Neste domingo (1), campistas de verde e amarelo se encurralaram entre carros de som e bandeiras, em apoio ao presidente Bolsonaro e pedidos de "voto impresso" no país. As manifestações em Campos ocorreram em frente à Câmara de Vereadores, que está instalada em um prédio muito significativo da cidade, que já foi Palácio da Justiça (Fórum) e recebe o nome do estadista campista Nilo Peçanha, que foi governador do Estado e Presidente da República. Defender voto impresso é um atraso legislativo, o que se mostra no mínimo estranho ser pedido em frente a uma Casa de Leis — ainda mais quando ela é batizada de Nilo Peçanha, o primeiro presidente negro do Brasil com ideias bem diferentes do seu atual colega.
Nilo toma posse como Presidente da República em junho de 1909, depois da morte de Afonso Pena, de quem era vice. Como novo mandatário do país, fora questionado sobre as bases da sua administração, e respondeu: “paz e amor”. A expressão se tornou seu slogan ao longo do mandato (veja mais aqui: Há exatos 97 anos morria o "mulato de Morro do Coco", que queria "paz e amor").
De origem humilde, o presidente nasceu na zona rural de Campos, casando-se com “moça da sociedade” campista. Sofreu preconceito por isso, a família de Anna Belisário — que ficou conhecida como Anita — achava um absurdo o casamento com um mulato lá das bandas de Morro do Coco. Dentre outras ações significativas, fundou o Serviço de Proteção ao Índio (SPI), precursor da Funai, e a Escola de Aprendizes e Artífices, a primeira instituição brasileira de ensino técnico — sem caráter militar.
Bolsonaro é marcado pela agressividade. “Paz e amor” nunca foram seus lemas de vida, tampouco de sua presidência. “Ele merecia isso: pau-de-arara. Eu sou favorável à tortura” já foi dito pelo atual presidente. “O erro da ditadura foi torturar e não matar”, também. Sobre os índios, disse que o indígena Jacinaldo Barbosa “devia ir comer um capim ali fora para manter as suas origens”, durante as discussões sobre demarcação da reserva indígena Raposa-Serra do Sol.
Nilo Peçanha e Jair Bolsonaro são opostos.
Com faixas “fora SFT” (inconstitucional, portanto) e “voto impresso já”, os manifestantes (poucos, mas ruidosos) de Campos parece que aderiram às teorias conspiratórias golpistas de Bolsonaro, mesmo ele afirmando categoricamente não ter provas contra o processo eleitoral. Fiel ao seu estilo “tiozão do WhatsApp”, Bolsonaro chegou a dizer que há apenas “indícios” que as eleições são fraudadas, e ao lado de dois generais do Exército Brasileiro, disse também "não ter provas que não há (fraude)”. Nada mais inconstitucional, antidemocrático e absurdo — até para os padrões bolsonaristas.
Entre as principais teorias — todas desmentidas pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) —, estão a afirmativa que o voto não é aditável (sim, ele o é, auditoria que foi pedida pelo então candidato Aécio Neves, em 2014, onde constatou-se que não houve nenhuma fraude), a ideia de que o código-fonte da urna eletrônica pode ser quebrado (nunca foi de fato conseguido, há apenas a alegação de um hacker dizendo que é possível), cálculos apresentados por um analista, que seria a prova de uma suposta fraude em 2018 (infundadas e baseadas em uma operação matemática errada) e que o voto eletrônico é utilizado apenas no Brasil (23 países usam urnas eletrônicas e outros 18 em pleitos regionais. Canadá, a Índia e a França e Estados Unidos, que usa em alguns estados, são exemplos).
Embora vestidos com as cores da Bandeira Nacional e alguns ali acreditarem verdadeiramente estarem lutando por um país melhor, o pedido de voto impresso não é nada além de golpe. Só servirá, caso avance no Congresso a PEC da deputada bolsonarista Bia Kicis, para tumultuar um processo eleitoral sem fraudes comprovadas e copiado no mundo inteiro. E que gente como Nilo Peçanha lutou arduamente para construir.
Manifestações bolsonaristas em Campos talvez encontrem em Campo Limpo um simbolismo histórico mais adequado.