A eleição no Chile já está consolidada. O candidato de esquerda, Gabriel Boric, líder dos protestos estudantis de 2011, foi eleito presidente neste domingo (19). O derrotado foi o ultradireitista José Antônio Kast. Boric recebeu 55,8% (contra 44,1% de Kast) dos 4,2 milhões de eleitores, se tornando o candidato mais votado da história chilena.
O líder estudantil de 35 anos será o mais jovem presidente da história do país. A eleição no Chile ganhou contornos continentais, e trazia uma disputa entre um candidato de esquerda e outro de extrema-direita, como deverá — caso todas as pesquisas se confirmem — acontecer no Brasil em 2022.
O derrotado Kast é admirador do ditador chileno Augusto Pinochet. Em 1988 votou pela continuidade do regime militar, em plesbicito. Seu pai foi oficial do Exército alemão e apoiador do nazismo. Está no extremo, é um radical.
O Chile hoje e amanhã
O domingo chileno mostrou que os partidos tradicionais de lá foram rejeitados. A ida de Boric à presidência acaba carregando ao poder uma nova geração de políticos, muitos oriundos dos movimentos de rua no Chile, que viam se intensificando desde 2011.
A oposição que o presidente eleito enfrentava tentou impor-lhe a imagem de “radical de esquerda”, principalmente em relação às pautas de costume, como aborto, e suas posições sobre as populações originárias e imigrantes. A volta do "comunismo" era o temor de parte da população, influenciada por Kast.
Para vencer e superar essa ideia, Boric moderou o discurso e se reconciliou com a “Concertação”, aliança de centro-esquerda que governou o Chile por 20 anos — conseguindo os apoios dos ex-presidentes Ricardo Lagos e Michelle Bachelet.
O direitista Sebastián Piñera, atualmente presidente do país, que deixa o mandato em março de 2022, enfrentava grande rejeição. Apesar de conseguir uma “Frente Ampla” contra a direita democrática e o extremismo, Boric comandará um país dividido, e ainda um plebiscito pela aprovação ou rejeição da nova Constituição. Em caso de aprovação, o desafio de aplicá-la deverá ser um dos pontos de mais atenção do governo eleito.
O Chile de ontem e o Brasil de hoje
O Chile era um exemplo para a América Latina de um país de tinha dado certo. Com várias privatizações, corte de gastos em serviços públicos, bons números na dívida pública, no PIB e na renda per capita, foi chamada de “Suíça latino-americana” por Paulo Guedes, atual ministro da Economia do Brasil.
Guedes fez parte de um grupo de economistas chamado de “Chicago boys”, que ajudaram o ditador Pinochet a implantar uma economia de mercado enquanto direitos civis e sociais eram suprimidos. O resultado foi uma população endividada, que pagava caro por educação e saúde, e que no final da vida, após um modelo de capitalização na previdência chilena, nove em cada dez aposentados recebia menos de 60% do salário mínimo. Gerando uma infinidade de revoltas populares.
Talvez a frieza dos “homens de mercado” não tenham compreendido os desafios do mundo real, e os sacrifícios que um liberalismo anacrônico e estúpido submetera a população chilena. A miséria de aposentados que tinham que escolher e entre comer ou comprar remédios não estava nos cálculos das planilhas.
Radicalismo ideológico e fetiche neoliberal produziram a eleição de Gabriel Boric no Chile. O mesmo modelo imposto pelo governo Bolsonaro parece caminhar para produzir a volta do PT ao comando do Brasil. Como nos ensina o Chile neste domingo, o “fim da social-democracia” combinada com um governo autoritário e uma economia totalmente livre só produz o caos.
Caso a história de repita nas eleições brasileiras de 2022, podemos ter tragédia e farsa em mesmo tempo histórico, já que, diferente de Boric, Lula significa uma “volta ao passado”. Porém, com toda certeza, precisamos vencer nosso Pinochet.