O ataque à estátua do bandeirante Borba Gato na Zona Sul de São Paulo, neste sábado (24), é emblemático. Se vai servir mais às narrativas da extrema-direita, ou da esquerda mais radicalizada, o tempo dirá. Mas, o fato demonstra algumas tendências, e formam um objeto de análise necessário — apesar de sempre ser complicado analisar um fato histórico em seu curso. Para além de apoiar narrativas, queimar um monumento cultural é significativo em qualquer parte do mundo e costuma marcar a trajetória dos movimentos envolvidos.
Borba Gato foi um bandeirante. Os Bandeirantes desbravaram territórios no interior do país e, sim capturaram e escravizaram indígenas e negros, estupraram e traficaram seres humanos, além de roubar diversas aldeias. Segundo historiadores, acabaram por dizimar etnias, como explícito no livro "Vida e Morte do Bandeirante", de Alcântara Machado.
A avaliação de que estátuas em homenagem a um bandeirante são absurdas tem fundamento na realidade, porém questioná-las com atos de vandalismo e destruição ajudam a reforçar estigmas, e prejudicam a premente necessidade de educação patrimonial e histórica — educação que é quase sempre libertadora e gênese de senso crítico.
Em junho de 2020, a estátua de Edward Colston, traficante de escravos, foi derrubada e jogada no rio em Bristol, na Inglaterra. Os autores foram manifestantes de atos antirracistas que ocorreram ao redor do mundo após a morte de George Floyd, cidadão negro sufocado por um policial branco em Minneapolis, nos Estados Unidos.
No lugar do monumento inglês, uma escultura de manifestante negra com o punho erguido foi colocada clandestinamente. A troca parece ser eticamente correta — e necessária — em uma sociedade que decidiu — acertadamente e tardiamente — combater o racismo em suas estruturas. Mas durou pouco. O ato foi desfeito pela prefeitura de Bristol e a estátua foi encaminhada para a coleção municipal.
A decisão de vandalizar ou destruir patrimônio público costuma relegar uma luta justa à marginalização —aqui ou em outros países. Atos violentos contra raças e etnias são uma constante na história da humanidade, incomparavelmente mais danosos que estátuas queimadas. O que é preciso avaliar é o benefício e as consequências desses atos para o objetivo maior e para propiciar um ambiente mais justo e equânime.
Estátuas que homenageiam torturadores e déspotas devem cair, mas pelos instrumentos democráticos.
As narrativas bolsonaristas – favorecidas?
A política é construída essencialmente de símbolos e imagens, que vão construindo narrativas. Por vezes hegemônicas e autoritárias. Desde a chegada ao poder de Jair Messias Bolsonaro, a democracia vem sendo solapada, justamente com discursos histriônicos e golpistas, que abrigam radicais e manifestantes de grupos que se dizem conservadores, mas atuam como reacionários na práxis. Esses grupos tentam impor a existência de um inimigo externo e interno que impedem o desenvolvimento e os “bons costumes”. O inimigo não precisa existir, de fato. O comunismo como um monstro a espreita para tomar o país, é um exemplo. A imprensa e a esquerda são inimigos domésticos frequentes.
Quando estátuas queimam cercadas por faixas com palavra de ordem progressistas, o reacionário tem o símbolo que buscava para “vender” seus monstros. E muitos acreditam na narrativa que as vítimas são algozes. O neofascismo deve ser abolido da vida política democrática. Queimar livros e a cultura é prática histórica de grupos reacionários, apropriar-se dessa prática provavelmente irá fazer igualar os justos aos monstros.