A negação da história nos 30 anos da Uenf
- Atualizado em 26/08/2023 11:59
Uenf
Uenf / Antônio Leudo


No último dia 16 de agosto a Uenf se vestiu para a festa. Emocionados, alunos, servidores técnicos, professores e a comunidade se prepararam para celebrar, com rito e cerimônia oficial, os 30 anos da Universidade. Rituais e cerimônias, independente do tamanho e da pompa, nos convocam a suspender interesses e preocupações imediatas. E nos remetem à duração de coisas grandiosas, que transcendem o horizonte estreito que assumimos em nossas atividades e pelejas corriqueiras. Somos levados a esquecer de coisas pequenas lembrando e exaltando algo grandioso que nos congrega.

Na vida pública, rituais e cerimônias são momentos de celebrar e performar a grandeza de instituições e coletividades. Participar destes momentos é poder tomar parte de algo grandioso que ultrapassa os feitos pessoais e a temporalidade de cada um. Estes feitos adquirem sua eventual grandeza unicamente ao se mostrarem parte da construção da obra duradoura em uma temporalidade cheia de história, memória e futuro. E que transcende o ciclo de vida e atuação das pessoas.

Nestes 30 anos da Uenf, foram muitos os que contribuíram para a construção desta grandiosa Universidade. Deixaram assim seu nome nas páginas de nossa história e memória. Uma parte significativa delas estava presente na Reunião Extraordinária do Conselho Universitário (Consuni) da Universidade, no Centro de Convenções Oscar Niemayer, para a cerimônia oficial de comemoração do aniversário da instituição. Muitos chegaram à Uenf no momento de sua criação e participaram de seus primeiros passos. Como ex-aluno, atual professor e membro do Consuni, observava com muita reverência, respeito e encanto nossos “cabeças brancas” chegando à honrosa cerimônia. A expectativa era que a cerimônia de aniversário fosse um ritual de reverência à história da instituição, o que incluiria lembrar a contribuição de gerações e pessoas que criaram e deram prosseguimento à obra coletiva de 30 anos. Mas a contribuição de nossos “cabeças brancas” foi solenemente ignorada na cerimônia organizada e conduzida pela reitoria.

Perplexos, assistimos uma blasfêmia ritual, um esforço tosco e indecoroso do reitor Raul Palacio para exaltar sua própria gestão, em vez de celebrar a obra maior que transcende e ali nos reunia. Três ex-reitores estavam presentes. Nenhum deles foi convidado a compor a mesa oficial, composta pelo reitor, diretores dos centros e pró-reitores. Também não foram mencionados pelo reitor com o mínimo de deferência. Suas contribuições à história da Uenf foram dolosamente ignoradas, como se a Universidade tivesse começado a existir na atual gestão.

Outros dois ex-reitores muito importantes na história da Uenf estariam presentes se fossem convidados: o professor Wanderley de Souza, que dirigiu a implantação da estrutura da Uenf, e o professor Salassier Bernardo, primeiro reitor eleito da Universidade. Ao atual reitor cabia encerrar a cerimônia no papel do estadista, com visão estendida do passado e do futuro. Mas ele colocou o interesse eleitoral interno e a pequena política no lugar do ritual da grandeza que nos leva a transcender os particularismos. Os grandes feitos que marcam a história da Uenf e o trabalho que os servidores realizaram, antes que o atual grupo político chegasse ao poder, pareciam não ter nenhum valor. A história da Uenf foi sistematicamente negada no seu aniversário de 30 anos.
A negação mais evidente e escandalosa de nossa história foi a narrativa de que a primeira homenagem a um servido técnico-administrativo com a Medalha Darcy Ribeiro, maior honraria concedida pela Uenf, havia ocorrido naquela cerimônia, pelas mãos do reitor Raul Palacio. A homenagem foi indicada e aprovada pelo Conselho Universitário (Consuni), em votação quase unânime, com votos de todas as categorias, inclusive dos professores, em gratidão e reconhecimento pelo trabalho extraordinário de Ademir em defesa da Uenf. Eu mesmo votei entusiasmado para que ele fosse o grande homenageado na festa de 30 anos. Representa muito bem a grande contribuição que os servidores de sua categoria deram e dão à Universidade durante este período. Mas o fato histórico é que ele não foi o primeiro de sua categoria a receber a mais alta homenagem da Uenf. O primeiro a receber a Medalha Darcy Ribeiro foi o técnico Mário Lopes Machado.
Na cerimônia usada pelo reitor para fins eleitoreiros também não havia nenhum trabalho de memória institucional com base em arquivos fotográficos e audiovisuais. Os slides apresentados pelo dirigente máximo da Uenf estavam focados em sua própria gestão. De um reitor se espera respeito à Universidade que dirige. Isso exige respeitar os ritos, a história e a memória da instituição. O reconhecimento do trabalho e das contribuições dos que vieram antes é parte inseparável disso. Dele também se espera que saiba separar o significado maior de uma cerimônia oficial para celebrar o nascimento da Uenf do desejo particular de elogiar o próprio mandato e promover seus objetivos eleitorais de curto prazo. Usar a memória da Uenf para estes objetivos é um ataque direto à sua grandeza. Ao magnífico reitor faltou magnanimidade.
Mas memória de uma instituição nunca está concluída, pois a história das contribuições e protagonistas apagados pode sempre ser recuperada pela luta. Não uma luta em nome da vaidade de ex-reitores, servidores técnicos, professores e alunos. Mas uma luta em nome da verdade histórica sobre a construção e o legado da Uenf. Não uma luta em torno do passado e suas picuinhas. Mas uma luta em torno do futuro, porque o costume de encurtar o horizonte temporal do passado, tratando 30 anos de Universidade como se fossem os 4 anos do mandato de um reitor, tem afinidade carnal com o costume de negligenciar o futuro. A Uenf não merece e não aceitará esta tentava de apequená-la.


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