Considerado o “E o Vento Levou” das comédias – formidável definição comparativa – “Deu a Louca no Mundo” é um filme hilariante, talvez único no gênero pela riqueza de trapalhadas, trapaças e confusões, onde cada um quer enganar aos demais e todos tentam levar vantagens em cima todos.
A história é sobre um velho motorista recém-saído da prisão, que viajava para a Califórnia onde iria desenterrar uma fortuna que havia roubado. Ao sofrer um desastre de estrada, ele revela aos que pararam para socorrê-lo que tinha escondido o dinheiro na pequena cidade de Santa Rosita (fictícia), sobre “o grande W”. Antes de dar mais detalhes, morre.
Começa, então, a alucinada corrida ao tesouro... sendo que com o decorrer da viagem mais gente se junta ao grupo inicial e a confusão só aumenta. E tudo sendo monitorado pela polícia, que secretamente seguia o ladrão na tentativa de recuperar o dinheiro roubado.
Revendo esse clássico dos anos 60, ganhador de três Oscar, divaguei sobre semelhanças com o Brasil no que diz respeito ao mundo das vantagens, da enganação, do roubo, das trapaças, das idas e vindas, da incoerência e até do ridículo.
Só que na comédia encabeçada por Spencer Tracy, Mickey Rooney e Terry-Thomas (com pontinha de Jerry Lewis), tudo acaba em gargalhadas mesmo com o bando todo indo parar no hospital. Já aqui, na vida real, apesar do palco político protagonizar cenas que de tão absurdas viram cômicas, a palavra corrupção tem significado trágico.
Os panos quentes de Romero Jucá. É Brincadeira!
Por falar em ridículo, seria apenas piada, se não fosse indecente, a proposta de Romero Jucá em mais uma tentativa de parar a Lava Jato, desta feita com a obscena emenda de imunidade para os presidentes da Câmara e Senado (recém-empossados), no sentido de que não pudessem ser processados por atos anteriores aos respectivos mandatos.
Já citados em delação da Odebrechet, ficariam imunes a qualquer investigação. Diante da repercussão de tamanho descalabro, Jucá retirou a PEC, que pode ser definida como o Everest da blindagem.
O senador, por sinal (e por [falta de] vergonha...) líder do governo Temer, sequer teve o desconfiômetro de se ligar que a infeliz iniciativa vem num momento em que se discute acabar com o foro especial por prerrogativa de função (foro privilegiado), como bem tem ponderado o ministro Luís Roberto Barroso, conhecido por defender as causas republicanas e democráticas.
Cooler de Sérgio Cabral vira tema nacional. Sério?
Em outra frente de absurdos, o Brasil passou a semana discutindo o cooler na cela de Sérgio Cabral, raivosamente visto como instrumento de privilégio.
Para deixar claro: o ex-governador talvez seja hoje o símbolo da corrupção do Brasil e chefe da maior organização criminosa do País. Saqueou os cofres do Rio de maneira não apenas delituosa como desumana, na medida em que quebrou o estado que governou por oito anos, impondo enorme sofrimento à população.
A se confirmar as acusações contra ele dirigidas, é um ladrão com todas as letras. E está preso. Mas prisão não é instrumento de vingança do povo, mas sim de punição por ação criminosa. E cadeia, tampouco, deve ser confundida com as masmorras medievais destinadas à tortura.
Comida e água – Bem entendido, Cabral (ou quem quer que seja) não deve receber tratamento diferenciado dos demais presos. Entretanto, o sistema prisional só irá cumprir sua função quando a quentinha servida a ele – que segundo denúncias é melhor que as demais – for a mesma dos outros detentos.
A questão não está em submeter Cabral às quentinhas “incomíveis”, e sim fazer com que a comida digna oferecida ao ex-governador chegue a todos. De mais a mais, é permitido que familiares levem alimentos para os presos. E isso também vale para todos.
Quanto a ter um cooler em sua cela, para não tomar água quente em Bangu, cuja temperatura passa de 40º, não deveria ser o foco das atenções num Brasil de tão graves problemas. Não custaria nada se todas as celas tivessem (e não apenas a de Cabral) se não um cooler, ao menos um recipiente de isopor para água fresca.
Fazer o contrário seria “evoluir” e dizer amanhã que os corruptos e demais criminosos “merecem” comer lavagem e tomar água suja. Ou comida alguma, para quem passem fome.
E no resto do manicômio político brasileiro...
Enquanto isso, ao contrário de em Deu a Louca no Mundo, onde as trapalhadas são de voos rasantes com pilotos bêbados, motoristas aloprados que despencam em ribanceiras e carros que passam boiando por rios, o Brasil segue (segue?) com Cunha, da cadeia, ameaçando o presidente da República; Temer falando que cota de sacrifício é para todos quando, na verdade, penaliza só o pobre; e João Dória cuidando dos grafiteiros enquanto em São Paulo falta vacina contra a febre amarela.