Edmundo Siqueira
06/02/2025 09:52 - Atualizado em 06/02/2025 10:06
Um velho e conhecido ditado diz que um cavalo selado não passa duas vezes na sua frente. No caso do cinema brasileiro, talvez seja o melhor momento de passagem de uma montaria encilhada; Globo de Ouro, indicações ao Oscar com direito a transmissão na Sapucaí e “Ainda Estou Aqui” renovando as forças do setor cinematográfico, deixando milhões de brasileiros interessados.
Em Campos, o cinema passou por um momento de auge que — quase — culminou com uma Escola de Cinema na Uenf. Havia na planície 70 salas de cinema de rua, nos anos 1960 e 70, de Santo Eduardo ao Centro, passando por Saturnino Braga, indo até Dores de Macabu.
Apenas três distritos não possuíram registros de cinemas de rua: Ibitioca, São Joaquim e Dr. Matos (estes dois últimos extintos na divisão geográfica atual), como informa Joilson Bessa, poeta e mestre em geografia pela UFF Campos. Em seu trabalho de mestrado, Bessa verificou que a sala de cinema de rua mais antiga foi em Goytacazes, então 2° distrito, em 1930. Por lá o maior cineteatro da área rural de Campos, o Cine Teatro São Gonçalo, projetava filmes e documentários.
Nos anos 1950, mais 14 salas foram inauguradas. Duas décadas mais tarde, somaram-se 68 salas de cinema em Campos — 20 na sede e 48 na área rural. Deste ápice, o declínio levou a duas salas apenas, em meados dos anos 1980. O Cine Capitólio e o Goytacá sobreviviam bravamente, até deixarem de existir. O primeiro em 2001 e o segundo vendido para uma igreja evangélica nos anos 1990. Cinema, Uenf, Darcy e o Festival Internacional Goitacá
Quando a Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro (Uenf) nasceu, havia uma enorme expectativa, tanto dos moradores da região Norte Fluminense, principalmente da população campista que se mobilizou para a universidade acontecer, quanto dos acadêmicos empolgados com a ideia de Darcy de fazer algo do “terceiro milênio”, ainda no início dos anos 1990.
O educador-sonhador tinha no projeto inicial da Uenf uma escola de cinema. O Solar do Colégio, que hoje abriga o Arquivo Público Municipal, foi parcialmente restaurado e abrigaria o que seria a sede da Escola Brasileira de Cinema e Televisão. O projeto não foi à frente, mas caso esse sonho de Darcy se tornasse realidade, Campos certamente seria um polo de produção cinematográfica de excelência, como é o ensino da Uenf em outras áreas.
I Festival Internacional Goitacá de Cinema
Com a chegada de 2025, vai ganhando forma o I Festival Internacional Goitacá de Cinema, em Campos. Já estão confirmadas uma mostra internacional e uma brasileira, ambas com curtas e longa-metragens, tanto de ficção quanto documentários. O evento vai acontecer em agosto e abrigará o também inédito Seminário de Cinema e Audiovisual do Norte e Noroeste Fluminense recentemente aprovado em editais da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) e da Fundação Carlos Chagas Filho de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (Faperj). Atualmente, os organizadores estão recebendo propostas de empresas que possam abraçar o projeto do festival enquanto patrocinadoras, uma vez que ele foi aprovado na Lei Rouanet e está sob análise na Lei Estadual de Incentivo à Cultura, conhecida como Lei do ICMS (Folha1, veja aqui).
— Nosso objetivo é fomentar o debate a partir de diferentes perspectivas sobre a concepção da Escola de Cinema e Audiovisual na Uenf, considerando as experiências institucionais existentes a partir da perspectiva de professores, pesquisadores, profissionais do setor e gestores públicos — afirma o cineasta Fernando Sousa, diretor geral do festival e doutorando do programa de pós-graduação em Sociologia Política da Uenf (Folha1,, veja aqui).
A história de Campos com o cinema ainda está aqui
A história é um elemento vivo, e seu uso pode ser construtivo e educativo, ou omitido. Seja como for, é sempre uma decisão política e social, e econômica muitas vezes. Omitir que Campos já teve uma história interessante com o cinema pode ser uma forma de omissões em políticas públicas.
O que pessoas como Darcy e Fernando fazem, com apoio ou não do poder público — mas sempre dependendo da boa institucionalidade — são formas de manter vivas manifestações artísticas e culturais tão necessárias, principalmente em tempos sombrios.
Seja no Oscar ou no ortivo Festival Goitacá de Cinema, é preciso festejar o fato de ainda estarmos aqui, e ainda haver arte e história para festejar.