Indisciplina no Exército, generais da ativa e da reserva participando de atos políticos, ameaças ao Congresso e Supremo, repressão dura aos atos contra o governo e Marchas da Família nas capitais. Passado ou presente? A questão no Brasil não é apenas que 1968 (ou 1964) foi um ‘ano que não terminou’, como no título do livro do Zuenir Ventura (leia as primeiras páginas aqui). Nossa história é escrita por golpes.
Em 15 de novembro de 1889, um grupo de militares do Exército Brasileiro, liderados pelo marechal Deodoro da Fonseca, destituiu o imperador D. Pedro II e assumiu o poder. O primeiro golpe estava consumado. Levou apenas 41 anos para que, em novembro de 1930, um gaúcho chamado Getúlio Vargas, líder político de um movimento conspirador e golpista, recebesse o poder governamental das mãos de dois generais e um almirante. As Forças Armadas (o Exército e Marinha) depuseram o então presidente Washington Luís, ilegalmente. Em 1937, com a imposição da ditadura do Estado Novo, Senado e Câmara dos Deputados foram cercados pelo mesmo Exército, a mando do mesmo Vargas, que cai em 1945, traído pelo seu ministro da Guerra. Outro golpe, que levara ao suicídio do presidente.
Em novembro de 1955, o então presidente Café Filho, que era vice de Vargas, é substituído por Carlos Luz devido a uma crise cardíaca. Luz era próximo de grupos conservadores interessados em quê? Sim, em golpe. Oficiais a favor dele — não do presidente ou do país, mas da ruptura institucional — assumem as Forças Armadas. Mas não eram todos militares golpistas ali, alguns eram legalistas, e estes organizaram um contra-golpe, e foram bem sucedidos com a ajuda do então Governador de São Paulo, Jânio Quadros. Após sair do hospital, Café Filho tenta retornar à Presidência, mas sofre impeachment pelo Senado, que define um mês de Estado de Sítio, até a posse de Juscelino Kubitschek, em 1956.
Democracia, finalmente? Não. Lembram-se do ano que não terminou? Então, em 1964 inicia-se outro golpe militar, e quatro anos depois, o Ato Institucional nº 5 é editado e o país sangra em 21 anos de ditadura. Além do golpe ser uma constante na nossa história, o modelo também se repete. Todas as rupturas institucionais e mudanças de regime foram ilegais, começaram com indisciplina nas Forças Armadas e tiveram oficiais da ativa envolvidos em atos políticos.
Mas e aí? Vai ter golpe (de novo)? Embora os tempos sejam outros, e um regime militar imposto pela força, em um país com a importância do Brasil, provocaria uma comoção mundial forte o bastante para impedi-lo, o cenário atual é o mesmo dos golpes de outrora. E nada impede — embora devesse — que seja tentado.
A última crise envolvendo as Forças Armadas e o general Pazuello (confira aqui), abriu um precedente perigoso. A decisão de não punir um general da ativa que flagrantemente participou de ato político, e que era ministro de um governo civil há pouco, vai contra os códigos de honra, legais e constitucionais, e submete o Exército às vontades políticas do Presidente da República, fato que é verbalizado pelo mesmo, publicamente, por declarações contendo a expressão “o meu exército”.
Se temos legalistas nas Forças Armadas com capacidade — e vontade — de impor um contra-golpe, ou se ainda há instituições no país com força suficiente para impedir arroubos autoritários que terminem no carma histórico brasileiro, o ano de 2021 (ou 2022) dirá. E poderá deixar o título do livro de Zuenir apenas como retórica — ou não.