Um reluzente touro (ou bezerro?) dourado despontou nas telas dos celulares de muitos brasileiros nesta semana. A escultura — com camadas de fibra de vidro revestindo uma estrutura metálica, e pintura amarelo ouro —, assinada pelo artista plástico Rafael Brancatelli, foi colocada em frente a B3 (G1), empresa que administra a Bolsa de Valores na famosa Faria Lima; e viralizou com críticas contundentes.
Fazendo clara alusão ao touro de Wall Street, a tentativa da estátua brasileira também foi mostrar a pujança da economia. Porém, a sua excelência, o fato, tratou de contradizer o espírito irrealista e quimérico da elite financeira do país. E o fato é que pessoas estão passando fome. Fome real, que obriga a roer ossos e vasculhar o lixo.
O tal “touro de ouro” da Faria Lima é uma excrecência em diversos sentidos. Diferente do americano, escolheu-se o ouro como o metal simbolizado. Em Wall Street a estátua é de bronze, sinal de força e durabilidade. Já um “bezerro de ouro” tem o significado bíblico de “falso Deus”. Nisso, talvez, o monumento esteja correto. E creio que acerta também na posição do animal representado — estando por aqui em defesa, acuado, quase caindo sentado. Nos EUA a posição é de ataque.
Para além dos pecados estéticos, e simbolismos errôneos, e de reforçar um complexo de vira-latas que adora tudo que vem da América “de cima”, o chamado 'mercado' erguer monumentos aos ganhos de capital, que em sua maioria são conseguidos à custa de especulação financeira, juros altos e inflação, é uma afronta. É amoral. Uma rápida ida ao supermercado comprova que muitos brasileiros estão em necessidade, em falta do básico. Mesmo para um farialimer isso é visível e cruel. Por óbvio, a obra já sofreu diversos atos de protesto.
Como o jornalismo se faz com imagem, texto, ideias, fatos e análises, o repórter Thiago Queiroz, do Estadão, registrou o resumo do absurdo: um homem, arrastando material para reciclagem, de cabeça baixa, passa pelo touro de ouro.
Se não bastasse, a escultura sequer passou pela autorização para a reprodução ao agente ou à família de Arturo Di Modica, autor do touro de bronze de Wall Street. O original é protegido por direitos autorais, e segundo reportagem da BBC News Brasil (veja aqui), a viúva de di Modica afirmou não ter sido procurada pela B3. O artista morreu de câncer em fevereiro deste ano. A empresa alega que não houve alusão à escultura americana; narrativa desmontada apenas ao primeiro olhar.
O ouro do touro brasileiro é, como na música de Raul Seixas, de tolo. Parece ter valor, mas na verdade não tem. Se ele simbolizou algo com exatidão foi o momento que vivemos, em um Brasil cada vez mais desigual e odioso.