Dentro das quatro vias - quem tem mais chance em 2022?
30/11/2021 00:25 - Atualizado em 30/11/2021 00:34
A política é uma expressão humana complexa e intrínseca da vida em sociedade. É também ciência; cheia de variáveis, e muitas vezes sem o distanciamento necessário — com algum prejuízo por vínculo emocional —com o objeto de pesquisa. Mas, quando encarada com seriedade, ela nunca é profecia ou desejo de resultado. É análise, que muitas vezes contradiz com a vontade pessoal do analista.
As pesquisas eleitorais também são baseadas em ciência (salvo quando realizada por um ou outro instituto corrompido). São baseadas em estatística e números frios; imparciais, portanto. Se vão influenciar o resultado das urnas é outra história. Mas são fotografias fiéis de momentos. E sim, alteráveis, como toda ciência que se preze. 
A foto do momento mostra quatro candidatos à presidência com viabilidade para 2022. Em ordem: Lula e Bolsonaro, com mais chances de protagonizarem o segundo turno, são seguidos de Moro e Ciro, empatados(?) na margem de erro.
Se os cenários, as tendências e as probabilidades se mantiverem, a vaga ao segundo turno só é certa para o candidato petista. E  nesse caminho, quem o enfrentará? Ciro Gomes ainda tem chances? Sérgio Moro manterá seu percentual atual? Bolsonaro é carta fora do baralho?
Para buscar entender as muitas vaiáveis, a proposta aqui é conversar com quem entende do assunto e usa a ciência para fazer análise. Sobre as quatro vias prováveis, dentro das quatro linhas do jogo eleitoral, trago um diálogo com o cientista político e sociólogo George Gomes Coutinho, da UFF. De novo, pela ordem:
Lula (PT)
O favorito em todas as pesquisas, algumas indicando a vitória já em primeiro turno, têm muito ainda a explicar, mas parece fugir de assuntos mais espinhosos, concedendo entrevista apenas em “terrenos seguros”. A corrupção nos governos do PT e a crise econômica dos governos Dilma são alguns dos temas que Lula não quer ouvir falar.
Para complicar mais a situação, vem suavizando e relativizando regimes ditatoriais, como no episódio recente onde comparou Daniel Ortega, da Nicarágua, com Angela Merkel, chanceler alemã. Ortega prendeu todos seus oponentes, impõe forte repressão a vozes críticas e manipulou as eleições. A Alemanha, ao contrário, é um país democrático. 
Ao seu favor, Lula tem a memória positiva de seu governo, onde valorizou sobremaneira o salário mínimo, entregando um aumento de 155% em relação ao valor do início de seu mandato, com 53,6% de aumento real. Além de levar o país à sexta posição entre as maiores economias do mundo, e melhorar significativamente a imagem do Brasil no exterior.
E soube utilizar esse ativo no tour que fez para Europa, onde foi recebido como chefe de estado, e produziu uma comparação calculada com o desastroso governo Bolsonaro, também em política externa.
A grande questão sobre Lula talvez seja seu apego à democracia. Os governos do PT foram democráticos em essência, porém a liderança de Lula no partido é hegemônica, personalista e centralizadora. O PT tem muitas alas, e a mais radicalizada concorda que a força pode ser usada para atingir determinado fim. E ainda temos o esquema do mensalão, que foi corrupção usada para neutralizar o poder legislativo. Somando-se tudo isso à simpatia aos regimes de esquerdas autoritários, a pergunta é: Lula é mesmo um democrata convicto?
George Gomes Coutinho - 
A questão é absolutamente oportuna e complexa. É muito difícil responde-la sem considerar a cultura política de esquerda em geral e a da latino-americana em particular. Há um componente antissistema de crítica à democracia representativa liberal que está no DNA da esquerda desde o século XIX. Ela se justifica pelo caráter plutocrático e/ou oligárquico das experiências liberais realmente existentes no decorrer do mesmo século que citei, prosseguiram no século XX e seguem na contemporaneidade. Voto censitário, pânico moral, obstáculos ao avanço dos setores subalternos no sistema político formal e até mesmo manobras para punir e dificultar o acesso de negros, asiáticos e latinos nas últimas eleições nacionais norte-americanas se apresentam enquanto indicativos concretos da demofobia, a face oculta de muitos que se apresentam como “campeões da liberdade”.
Decerto a fisionomia da democracia representativa liberal foi se modificando gradativamente e a passos de cágado do final do século XIX até o presente. Contudo, não é movimento linear e tampouco se torna petrificado. As democracias progridem em termos políticos, sociais e civis. Mas, também retroagem. A democracia moderna enquanto sistema é suficientemente elástica, moldável aos movimentos e esbarrões oriundos do conflito de interesses em sociedades complexas. Há vasta literatura recente que confirma esta tese.
No caso latino-americano a esquerda se depara com inúmeras questões que adensam a crítica antissistema. Golpes de Estado, perseguições, eliminação artificial e violenta de partidos que representavam importantes grupos deste lado do espectro político, a dificuldade da universalização do direito ao voto, a interferência norte-americana em diversos países da região, etc.. Eu poderia apresentar um verdadeiro rosário factual neste âmbito. Com tudo isso creio que cabe matizar o Partido dos Trabalhadores e Lula nesse debate.
O Partido dos Trabalhadores e Lula se constroem no movimento da lenta deterioração da ditadura civil-militar de 1964. É contra o regime autocrático nativo que Lula e o PT se apresentam junto a outras forças, algumas destas genuinamente democráticas e outras de arrependidos de última hora. No âmbito doméstico Lula e o PT são, portanto, inequivocamente forças democráticas, algo demonstrado para “fora das portas da sede do partido” digamos assim. Não são o fiat lux do fisiologismo existente no sistema político brasileiro. Todavia, pragmaticamente se adaptaram a este. O “mensalão” e assemelhados, que sem dúvida alguma devem ser combatidos a despeito de quem o pratique justamente por seus efeitos degenerescentes, diz muito sobre parte do sistema político brasileiro formal. Trata-se do mesmo sistema que operou com a compra da emenda da reeleição de FHC, com o escândalo dos “anões do orçamento” e atualmente se organizou nos arredores do inacreditável “orçamento secreto”.
Já para “dentro da sede do partido”, sua questão lida com uma contradição importante. Sua reflexão não ignora a diversidade constitutiva do partido, talvez um dos partidos de fauna mais diversa do sistema partidário brasileiro. As divergências estão ali presentes e os debates são muitas das vezes duríssimos. A hegemonia lulista foi construída e, como toda hegemonia, se assenta em um princípio de equilíbrio dinâmico que é mais precário do que aparenta ser. É plébiscite de tous les jours, tal como toda hegemonia. Mas, é esta que está presente e os outros grupos internos e externos ao partido podem enfrenta-la, endossá-la, questioná-la. De forma ou de outra, o lulismo não perdurará no médio prazo por razões auto-evidentes e caberá aos quadros do partido se teremos continuadores, reformadores, contestadores, enfim, disposições encontráveis em partidos longevos e orgânicos como o PT.
Para finalizar, Venezuela e Nicarágua se apresentam no contexto da cultura política da esquerda latino-americana, reconhecendo PT e Lula como parte desta, que acredita ter razões factuais para relativizar a defesa da democracia representativa liberal, quando havia, nestas partes soberanas de nosso continente. As dinâmicas da disputa política interna a esses países, a inviabilidade da manutenção da concorrência eleitoral e da efetiva alternância de poder pelo voto, produziu o cenário explosivo que dinamitou a ditadura de Fulgencio Batista em Cuba, redundou na emergência do movimento Sandinista na Nicarágua e ocasionou o chavismo venezuelano em uma sequência inaudita de golpes e contragolpes. A defesa destes regimes segue uma tradição regional pela esquerda e sem dúvida merece sim uma reflexão em outros patamares. Porém, a defesa contextual e não absoluta de Cuba, Venezuela e congêneres não autoriza as acusações de autoritarismo feitas ao PT ou a Lula. A prática intransigente da democracia representativa feita por Lula ou pelo partido desde sua fundação não pode ser ignorada. Em sentido lato, há a defesa das regras do jogo na circunscrição doméstica. O que não nos impede de reconhecer que no atual contexto da opinião pública brasileira Lula deu uma pisada de bola e tanto e entregou um belo de um dog whistle para setores da direita brasileira ao mencionar Ortega e arredores.
Os ex-presidentes Dilma Rousseff e Lula, Raúl Castro e Nicolás Maduro em evento para homenagear Fidel Castro, em Santiago de Cuba
Carlos Barria - 3.dez.16/Reuters
Os ex-presidentes Dilma Rousseff e Lula, Raúl Castro e Nicolás Maduro em evento para homenagear Fidel Castro, em Santiago de Cuba Carlos Barria - 3.dez.16/Reuters
 
 
Bolsonaro
O governo Bolsonaro é um desastre em vários sentidos. Incompetente, de viés protofascista, negacionista, com casos de corrupção não resolvidos, e responsável por agravar as já graves crises econômica e sanitária. Tentou levar as conflitos institucionais que criou ao limite de um golpe, mas não conseguiu. Alugou o governo aos radicais olavistas, aos militares e agora entrega ao Centrão o comando do orçamento.
Bolsonaro sabe que se ficar mais comedido talvez interrompa a queda nas pesquisas, mas, por outro lado, parece ser incapaz de moderar o discurso, e com isso perder os apoiadores barulhentos da extrema-direita. O fato é que vem desidratando nas últimas pesquisas.
Qual força será determinante nas eleições de 2022, caso Bolsonaro esteja candidato? O antibolsonarismo ou o antipetismo? Ele pode se considerado fora da disputa, mesmo estando sentado na cadeira da presidência?
George - Neste momento eu concordo com as teses que apontam o antipetismo como uma das maiores forças, se não for a maior força, que irá modular o debate das eleições presidenciais de 2022. Um indicativo disto é a opção tática de Ciro Gomes. Sendo nome inegavelmente da centro-esquerda, não deixa de ser sintomático que tenha encrudescido suas críticas justamente em direção ao PT e a Lula. Todos os outros adversários farão isso e já dão sinais que farão, João Dória por exemplo.
Há um clima para isso e não deixa de causar certa perplexidade que estejamos entrando, em 2022, em um tipo de eleição plebiscitária que irá se posicionar contra ou favoravelmente ao legado petista de 2003 a agosto de 2016. Em minha perspectiva não deixa de ser algo até mesmo patológico e dá indicativos sobre como se constituiu a opinião pública brasileira de 2004 até o presente. Me explico.
Em condições outras não seria previsível termos uma eleição plebiscitária sobre o governo em vigência, ou seja, uma disputa que encaminharia Bolsonaro reeleito ou o retiraria democraticamente do executivo federal. Justamente pela práxis de um governo de extrema-direita que só não avançou mais em sua pauta reacionária por falta de competência, o que o levou a buscar alguma governabilidade abraçado apaixonadamente à centro-direita fisiológica, o debate poderia ter se encaminhado para uma oposição entre autoritarismo de extrema direita e o restante do espectro político. Mas, esta configuração está diluída. Os movimentos anti-bolsonaro, a um só tempo politicamente relevantes e quantitativamente diminutos, ainda não se tornaram movimentos de massa. E não indicam que se tornarão.
O presidente Jair Bolsonaro abraça a deputada alemã Beatrix von Storch, do partido de extrema-direita, e o marido dela, Sven von Storch. Storch é Lutz Graf von Krosigk, ministro de Finanças do Governo nazista de Adolph Hitler.
O presidente Jair Bolsonaro abraça a deputada alemã Beatrix von Storch, do partido de extrema-direita, e o marido dela, Sven von Storch. Storch é Lutz Graf von Krosigk, ministro de Finanças do Governo nazista de Adolph Hitler. / Reprodução
A opinião pública brasileira deste século XXI, desde a espetacularização do “mensalão” que transformou lamentavelmente o próprio STF em algum tipo de reality show, se estruturou fortemente nos arredores do PT. Incluo aqui parte da mídia profissional, blogs, redes sociais, mídia corporativa, estabelecidos, outsiders, enfim, este “caldo”, digamos assim, de comunicação em sentido amplo. Incluo tanto comunicação oligopolizada quanto a descentralizada. O PT e Lula são algum tipo de nêmesis (termo grego que indica vingança ou indignação justificada) para diferentes setores da sociedade brasileira.
Parte da opinião pública ao eleger o PT como protagonista destas eleições em uma lente ideológica por vezes distorcida, onde o partido é colocado na mesma toada anti-democrática da extrema direita brasileira, evidencia duas coisas em minha perspectiva. A primeira delas é o impacto causado pelas políticas petistas, o sutil revolver do status quo brasileiro usualmente anti-popular, avesso a mudanças que de alguma maneira mitiguem a ancestral desigualdade de distribuição de bens materiais, simbólicos, oportunidades. O PT, mesmo que só tenha tocado superficialmente nesta estrutura, se apresenta no imaginário de diferentes grupos como uma via para retomar uma agenda inclusiva que sintetize de maneira conciliatória Estado e mercado. No outro lado, em amplo espectro da sociedade e por um feixe de motivações amplo, há justamente os que se contrapõem a estas políticas por seus efeitos sociais, econômicos, simbólicos, etc.
O segundo ponto que transparece neste debate, ora vejam, é o estabelecimento de prioridades na construção da própria opinião pública brasileira contemporânea, algo que já mencionei. Aparentemente o debate democracia versus práticas consistentemente autoritárias da extrema direita é algo secundário, de menor valor para parte dos formuladores da opinião pública nativa. Por trás do espantalho da regulação da propriedade dos meios de comunicação, ponto que o PT maneja de maneira indiscutivelmente incompetente, o partido é jogado no balaio de feras dos que desprezam a democracia representativa, justamente o mesmo partido que optou por jogar nas regras do jogo e nas eleições que perdeu foi oposição utilizando os instrumentos constitucionais.
Considero a modulação petismo versus antipetismo mais uma tragédia brasileira neste momento da conjuntura das eleições de 2022. E esta modulação nos diz muito sobre o quanto a nossa estrutura desigual deve ser preservada para alguns ou enfrentada na ótica de outros. Democracia versus arroubos autoritários não parece causar comoção de fato neste momento. Quem diria. 
Sérgio Moro
O ex-juiz Moro é a personificação do falso moralismo. Aceitou ser ministro do político mais favorecido pela prisão de outro que foi preso por ele. Atuou, com salário alto, na Alvarez & Marsal, empresa que administra a recuperação judicial da Odebrecht, destruída após a Operação Lava Jato, comandada por ele. Tenta vender a imagem de pureza e moralidade, mas propõe a criação de um tribunal de exceção, já em seu discurso de filiação ao Podemos. E usa a Ucrânia como exemplo.
Moro não tem perfil conciliador, não é acostumado a ceder e negociar, e é igualmente odiado por bolsonaristas e lulistas. Não tem carisma, e apresenta um populismo liberal ultrapassado e tem na pauta anticorrupção a única proposta. Apesar de ter sido ministro de Bolsonaro, Moro parece ter sido identificado como alternativa aos bolsonaristas arrependidos e a quem rejeita o PT; os chamados “nem-nem”. Em algumas pesquisas aparece em terceiro lugar, e pode crescer com o apoio explícito de parte da imprensa e pela imagem de outsider.
Moro tem espaço para crescer ao ponto de tirar Bolsonaro da disputa? Em 2018 o tema de maior preocupação dos brasileiros era a corrupção; hoje não mais. Há chance de um segundo turno entre algoz e vítima (Lula x Moro)?
George - Sem dúvida. Moro é agente de inegável impacto desde que alçado, após consistente trabalho sistemático de construção de sua imagem, a uma espécie de messias de uma religião secular chamada “lava-jatismo”, criatura esta tanto da mídia corporativa quanto de parte de diferentes grupos sociais brasileiros.
O lava-jatismo é fundamentalista e indica cisão na base social da extrema-direita brasileira. Uma parte da extrema-direita local é amalgamada com Bolsonaro, seus filhos e demais personagens periféricos. Trata-se de agenda da entropia, da retirada da regulação normativa de inúmeras esferas da sociedade. Algo como algum tipo de Estado de Natureza patriarcal cristão a ser instituído.
O lava-jatismo atende a outra agenda. A eliminação do impuro. Tal como no bolsonarismo, não há adversários. Há inimigos. Contudo, se no caso do bolsonarismo o inimigo é difuso, no caso do lava-jatismo há algum tipo de tentativa de precisão em diagnóstico e do sujeito coletivo a ser abatido. A doença a ser eliminada é a corrupção e o sujeito coletivo seria aquele seletivamente identificado como corrupto. Neste caso não há Estado Democrático de Direito e tampouco qualquer tipo de salvaguardas para a democracia representativa liberal. Moro é leitor de heróis em quadrinhos e as práticas antissistema, que certamente fazem sucesso em personagens Marvel como O Justiceiro ou Demolidor, ganham face institucional quase psicopática, sem remorso, autocrítica, nada. Excludentes de ilicitude, tribunais penais de exceção, atropelos rotineiros a garantias fundamentais e tudo isso espantosamente amparado por parte do jornalismo profissional. E eis o ponto de maior força de Moro. A torcida em parte da imprensa que irá ignorar, mitigar, incensar, projetar sua candidatura. Há uma chocante legião apaixonada de assessores de imprensa para o candidato.
Bolsonaro conta ainda com parte do apoio de alguns veículos. Mas, aí seria neste momento uma mídia mambembe, algo entre patética e caricata, com cheiro de naftalina e que viu em um governo fraco a possibilidade de ganhar mais uns trocados bajulando e cafetinando o mandatário. Já Moro não. É jornalismo de ternos bem cortados, com quadros que frequentam determinados think tanks e, em ultima instância, veem no ex-juiz a possibilidade de personificação deste artefato chamado “terceira via”: alguém que pode ser o que bem quiser, mesmo atuando fora dos limites do Estado de Direito, algo que não é o problema desde que as diretrizes de arrocho fiscal e redução do custo da força de trabalho prossigam. Moro é a continuação do projeto da extrema direita em vigência com o agravante de ser blindado, ainda por um bom tempo, por parte dos cabos eleitorais espalhados pela mídia brasileira.
Só gostaria de deixar claro que Moro é possibilidade e não fato consumado. E Bolsonaro, com sua base social engajada, militante e profundamente identificada com ele, quase sua imagem e semelhança, pode recuperar fôlego a depender de movimentos da conjuntura e de suas decisões políticas, especificamente aquelas que deem algum tipo de enfrentamento, mesmo que de curto prazo e sem sustentabilidade, aos prejuízos da pandemia. A conjuntura das eleições 2022 deve ser acompanhada dia a após dia.
Ciro Gomes
A chance de Ciro é o fracasso de Lula. A direita e a centro-direita dificilmente teria o Ciro como opção. Os liberais não aceitam alguém com as ideias de nacional desenvolvimentismo que o Ciro apresenta. Já a esquerda o tem como segunda opção, e ele encontra resistência profunda no chamado lulopetismo. Alguns setores da imprensa e analistas políticos já veem como impossível Ciro avançar ao segundo turno em um cenário com Lula na disputa.
A real chance do pedetista chegar à presidência foi em 2018, com clara vantagem que mostrava ter em relação a Haddad na disputa com Bolsonaro. Caso recebesse apoio petista, teria boas chances de vencer aquelas eleições. E Ciro guarda ressentimento. Político de muita inteligência, experiência e sólida formação , parece apresentar um conflito constante entre sua racionalidade e seu ódio.
Agora tenta impor o retorno do trabalhismo brasileiro, mas perdeu os sindicatos e o funcionalismo público para o PT. Mas tem um piso alto, uma militância que o venera e vê nele a única solução para um Brasil polarizado. A “turma do livrinho” justifica seu apoio ao projeto que Ciro apresenta. E com razão de ser, já que é o único candidato viável que apresenta um projeto claro. Ciro aposta em um novo keynesianismo e no estado indutor.
Ciro Gomes é sem dúvida o quadro mais preparado -- técnica e intelectualmente. E tem projeto com aplicabilidade provada no Ceará. Porém, como outros políticos de alta qualidade na história (como Oswaldo Aranha, por exemplo) esbarram em figuras icônicas que aparecem por  vezes na vida política, como Getúlio Vargas e Lula. Ciro será lembrado apenas como um “desperdício”? Existe algum caminho possível para ele estar no segundo turno?
George - Ciro Gomes...muita virtú! Mas, pouca fortuna? Eis o dilema do momento e concordamos. Ciro é sem dúvida um quadro de inegável capacidade e sofisticação intelectual. A sua experiência a frente do governo cearense rendeu a qualificação de “bom governo nos trópicos”, título dado por ninguém menos que Judith Tendler (economista, professora do Massachusetts Institute of Technology - MIT). Vale lembrar, para ser justo, que o mesmo se aplica ao período de Tasso Jereissati no estado, o que pode ser considerado como pontapé do ciclo virtuoso de boa governança e explica os excelentes resultados do Ceará em inúmeras áreas, com destaque invejável para a educação pública por lá.
Arrisco dizer que em termos sistemáticos, operando com indicadores, metas e diagnósticos precisos, Ciro é o único armado com um projeto do tamanho do problema que pretende enfrentar. Sim, é um liberal keynesiano que não embarcou na satanização do Estado cuidadosamente construída por think tanks liberais e pelo PSDB, o partido que decretou a morte do nacional-desenvolvimentismo ainda na década de 1990. Também arrisco a dizer que Ciro está sintonizado com as mudanças emergentes de paradigma de governo do green new deal ou da atuação estatal com preocupações sociais na União Europeia nesta conjuntura pandêmica.
E, bem, e a delimitação dos interesses do eleitor com isso? Lida com um rol de opções que, sem dúvida, colocam Ciro em situação de desvantagem. Não por suas qualidades. Mas, pelos afetos, pela memória do eleitor, a identificação do mesmo. Lula e Bolsonaro são sim lideranças populares, estão em plena atuação e atraem seus eleitores, mesmo que com motivações programáticas e ideológicas diferentes. Moro, quando entra em cena como possível candidato, fura a tática cirista de tentar atrair o voto do eleitor médio da direita. O cenário é desafiador, teríamos que ter novidades e rupturas severas no tabuleiro, o que inclui a inviabilização de candidaturas dos três citados ou a reversão de preferências quase como milagre. O importante é frisar que neste cenário de 2022 os méritos de Ciro talvez sejam francamente insuficientes. Mas, como já disse, 2022 não será uma eleição ordinária, tal como não foi 2018 e, de alguma maneira, não foi 2014. Pode acontecer de tudo, para bem ou para o mal.
 
 
 
 

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    Edmundo Siqueira

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