizmente, não tenho essa forte convicção.

Essa capela foi construída por padres franciscanos com esqueletos humanos de cemitérios que já estavam ocupando muito espaço na cidade. O objetivo foi demonstrar a transitoriedade da vida. Ela tem o Senhor dos Passos como invocação. Para uns, o monumento é considerado macabro. Para outros, como eu, que encaram a morte como a maior fase da vida de um animal, é serena e bela. Encontrei outra construída com ossos humanos em Faro, mas muito modesta perto da de Évora.

Encontrei também a igreja de Santo Antão, construída no século XVI. Conversei com a curadora da igreja e lhe disse não conhecer nenhuma igreja no Brasil tendo Santo Antão como patrono. Ele me respondeu que existe, sim. Inclusive um padre brasileiro que serviu em Évora, serviu na igreja brasileira de Santo Antão. Este santo me é particularmente familiar não por suas virtudes, mas pela lenda que gira em torno dele relativa a seu encontro com São Paulo de Tebas, que certamente não existiu.

Voltei a Évora para ir até Cáceres. Visitei novamente a cidade. Comprei finalmente, da primeira vez, um chip para usar na Europa. Era falso, mas me serviu até Faro. Um católico cultural como eu já havia peregrinado por monumentos de culturas diversas, sobretudo católicos apostólicos romanos. Bem que eu merecia provar a famosa culinária evorense e seus famosos vinhos. Foi o que fiz nas minhas duas estadas na cidade.

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