Onde Campos pode e deve ser o espelho do Brasil
12/01/2021 21:26 - Atualizado em 12/01/2021 22:11
Getúlio Vargas, ao se deparar, nos anos 1930, com uma planície verdejante e emoldurada por um cinturão de imensos canaviais que alimentavam pelo menos duas dezenas de usinas e engenhos, ficou impressionado. O então Presidente da República disse, diante daquela realidade, que a planície pertencente a Campos dos Goytacazes, era o “espelho do Brasil”. O município perdeu sua capacidade industrial desde então, assim como o país, mostrando estar correta a análise (ou seria uma praga?) de Vargas; confirmada ainda hoje.
A Ford encerra suas atividades depois de receber R$ 20 bi em incentivos fiscais. As renúncias de impostos foram promovidas e permitidas por diversos governos em troca de empregos e desenvolvimento industrial
A Ford encerra suas atividades depois de receber R$ 20 bi em incentivos fiscais. As renúncias de impostos foram promovidas e permitidas por diversos governos em troca de empregos e desenvolvimento industrial / Reprodução
A multinacional americana Ford anunciou nesta segunda-feira (11) que vai encerrar a fabricação de automóveis no Brasil. O anúncio foi o fim de uma longa história de produção no país, que se iniciou em 1919. A Ford foi a primeira montadora de automóveis a atuar no Brasil. Entre os motivos para a decisão, Lyle Watters, presidente da Ford na América do Sul, citou um "ambiente econômico desfavorável" agravado pela pandemia (O Globo).
A Ford encerra suas atividades com uma dívida alta com os brasileiros. Recebeu R$ 20 bi em incentivos fiscais. As renúncias de impostos foram promovidas e permitidas por diversos governos, em troca (em tese) de empregos e desenvolvimento industrial. Além de incentivos fiscais, a Ford recebeu pelo menos três grandes financiamentos do BNDES, a juros baixos. A empresa demitirá agora seus 6.171 funcionários no Brasil.
Não é preciso ser economista para entender que é uma fórmula que deu errado. Subsídios públicos e empréstimos do BNDES, com juros abaixo da inflação, não se mostrou sustentável. O que ajudou a indústria automobilística foram modernizações infralegais que permitiram diminuir o risco dos financiamentos, permitindo aumentar suas vendas.
Retomada do agronegócio em Campos pode ser o único caminho de crescimento industrial e econômico.
Retomada do agronegócio em Campos pode ser o único caminho de crescimento industrial e econômico. / Rodrigo Silveira
O país compensou sua baixa produtividade e capacidade industrial com o agronegócio. O setor também recebe subsídios, porém o Brasil é um dos países que menos subsidia sua produção agrícola. E a produção agropecuária ainda é fortemente impactada pelo chamado “custo Brasil”, com burocracia excessiva, estradas em péssimas condições, dificuldades de exportação, dentre outros. Mesmo assim, obteve 160% de ganhos de produtividade de 1990 a 2009 e cresce de 4 a 5% ao ano, há mais de 30 anos. O Brasil foi o primeiro país a investir em tecnologia agrícola nos anos 70, compensou as dificuldades com boas políticas públicas de inovação tecnológica, tendo na Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), a capacidade técnica aprendida nas melhores práticas internacionais para, por exemplo, produzir grãos em zonas temperadas. A Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq), da USP, desenvolveu a forma de colocar o café arábica no serrado mineiro, e hoje é o melhor café do Brasil, para citar outro exemplo. 
Campos tem uma nova chance, com o fim ou forte diminuição dos vultuosos recursos de compensação da exploração de petróleo. Uma segunda chance para ser o “espelho do Brasil” onde pode, tem vocação histórica e deve se espelhar: na retomada do agronegócio e agricultura familiar.
O blog consultou o especialista em finanças Igor Franco para comentar sobre o assunto. Ele confirma que políticas públicas baseadas em subsídios "vão acumulando ineficiências que vão sufocar a própria indústria" e que repetimos (a município de Campos) "em pequena escala, o problema macro que culminou no fechamento da Ford":
Um outro ponto interessante é que as indústrias automobilísticas sempre foram muito exitosas nas pressões realizadas junto aos governantes. Sempre conseguiram benefícios fiscais, linhas subsidiadas, tarifas de importação sobre veículos estrangeiros.
O grande problema é que, no longo prazo, esse tipo de política pública vai acumulando ineficiências que vão sufocar a própria indústria. Ao pedir tarifas especiais, agravaram as distorções tributárias e a guerra fiscal que vivemos. Ao pedir por proteção, blindavam a competição e, por consequência, a pressão por melhorias. Ao pedir linhas subsidiadas, agravavam o custo de capital no país.
Podemos fazer uma comparação a um doente que pede cada vez mais remédio e acaba envenenado por superdosagem. Em paralelo, temos o agronegócio, uma vocação natural do país e campo no qual sempre tivemos muito êxito em transformar os subsídios e incentivos em ganhos de produtividade que nos destacavam de outros países. Diferente de muitos defensores de industrialização (e eles existem na ortodoxia - um pouco menos - e na heterodoxia - um pouco mais), entendo que, a princípio, cada país deve perseguir setores em que possuam vantagens comparativas. E, sem dúvidas, há uma grande vocação da nossa cidade para o agronegócio.
Tivemos péssimas experiências com fomento de indústrias ineficientes que quebraram, deixando um rastro de destruição de empregos e utilização de capital público sem retorno para o desenvolvimento econômico. Repetimos, em pequena escala, o problema macro que culminou no fechamento da Ford.
Em outra abordagem, igualmente necessária, o blog consultou a Coordenadora Geral do Sepe Campos, Graciete Nunes. Ela lembra a necessidade de "termos as relações de trabalho numa outra perspectiva, uma vez o histórico em "nossa região o uso de mão de obra análoga a escrava":
O que não é possível é oferecer incentivos fiscais milionários à empresas que a qualquer tempo decide encerrar sua produção. Importante destacar que além de incentivos fiscais essas empresas são atraídas por mão de obra e matérias prima baratas.
Considerando a vocação local para a agropecuária é importante ter as relações de trabalho numa outra perspectiva. É recorrente em nossa região o uso de mão de obra análoga a escrava e são elementos que não devem ser trazidos de volta. Penso que a parte do trabalho pesado deve ser mecanizado e, ao trabalhador caberá o controle do trabalho a ser realizado, por exemplo no corte da cana.
Por se tratar de trabalho no campo as relações de trabalho precisam ser realmente repensadas.

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    Edmundo Siqueira

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