Os 100 primeiros dias da nova gestão cultural de Campos - Quais são as reais prioridades?
10/04/2021 23:52 - Atualizado em 11/04/2021 08:40
Interior do Palácio da Cultura
Interior do Palácio da Cultura / PMCG
Campos tem pouco o que comemorar nos 100 primeiros dias do governo Wladimir Garotinho (PSD), completos hoje (10). Atravessamos a “pior crise sanitária de nossa época”, como definiu, com propriedade, a Organização Mundial da Saúde (OMS), o que obriga direcionar os esforços de todos — governo e sociedade civil — para salvar vidas. Porém, há caminhos e espaços para manter serviços funcionando. A cultura foi uma das áreas mais afetadas pela pandemia, o que provocou a elevação da criatividade e dedicação de quem sempre enfrentou desafios para fazer o grande público entender a sua importância. Em Campos, ela continua restrita às bolhas, e em últimos planos.
Uma análise justa, a qualquer governo, deve levar em consideração o seu momento histórico. O competente corpo técnico escolhido por Wladimir vem contornando (ou tentando contornar) os problemas (arrastados há tempos) na saúde pública campista, sob o comando do vice-prefeito, Frederico Paes, reconhecido (merecidamente) pela eficiência em gestão hospitalar. O prefeito tem tomado decisões responsáveis no enfrentamento a pandemia, apesar da pressão em contrário, de gente que coloca os lucros acima dos riscos sanitários. Até o momento, se mostra como uma gestão corajosa nesse quesito. Existem gargalos graves, principalmente ligados ao funcionalismo e a infraestrutura (confira matéria da Folha sobre o assunto aqui). Mas, a cidade continua extremamente mal cuidada, esburacada e sem atrativos, o que pode esperar mais um pouco, já que os campistas sacolejam nesses caminhos tortuosos, passivamente, por anos.
A justificativa de quem é cobrado ou cobrada por ineficiência na área cultural é a mesma, invariavelmente: “não temos dinheiro”. Porém, ela não se mantém de pé quando se observa as boas práticas e a quantidade de recursos disponíveis, através de leis de incentivo à cultura. Como a Lei Aldir Blanc (confira matéria da Folha aqui), criada no ano passado para ajudar profissionais do setor cultural durante a pandemia da Covid-19, que tem previsão de distribuir R$ 3 bilhões em ações emergenciais.
Cultura em Campos em último plano - há tempo
Campos iniciou ainda na gestão passada, o cadastramento de beneficiários da Lei Aldir Blanc, ainda que com diversas dificuldades, inclusive equipamentos culturais sem energia elétrica por falta de pagamento pela prefeitura (confira aqui). A gestão da cultura no município é feita pela Fundação Cultural Jornalista Oswaldo Lima (FCJOL), presidida hoje pela ex-vereadora Auxiliadora Freitas, historicamente ligada ao grupo garotista. Como um dos primeiros atos de sua gestão, nomeia a professora Kátia Macabu, fundadora do Grupo Nós do Teatro e presidente do Fórum Regional de Cultura. A ida de Kátia para a Fundação promove o principal ganho nesses 100 primeiros dias: a aproximação da sociedade civil e a abertura de diálogo, evidenciado em diversos encontros virtuais capitaneados pela FCJOL, e na última Conferência Municipal de Cultura, onde foram eleitos novos conselheiros e o presidente Marcelo Sampaio — conhecido agente e agitador cultural da cidade —, passa o bastão do Conselho à Auxiliadora, como manda o regimento (confira reportagem da Prefeitura aqui).
É preciso dizer que o enorme desafio na cultura em Campos exige mais, e deveriam ser visíveis as atitudes e os movimentos que trariam caminhos mais efetivos e mais arrojados. Perdeu-se tempo precioso na demora em nomear diretorias em equipamentos importantes. A estrutura funcional foi alterada e foram criadas instabilidades desnecessárias. Apesar da decisão justa e acertada em manter as gestoras do Museu Histórico e Arquivo Público, Graziela Escocard e Rafaela Machado, respectivamente — ambas prestigiadas em suas posições, que sempre colocam o interesse público e histórico de suas instituições acima de questões pessoais —, outros integrantes da FCJOL apresentaram pouco de projetos e ações à população campista.
Auxiliadora assume a Fundação com um grave problema já em andamento. O Museu Olavo Cardoso — importante equipamento cultural que custodiava acervos essenciais para a história de Campos — foi arrombado e teve itens subtraídos (confira aqui). Apesar da promessa de solução e de levantamento do acervo (antes e depois do roubo), da então recém-empossada presidente da Fundação, nada de concreto foi apresentado e o museu continua em situação precária.
Para além da zeladoria iniciada no Teatro Trianon, pouco das prioridades reais da atual gestão puderam ser percebidas nesses 100 primeiros dias. Embora se reconheça que houveram grandes esforços em visitar a totalidade dos equipamentos e de levantar as dificuldades encontradas, e das articulações com a Secretaria de Obras, para futuras intervenções (confira aqui), as emergências continuam com as luzes vermelhas giratórias e permanecem soando alarmes estridentes sobre os olhos e ouvidos de todos que se importam com a história e cultura em Campos.
O Solar dos Airizes agoniza, o Museu Olavo Cardoso apodrece, o centro histórico padece — demonstrado na situação absurda do belíssimo prédio que abriga a quase bicentenária Lyra de Apollo —, o Solar da Baronesa é esquecido — apesar de sua enorme importância para Campos, desde o século XIX, também com acervo e elementos constantemente subtraídos —, a Biblioteca Nilo Peçanha segue abandonada, e tantos outros crimes que nos fazem entender como deixamos um Teatro Trianon (o antigo e esplêndido) ser destruído para se transformar em uma agência bancária.
A cultura e o patrimônio não podem esperar
Existem urgências e elas estão sendo tratadas sem a devida definição do que é prioridade para a cultura em Campos. Equipes estão sendo ao menos treinadas para construir alternativas de captação de recursos estaduais e federais para salvar nossos patrimônios materiais? Estão sendo criadas alternativas de sobrevivência das manifestações culturais regionais? Estão sendo pensados arranjos produtivos locais para sustento de quem se dedica a manter vivas nossas tradições? A baixada campista é objeto de projetos para regates históricos necessários? Está sendo pensada alguma parceria com a Câmara de Vereadores para aprovação de itens orçamentários fundamentais à cultura e para uso daquele espaço, futuramente, como palco de ações e para receber alunos da rede municipal? Estão sendo pensados usos futuros de espaços públicos como Jardim do Liceu e Jardim São Benedito, para realização de eventos culturais como forma de reerguer agentes e fazedores de cultura? Algum conjunto escultórico, respeitoso das tradições e que envolva o Rio Paraíba, está sendo pensado para substituir o falecido “índio do trevo” (saiba onde está a estátua, como saiu e por quê, aqui)?
Perguntas que devem ser respondidas nos próximos 1260 dias, mas que indicativos poderiam ser visíveis nesses 100 primeiros. O índio caído, possivelmente já enterrado e que pouco representava as tribos originárias de nossa região, deixa o trevo da entrada da cidade órfão. No último dia 28 de março, data que marca o “aniversário da cidade”, foi inaugurada por lá uma placa dizendo “Eu amo Campos”. De gosto estético duvidoso, teria a passado a decisão de sua instalação pela Fundação Cultural?
Sem políticas públicas culturais de qualidade, continuaremos amando Campos apenas em dizeres de placas cafonas. Última pergunta: quando nasceu Campos dos Goytacazes?

ÚLTIMAS NOTÍCIAS

    Sobre o autor

    Edmundo Siqueira

    [email protected]