Edmundo Siqueira
28/03/2022 21:34 - Atualizado em 28/03/2022 21:35
Comemorar o aniversário é uma forma de agradecer por mais um período de vida, o fechamento de um ciclo e o início de outro — é assim na maioria das culturas ao redor do mundo. Mas também é um momento de reflexão, de análise sobre o caminho cursado até aquela data. Usualmente, Campos comemora hoje 187 anos. Mas o 28 de março não representa sua história, não mostra todo caminho percorrido.
A real data de aniversário de Campos dos Goytacazes gera controvérsias. Pelo menos quatro, na história campista, dividem opiniões. Elevar-se à categoria de cidade (o que se comemora nesta data, 28 de março) pode representar apenas um detalhe burocrático, que conta pouco sobre a planície de importância central na história do Brasil.
O que hoje se entende por Campos dos Goytacazes teve seu início com seus povos originários. Tribos indígenas com presença tão marcante que leva uma delas ao seu nome. Goitacazes (com “i” a princípio), Puris e Coroados habitavam a região e com o início da colonização (invasão?) portuguesa, acabou se transformando em uma capitania em meados do século XVI: a Capitania de São Tomé.
E o que poderia ser considerado um povoado foi se desenvolvendo — mas não sem resistência. Em 1627, após duas tentativas frustradas de colonização efetiva, o Império Português doa as terras da então Vila da Rainha aos chamados Sete Capitães. Esse grupo de fazendeiros, investidos em comendas, deu início a criação de gado na planície, construindo o primeiro curral em Campo Limpo (1633).
Dezenove anos depois o primeiro engenho de açúcar é erguido. E consolida essa atividade econômica. É preciso entender o contexto histórico, onde as condições materiais e sociais e religiosas foram construídas — inclusive para perceber as explorações humanas —, para compreender quais processos foram determinantes na formação do que hoje chamamos de “cidade”. Como resultado desses processos, dois eventos marcaram pontos de inflexão na história campista; esses sim condizentes com uma “data de aniversário”.
Os dois marcos são:
1° de Janeiro de 1653 - É instalada a primeira Câmara de Campos, que efetivou sua existência legal, segundo os parâmetros portugueses naquele contexto histórico. É quando nasce a Vila de São Salvador, que deveria constituir uma Câmara para tal. Porém, por questões políticas e econômicas, essa casa legislativa é dissolvida em 1657.
29 de Maio de 1677 - A Vila de São Salvador dos Campos passa por outro processo politico-administrativo, e é novamente estabelecida pelo governador Salvador Corrêa de Sá e Benevides. É o início do domínio Asseca na região, esse que durou mais de um século por aqui. Esta data desencadeia outros tantos eventos que fazem com que Campos se torne um centro comercial e produtor importante.
Comemorar o nascimento de Campos sem levar em conta todos esses processos, principalmente em todas suas complexidades a partir dos anos 1600, me parece um erro. Mesmo quando ainda era uma pequena Vila já possuía relevância, levando Campos dos Goytacazes a computar, pelo menos, o dobro dos 187 anos que são comemorados neste 28 de março.
Quando então comemorar o nascimento de Campos?
O que aconteceria se apagássemos da memória, enquanto indivíduos, a nossa infância, de onde viemos, quem são nossos pais, ou qual o rosto de nossos amigos e por que o chamamos assim? Com uma cidade não é diferente.
A vivências, os fatos marcantes, as relações políticas, sociais e religiosas, a miscigenação histórica e suas relações com a escravidão — negra e indígena —, constroem o alicerce de uma história que precisa ser contada desde seu início.
No cenário nacional, Campos sempre foi uma das protagonistas. Com extensa produção intelectual e uma imprensa atuante há quase dois séculos, produziu personagens icónicos como Benta Pereira e Nilo Peçanha — alçado ao cargo de Presidente da República em 1909.
As duas datas (29 de maio e 1 de janeiro do século XVII), apesar de dialogarem entre elas, precisam convergir na decisão de melhor marcar o nascimento de Campos.
A primeira Câmara aqui instalada carrega consigo uma história de luta, sendo construída através da organização de figuras políticas vindas da população local. Foi uma Câmara orgânica, “de baixo para cima”, mesmo que atendesse a interesses econômicos de grupos específicos. Além disso, ela tem certidão. No Arquivo Público consta o documento gerado na ata de posse, onde a Vila se estabelece de “papel passado”. É um ponto determinante para que se possa aceitar o 1 de janeiro de 1653 como o real nascimento de Campos.
Por outro lado, essa Câmara foi dissolvida. Não durou, não se perpetuou no tempo, como a de 29 de maio de 1677. É preciso levar em consideração que esse foi o organismo político e social que consolida definitivamente a Vila. Além disso, e acredito não menos importante, pensar nas questões práticas de comemorações de um aniversário é necessário. Como demonstraremos a importância da cidade, e dos elementos que a constituíram, em plena virada de ano, comemorada em todo mundo? Cumpriríamos o papel de educação patrimonial e histórica, principalmente entre as crianças? São pontos que, caso não sejam levados em consideração, corremos o risco de perder definitivamente o sentido de comemorar o aniversário.
E o 28 de março, como fica?
As comemorações do dia 28 de março não são oficiais, marcam a elevação da Vila à categoria de cidade (no mesmo documento faz o mesmo com Angra dos Reis e Niterói e essas cidades não utilizam como marco principal), mas ainda não foram consolidadas na Câmara atual, como sendo o aniversário de Campos. Iniciaram-se audiência públicas sobre o assunto, mas ainda não foram concluídas.
Comemorar na data certa pode ser o primeiro passo, para fortalecermos (criarmos, enfim?) a nossa identidade enquanto campista, ou pelo menos os elementos que possam servir de formação dela, e buscarmos melhorar nosso presente e futuro, entendendo definitivamente o nosso passado. 187 anos? Há muitos outros amis antigos caminhos percorridos.