Arquivo Público: fase atual, restauro, parcerias e aniversário: há 21 anos fazendo história e dando exemplo
Edmundo Siqueira 18/05/2022 12:40 - Atualizado em 18/05/2022 14:48
O Arquivo Público Municipal Waldir Pinto de Carvalho comemora 21 anos de existência nessa quinta-feira (19) e receberá o maior aporte em obras e compras de equipamentos de sua história, em parceria com a Alerj, Uenf, Prefeitura e a associação Sabra. Entrevista exclusiva com a Sabra e posição atual do Iphan e Uenf sobre as obras.
18.mai.2022 às 12h00 (Atualizado 14h43)
PMCG
Embora não seja um consenso entre patrimonialistas, conferir uso a um patrimônio histórico material se mostra como o melhor caminho para preservá-lo. E é o que o Arquivo Público de Campos demonstra, há mais de 20 anos ocupa o Solar do Colégio, uma construção de meados do século 17 de arquitetura jesuítica, incrustado em Tocos, na baixada Campista.

O Solar existe alguns séculos antes do Arquivo, uma construção bela e imponente. “Imponência” pode chegar ao leitor de formas diferentes, mas a intenção aqui é trazer as projeções mentais de uma construção antiga, sólida e grandiosa — a maior construção histórica em alvenaria de toda região Norte Fluminense.

Essa construção fortificada passou por dificuldades; não foi exceção em uma cidade que não soube cuidar do seu patrimônio. Passou longos períodos de abandono. Mas renasceu há duas décadas. E essa nova vida foi fecundada com um projeto de uso do Solar. Ali seria instalada uma instituição de memória, que serviria também a um necessário processo de descentralização de equipamentos culturais.

Além de um projeto e recursos para que tivesse acontecido, o Solar e o Arquivo cultivam uma simbiose que só pôde ser exitosa pelas pessoas que conferiram alma a tijolos e documentos. A criação do Arquivo, através de lei do então vereador Edson Batista, comemora 21 anos hoje, 18. As comemoraçõas serão nesta quinta-feira, no Palácio da Cultura (veja aqui). 

Mas ainda existem desafios, principalmente em relação à manutenção de uma construção com essas características. Além do papel institucional que um Arquivo possui dentro do poder público. Os serviços que uma instituição arquivística deve prestar vão além da guarda de documentos históricos. A atuação em guarda e tratamento de documentos, passados e contemporâneos, é essencial ao planejamento, controle e transparência do ente público. E age diretamente em princípios como cidadania, economia e justiça.

Após 21 anos, Arquivo entra em uma nova fase
Coordenadora do Arquivo, Rafaela Machado e o prefeito Wladimir Garotinho, em visita recente à instituição.


Vinte milhões. Esse foi valor conseguido em um acordo firmado entre Alerj, Uenf, Prefeitura e a Sociedade Artística Brasileira (Sabra). O montante vai para bancar a restauração do prédio secular a digitalização do seu acervo (veja matéria do Blog Opiniões, de Aluysio Abreu Barbosa aqui).

O valor do acordo é resultado da economia da Alerj, que será repassado na forma de recursos duodécimos à Uenf, que ficou com a responsabilidade compartilhada com a Prefeitura para as intervenções no Arquivo. Parte do projeto já foi aprovado pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), órgão que efetuou o tombamento do Solar, em 1946.

“Autorizada o desenvolvimento do anteprojeto de Restauro do Solar do Engenho do Colégio, que abriga o Arquivo Público Municipal de Campos dos Goytacazes. Agora, o Iphan aguarda o interessado encaminhar o anteprojeto completo e os projetos executivos. Só após tais análises o requerente poderá executar a obra pretendida”, informou o Iphan, através de sua assessoria a este espaço, nesta semana.

Já em relação à proposta de reforma simplificada do Solar, o Iphan diz que “aprovou a realização desta intervenção”. Nessa obra específica, o foco é a recuperação e manutenção do telhado, alvenaria e esquadrias.


Entrevista exclusiva com a Sabra

Reconhecendo o valor dos patrimônios campistas, e ciente do descaso de décadas do poder público e instituições locais — com algumas exceções, como o Arquivo — a Sabra, uma associação de Minas Gerais, prontificou-se a buscar recursos para restaurar algumas de nossas construções mais relevantes.

Márcio Miranda, presidente da Sabra, concedeu uma entrevista exclusiva sobre as ações que pretende empreender em solo Goytacá. Representando uma entidade que busca recursos públicos através de editais e leis de incentivo, para agir em prol da cultura, Márcio comenta as ações já realizadas.

Sobre a situação atual do Solar do Colégio, mostra preocupação com o telhado: “Este é o maior problema do prédio hoje, pois é a causa da deterioração do acervo devido a infiltrações provenientes do telhado. O quarto acervo mais importante do Brasil não pode continuar nesta situação”, afirma.

Márcio fala sobre os projetos pretendidos no Solar do Colégio, e simbioticamente, também no Arquivo:

Edmundo Siqueira - Márcio, a Sabra é uma associação civil, sem fins lucrativos, que tem sede em Betim, Minas Gerais. Apesar de ser uma instituição muito ligada à música, tem em sua missão “promover a inclusão social e a preservação do patrimônio cultural brasileiro”. Como surgiu o interesse em atuar em Campos, propondo projetos de intervenção nos patrimônios históricos aqui do município?

Reprodução Rede Social
Márcio Miranda (Sabra) -
Tenho um amigo que reside em Campos há muitos anos. Numa visita a ele, conversamos sobre a riqueza da história e do patrimônio cultural da cidade e sobre seu total abandono. Na ocasião, fomos visitar alguns destes prédios, e constatei a possibilidade do desenvolvimento de projetos pela Sabra para a recuperação dos mesmos, principalmente através das diversas Leis de renúncia fiscal. Outro ponto importante foi o trabalho que pode ser desenvolvido com o rico acervo do Arquivo Público Municipal tendo em vista nossa expertise em ações de preservação, restauração, publicação na Internet e em livros de manuscritos musicais brasileiros dos séculos XVIII e XIX.


Edmundo Siqueira - Em relação ao Solar do Colégio, existem recursos já alocados através de uma parceria entre Alerj, Uenf e Prefeitura de Campos. Estariam na casa de 20 milhões de reais. A Uenf, que ficou como responsável pela aplicação dos recursos, alega que o projeto apresentado não possui os parâmetros necessários, adequado ao pretendido, até pela complexidade do restauro e uso do prédio, e que há necessidade de elaboração de novo projeto e abertura de edital e licitação para contratação de empresa com expertise em restauro. Qual o papel da Sabra nesse projeto e como está o andamento das tratativas nesse caso?

Márcio Miranda - A Sabra já elaborou e tem a aprovação do Iphan dos projetos para a intervenção inicial. Os serviços aprovados correspondem a mais de 50% do previsto. Estamos com alguns projetos complementares em tramitação no Iphan correspondentes a outros serviços necessários e outros ainda serão desenvolvidos. Certos detalhes dos projetos de restauração são elaborados durante a execução dos serviços, mediante as necessidades não identificadas antes do início das obras ou identificadas após o início dos trabalhos. Assim, são sempre necessários projetos complementares a serem autorizados pelo Iphan. No caso das tratativas interinstitucionais não cabe à Sabra nenhuma interferência ou articulação entre a Prefeitura, Uenf e Alerj. Só temos uma preocupação: a melhor época do ano está chegando para que seja feita a restauração do telhado do Arquivo Público (projeto nosso, já aprovado pelo Iphan). Este é o maior problema do prédio hoje, pois é a causa da deterioração do acervo devido a infiltrações provenientes do telhado. O quarto acervo mais importante do Brasil não pode continuar nesta situação. Como se trata de bem tombado, pode ser utilizada a dispensa de licitação (de acordo com a Lei de Licitação artigos 23 e 24) para ter mais celeridade no início dos trabalhos. Inclusive, o próprio Iphan sugeriu esta modalidade para a preservação do bem, pois o processo de licitação tem um trâmite demorado e as ações necessárias são urgentes.

A Uenf e o Solar – história antiga

Reitor da Uenf Raul Palácio e o prefeito Wladimir Garotinho
Reitor da Uenf Raul Palácio e o prefeito Wladimir Garotinho / César Ferreira - Pmcg

Larissa Manhães
Quando a Uenf foi criada em Campos, através de uma luta árdua de muitos atores da sociedade campista, trouxe consigo dois projetos de grande relevância. “Um deles foi a efetivação da doação de uma residência na área central da cidade, deixada em testamento pela senhora Finazinha Queiroz para a primeira universidade pública da cidade. Esta residência foi transformada na Casa de Cultura Vila Maria em 8 de dezembro de 1993 e até hoje é mantida pela Universidade”, informa a historiadora Larissa Manhães, integrante da equipe do Arquivo Municipal.


A outra iniciativa envolveu o Solar do Colégio: “No mesmo sentido, outro projeto importante foi a decisão pela implantação de uma Escola Brasileira de Cinema no edifício do Solar do Colégio, que estava fechado desde a desapropriação pelo Estado. O projeto seria um desafio. O Solar nos anos que permaneceu fechado sofreu diversos danos causados pela ação de vândalos, que depredaram as dependências daquela edificação e roubaram o que restou de sua estrutura”.

Na nova fase do Arquivo, a Uenf volta a ter um papel primordial, ficando com a responsável pela aplicação dos recursos conseguidos, via parceria. O reitor da Universidade, falando também a este espaço, comenta sobre a necessidade de licitação:
— Na realidade, temos como ponto de partida a contratação de uma empresa para o projeto, onde devemos dar total transparência ao processo, e permitir que todas as empresas que possam participar da reforma do Solar, que tenham esse direito. Esse que o principal objetivo dessa primeira etapa. Precisamos dar transparência, não deixa uma empresa específica no processo. Se uma empresa oferecer um valor menor que outras, contratamos os serviços dela. Esse é o ponto em questão.

Sobre o início das obras no Solar, Raul informa que está seguindo “etapas”, e que é necessária obedecer ao princípio da transparência:

— Inicialmente pensávamos que poderíamos declarar que uma única empresa poderia fazer o serviço, e que poderíamos dispensar a licitação. Mas não é o caso, há outras empresas que podem prestar esse serviço, que inclusive já participaram em outros projetos na Uenf e Villa Maria. Vamos manter o princípio da transparência, como todo processo licitatório deve ter. Por isso estamos fazendo esse processo em etapas. Lembramos que é uma obra feita com dinheiro público, que tem uma série de exigências.

Sobre a Sabra, especificamente, Raul diz que não tem “como garantir que a Sabra tenha o melhor projeto e com o melhor preço”, e que não poderia “ser um único projeto” para o Solar. O reitor afirma ainda que a primeira etapa é para “comprar um projeto”, que pode ser com a Sabra ou outra escolhida. A segunda etapa seria o início das obras.

Rafaela Machado, há 20 anos vivendo a simbiose

Reunião mais recente sobre as obras do Arquivo Público - Rafela Machado e Larissa Manhães.
Reunião mais recente sobre as obras do Arquivo Público - Rafela Machado e Larissa Manhães. / César Ferreira
“Costumo dizer que Arquivo e Solar se confundem de tal forma que um não existiria sem o outro. O Arquivo dá vida ao Solar e o Solar dá vida ao Arquivo. Acredito que celebrar os 21 anos de criação do Arquivo Público é celebrar um marco da cultura campista, pois representa a ocupação pública e cultural de um dos edifícios mais antigos de Campos, magnífico exemplar da arquitetura colonial religiosa, ao mesmo tempo em que promove o tratamento e disponibilização do acervo histórico-documental de toda a nossa região”, comemora Rafaela, que fala também sobre os recursos atuais:

— Celebrar o Arquivo é celebrar a cultura, o patrimônio, a história e a memória da nossa cidade. Poder viabilizar a aplicação dos recursos necessários à restauração do Solar, edifício que data de 1652, ao mesmo tempo em que concentramos esforços na reestruturação do Arquivo, é permitir pensar nos próximos anos, nas próximas gerações e na história que queremos contar. Fico certa de que a restauração do Solar e a reestruturação do Arquivo permitirão que pensemos na preservação do nosso patrimônio com maior segurança e entendimento do nosso papel social, mas também histórico.

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