Pontal de Atafona: em 25 anos previsão é de volume colossal de água
Dora Paula Paes - Atualizado em 31/08/2024 08:49
Rodrigo Silveira
No vai e vem das ondas, Atafona perde em câmera lenta área urbana para a erosão costeira, desde a década de 50. Na última terça-feira (26), um relatório apresentado pela Organização das Nações Unidas (ONU) causou um novo sobressalto. Ele mostra dois locais no Brasil que serão diretamente afetados por causa da rápida elevação do Oceano Pacífico, no caso a cidade do Rio de Janeiro e o balneário, em São João da Barra. A previsão para o futuro não é nada promissora, se as autoridades não agirem - uma orientação da própria ONU. Em ambas as cidades, é esperado aumento de até 21 cm, sendo 16 em média, até 2050.

A primeira área a ser engolida foi a Ilha da Convivência; os primeiros registros são datados de1954. Atafona, que atrai olhares de forma global, nasceu como vila de pescadores, hoje tem ruas que só restam ruínas. Sua famosaAvenida Beira Mar também já foi engolida pelas águas e, junto com ela, mais de 200 casas– cerca de 14 quarteirões – também sumiram durante as últimas décadas. A erosão, que chega primeiro com a areia, também afeta belas casas de veraneio que acabaram absorvidas pelo mar.
Pelo relatório divulgado,o nível dos mares subiu 15 cm nos últimos 30 anos em algumas partes do Pacífico. No Rio de Janeiro e em Atafona, o aumento foi de 13 cm no mesmo período.

Neste momento, as atenções se voltam para as duas ruas da "Baixada do Pontal". Uma das ruas já foi desocupada e o cenário é desolador, com dezenas de casas tomadas de areia e destruídas. Os moradores foram retirados para um programa de aluguel social, que segundo a Prefeitura, atende 47 famílias que residiam nesta área de risco. Na outra rua da Baixada, concentração de frigoríficos, o pensamento é de esperar uma solução.
Rodrigo Silveira

"Vivo sozinho. Sou separado da minha família, eu não quis sair. A rua encheu e eu não saio. Enquanto eu puder, vou ficar aqui.O povo abandonou (as casas) com medo do mar. No meu caso, quando o mar chegarquerendo me matar, vou sair", dizJoão Manoel Nunes dos Santos, 64 anos, segundo ele, "pescador desde miudinho" que reside em uma casa com areia expremendo o muro.

O governo municipal informa, em nota, que não está alheio ao problema da erosão costeira vivido há décadas e vem trabalhado de forma responsável e com muita preocupação pelo poder público. "Dentro desse contexto, a orientação foi para a elaboração de um estudo de viabilidade técnica e econômica para que seja analisado o atual cenário para as possíveis soluções. O município já contratou a elaboração do termo de referência e está nas fases finais da elaboração do edital de licitação para a contratação deste estudo... Há um processo de aquisição de uma área em Atafona para construir casas populares para essas pessoas que foram atingidas", diz a nota.

A prefeita Carla Caputi, em rede social, ainda afirmou: "O objetivo é apontar soluções definitivas para minimizarmos esses impactos na nossa cidade", disse. (D.P.P.)
Orientação da ONU é agir para evitar caos 
"Em todo mundo, o aumento do nível do mar tem um poder incomparável de causar estragos nas cidades costeiras e devastar economias litorâneas. Os líderes globais precisam agir: reduzir drasticamente as emissões globais; liderar uma transição rápida e justa para o fim dos combustíveis fósseis; e aumentar massivamente os investimentos em adaptação climática para proteger as pessoas dos riscos presentes e futuros", disse o secretário-geral das Nações Unidas (ONU), António Guterres.

O geólogo Eduardo Bulhões, com relevantes estudos sobre a erosão costeira em Atafona, tem uma leitura sobre o relatório de 2023 e porque Atafona foi incluída. "Atafona ficou conhecida mundialmente por causa de pesquisadores que trabalham na divulgação desse problema...". Quanto a previsão completa: "Mesmo que esses valores sejam pequenos, na ordem de centímetros, quando aplica em uma grande área do oceano significa um volume colossal de água".

A Prefeitura de São João da Barra tem propostas de projetos para conter a erosão. Algumas incluem a construção de quebra-mares para diminuir a força do mar. Mas partiu de Bulhões a proposta de recuperação artificial da praia, transportando areia do fundo do delta do rio. A inspiração é de modelos de países como Holanda, Espanha e Estados Unidos. Por enquanto, nada saiu do papel.

Posição - Na terça-feira (27), o pesquisador da Universidade de Coimbra, em Portugal, Pedro Proença Cunha afirmou que a erosão em Atafona é ocasionada, principalmente, pela construção de barragens e que o problema não é resultado do aquecimento global e derretimento de geleiras que fazem aumentar o nível das marés. A declaração foi durante aula inaugural do Programa de Pós-Graduação em Modelagem e Tecnologia para Meio Ambiente Aplicadas em Recursos Hídricos do Instituto Federal Fluminense, no campus Campos-Centro.O professor tem pesquisa voltada para sedimentação costeira.
Rodrigo Silveira
Na Foz do Paraíba têm turismo e preocupação
Junto com o avanço do mar, vem a curiosidade pelas ruínas. O cenário apocalíptico do Pontal de Atafona atrai curiosos do mundo inteiro. E o próprio comércio acaba por se beneficiar. É o caso do famoso "Restaurante do Ricardinho", que fica na área da Foz do Rio Paraíba do Sul. A dona do estabelecimento, Cristina Pereira, para aplacar a curiosidade dos visitantes, no cardápio do bar imprimiu um texto falando da problemática da erosão costeira que engoliu três outros locais que foram endereços do restaurante.  
Para João Siqueira, diretor do Comitê Hidrográfico do Baixo Paraíba, o agravante na questão da Foz do Paraíba, com a destruição em Atafona, é a questão das barragens que coincidiu com a transposição do Sistema Guandu e retirou dois terços da quantidade de água entregue no mar.
"Essas marés fortes têm avançado e destruindo cidades no litoral brasileiro, em áreas suscetíveis à erosão marinha, inclusive Atafona. O Comité já tinha ciência e acompanha, com estudos. Ainda temos lutas insanas para regularização de vazão nos rios Pomba e Muriaé e criação de reservatórios e manutenção dos níveis dos rios ", disse. 

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