"O que é Iphan?": Bolsonaro não entende nada de patrimônio, mas muito de patrimonialismo
Edmundo Siqueira 16/12/2021 23:00 - Atualizado em 16/12/2021 23:05
 
“Há pouco tempo tomei conhecimento que uma obra, de uma pessoa conhecida, o Luciano Hang, que estava fazendo mais uma obra… E apareceu um pedaço de azulejo durante as escavações. Aí, chegou o Iphan e interditou a obra. Bem, eu liguei pro ministro da pasta…’Que trem é esse?’. Eu não sou tão inteligente como meus ministros. “O que que é Iphan, com ‘ph’?”. Explicaram pra mim, tomei conhecimento e ripei todo mundo do Iphan…botei outro cara lá. O Iphan não dá mais dor de cabeça para a gente”.
Foram essas as palavras que o presidente da República usou para se referir ao Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan). O órgão federal, que existe há 84 anos, foi criado com a finalidade de proteger o patrimônio histórico, material e imaterial, e atua como um guardião da memória coletiva do país.
Além de mostrar total desconhecimento de uma área fundamental — e estratégica —, Bolsonaro assume que agiu em benefício de um amigo, aparelhando a máquina estatal em favorecimento particular. Patrimonialismo, em estado puro. A construção de uma loja da Havan, de propriedade do amigo palaciano, Luciano Hang, afetava um elemento de valor histórico-cultural. Para preservá-lo, o Iphan pediu a interrupção da obra, cumprindo seu papel. O que fez o presidente? Mudou a e direção do Instituto, nomeando alguém que seguisse suas ordens, mesmo que elas sendo ilegais ou destrutivas.
O Iphan se consolidou como um órgão de excelência, dotado de pessoal técnico capacitado para agir em proteção do patrimônio brasileiro. Como qualquer instituição, tinha problemas e incoerências, mas vinha atuando plenamente, realizando intervenções coerentes. Evitando que a cultura e a memória do Brasil fossem (mais) destruídas.
As mudanças promovidas pelo governo Bolsonaro em aparelhos culturais e de proteção ao patrimônio são inúmeras. Sempre para pior. Basta que o leitor se lembre da última pessoa (Regina Duarte) que ocupou a Secretaria da Cultura, e suas declarações e omissões. Ou fazer uma breve pesquisa sobre o atual ocupante, Mário Frias, que é um ator medíocre, consegue ser muito talentoso na incompetência à frente da pasta. Reconhecido, quase que por unanimidade, por quem entende do assunto.
Dissesse e que disse o presidente em um pronunciamento, sozinho, já seria absurdo. Mas foi dito para uma plateia de empresários que aplaudiu esfuziantemente a declaração. A falta de compreensão da importância da história e da cultura parece ser generalizada. O Estado agir em benefício de um particular, afetando a coletividade, parece ser naturalizado. E aplaudido.
Isso diz muito sobre a qualidade da “elite” que temos.
É muito grave um presidente não saber o que é o Iphan. É criminoso o chefe da nação achar que pode intervir em um órgão para favorecer um amigo. É gravíssimo ele ser aplaudido depois de dizer isso. A única notícia boa disso é que vamos melhorar; pois estamos no fundo do poço.

ÚLTIMAS NOTÍCIAS

    Sobre o autor

    Edmundo Siqueira

    [email protected]