Christiano Fagundes - Ao Livro Verde: testemunha da nossa História
Christiano Fagundes - Atualizado em 16/08/2023 11:53
“Tropeçavas nos astros desastrada
Quase não tínhamos livros em casa
E a cidade não tinha livraria
Mas os livros que em nossa vida entraram
São como a radiação de um corpo negro
Apontando pra a expansão do Universo
Porque a frase, o conceito, o enredo, o verso
(E, sem dúvida, sobretudo o verso)
É o que pode lançar mundos no mundo”
(Caetano Veloso)
Uma livraria é muito importante para a sociedade, para a humanidade. Não se deve pensar uma livraria apenas como uma loja voltada para comércio de livros, pois isso revela uma visão pequena, equivocada, da função social, cultural de uma livraria. As livrarias desempenham um papel extremamente fundamental no processo de formação dos cidadãos.
Diante do pedido judicial de autofalência formulado pela Livraria Ao Livro Verde, diversas instituições aderiram ao Movimento “SOS Ao Livro Verde”, entre as quais estão insertas: a Academia Campista de Letras, a Academia Brasileira de Letras, Fundação Cultural de Campos, Folha da Manhã, CDL Campos, Instituto Histórico e Geográfico de Campos dos Goytacazes entre outras.
Na última segunda-feira (14), ocorreu uma audiência pública, na Câmara Municipal de Campos, cuja pauta era discutir medidas com o desiderato precípuo de evitar o encerramento das atividades da histórica Livraria, oportunidade em que representei a ACL, dissertando sobre o trinômio: história, cultura e identidade.
A historiadora, escritora e membra da Academia Campista de Letras, professora Sylvia Paes, gravou um vídeo, destinado à campanha “SOS Ao Livro Verde”, em que registra a importância da Ao Livro Verde, como entidade guardiã da nossa memória, in verbis: “A livraria Ao Livro Verde é muito mais do que a livraria mais antiga do Brasil ou da América Latina. Ela é testemunha da nossa História. (...) ela é testemunha e guarda a nossa memória. Essa é a livraria Ao Livro Verde”.
A relevância da Ao Livro Verde perpassa pela mobilização cultural, artística e intelectual da nossa cidade, sendo espaço para encontro entre escritores, pensadores, estudantes e leitores, ou seja, trata-se de espaço que contribui para a humanização. Exemplifico, citando os diversos encontros literários realizados com a presença do grande professor e acadêmico Fernando da Silveira, agasalhados pela Ao Livro Verde.
Na inauguração do Cyber café da Ao Livro Verde, ocorreu o lançamento do meu livro “Canções & Poesias: momentos (di) versos”, um momento que guardo na minha memória afetiva. Na ocasião, eu e o escritor Cláudio Borba fomos convidados para lançarmos livros, inaugurando, assim, o referido espaço.
Quando afirmo que a livraria é um espaço fértil para a humanização, fulcro as raízes dessa assertiva na lição do crítico literário Antonio Candido, para quem a humanização é o “processo que confirma no homem aqueles traços que reputamos essenciais, como o exercício da reflexão, a aquisição do saber, a boa disposição para com o próximo, o afinamento das emoções, a capacidade de penetrar nos problemas da vida, o senso da beleza, a percepção da complexidade do mundo e dos seres, o cultivo do humor. A literatura desenvolve em nós a quota de humanidade na medida em que nos torna mais compreensivos e abertos para a natureza, a sociedade, o semelhante”.
A livraria mais antiga do mundo é a “Bertrand”. Foi fundada em 1732 e fica localizada em Lisboa. E nós temos a Livraria mais antiga do Brasil, Ao Livro Verde. Ela é nossa, brotou no solo de Campos dos Goytacazes, cidade de José Cândido de Carvalho, de Benta Pereira, de José de Patrocínio, sendo fundada em 1844 pelo português José Vaz Corrêa Coimbra, sucedido por M J Miranda Salgado e Max Zulchner. Ambas as livrarias estão no “Guinness Book”. Mister inclusive trazer à baila que o autor do romance “O coronel e o lobisomem”, obra-prima lançada em 1964, ambientalizou parte da narrativa na Ao Livro Verde, fazendo-a ser conhecida no plano internacional. Segue um fragmento que ratifica essa assertiva: “(...) num abrir e fechar de olho arranjou sala e saleta no alto do livro Verde, na praça da Quitanda. Da sacada a gente via o povinho passar e ainda pegava um naco de beira-rio”.
Certamente, o coronel de patente, Ponciano de Azeredo Furtado, defenderia a nossa livraria, para que não perecesse “talqualmente leite de mamão”, “escorrendo como melado em cuia furada”, evitando, assim, que nossa cidade andasse “pratrasmente”.
Sobre a importância dos livros, trago à luz versos clássicos do poeta Castro Alves, muito difundidos e deveras oportunos na atual conjuntura:
“Oh! Bendito o que semeia
Livros... livros à mão cheia...
E manda o povo pensar!
O livro caindo n’alma
É germe – que faz a palma,
É chuva – que faz o mar”.
Nessa mesma toada, destacando a imprescindibilidade da leitura, da literatura, consigno o seguinte pensamento de Monteiro Lobato: “Quem mal lê, mal ouve, mal fala, mal vê”. Aliás, segundo esse escritor, “um país se faz com homens e com livros”.
Em tempos adversos, com episódios de invasão em escolas, de retrocessos sociais, é preciso, ainda mais, jogar os refletores para a literatura. A Academia Campista de Letras, a Casa da literatura campista, é uma das instituições que apoiam o projeto “SOS Ao Livro Verde”. Salvar Ao Livro Verde é preservar a nossa História.

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