Arthur Soffiati - No fim da margem esquerda do Paraíba
Saint-Hilaire, por sua vez, atravessou o rio na altura de Campos e se aproximou da sua foz pela margem esquerda, a partir da freguesia de Santo Antônio dos Guarulhos. Logo, ele sai dos terrenos de tabuleiros e entra na restinga. Observa o naturalista que “Os mineiros aplicam a palavra ‘sertão’ somente às regiões descobertas somente às regiões descobertas situadas além da cadeia ocidental, porque não conhecem região menos povoada; aqui, ao contrário, chamam ‘sertão’ às florestas ainda pouco habitadas situadas a oeste do litoral. Os sertões em cada província são as partes mais desertas de cada uma, independendo do tipo de vegetação”.
Regiões pouco habitadas de humanos europeus e europeizados, eis o sentido de “sertão”. Em seu famoso mapa de 1785, Manoel Martins do Couto Reis registra os sertões de Macabu, do Imbé, do Paraíba, do Muriaé e de Cacimbas formando um leque de sertões em torno de Campos. Eles só eram habitados por povos nativos, animais e plantas. Raros brancos e negros vivem neles. Podem ser desbravadores ou escravos fugidos.
Saint-Hilaire caminha no solo arenoso do sertão de Cacimbas ou do Nogueira. O naturalista registra: “À medida que se distancia de Campos, a população vai diminuindo. Na verdade, não longe de Barra Seca, encontrei ainda casas e plantações de cana; mas em seguida os tufos de mata virgem tornam-se mais numerosos. Ele pernoitou em Barra Seca, onde se erguia o famoso engenho de José Fernando Carneiro Leão. Ele era filho de Brás Carneiro Leão e de Ana Francisca Rosa Maciel da Costa, baronesa de Campos dos Goitacases. Era negro. Mais um caso de negros que se enriqueceram num regime escravocrata. Recebeu o título de Cande da Vila Nova de São José, sendo o único com essa titulação. Foi também militar de alta patente.
Casou-se com Gertrudes Angélica Pedra, com quem teve duas filhas. Envolveu-se amorosamente com Carlota Joaquina. Por ciúmes, esta mandou matar sua mulher, com quem José Fernando tinha duas filhas. D. João o nomeou como um dos diretores do Banco Real.
A sede do engenho ficava na margem do Paraíba do Sul, como os demais vistos por Saint-Hilaire naquele dia. Afinal, em que ponto da restinga da margem esquerda do Paraíba do Sul situava-se Barra Seca? Consultando a cartografia do século XIX, tudo indica que se tratava do canal do Pires. Trata-se de um canal natural ligando o rio à lagoa do Campelo. Este canal devia ficar seco nos tempos de estiagem do Paraíba do Sul, já que, sendo a margem esquerda mais baixa que o nível do rio na vazante, as águas de transbordamento retornam a esse rio.
Mas Saint-Hilaire menciona que, continuando a viagem, cruzou uma ponte denominada de Nova. Pela descrição, tudo indica tratar-se do córrego da Cataia, na época a principal ligação do Paraíba do Sul com a lagoa do Campelo. O naturalista informa que, acompanhando a margem do rio, chegaria a São João da Praia, hoje São João da Barra. No entanto, ele teria de voltar à margem direita.
Dirigindo-se para nordeste, ele chegou a uma choupana muito pobre num local conhecido como Curralinho. Este lugar já estava assinalado no mapa de Couto Reis, de 1785. Subindo a costa, chega-se à foz do rio Guaxindiba. Havia, ali, escreve o naturalista, algumas pequenas casas cobertas de capim à beira-mar. O terreno arenoso não permitiu lavoura. Saint-Hilaire, porém, caminhou para o interior numa demorada busca por plantas. Encontrou, então, bananeira, mamoeiros e mandiocais. Ele já estava, certamente, em terrenos de tabuleiros, embora não registre essa informação.
Partindo de Guaxindiba, ele chegou a Manguinhos, onde encontrou uma choupana de nativos aculturados (civilizados, segundo ele), que reclamaram dos portugueses por invadirem suas plantações com a criação de gado. Dali, partiu para a fazenda da Muribeca.
Sobre a vegetação, o naturalista observa que a cana avançava na margem esquerda do Paraíba do Sul. As densas florestas recuavam. Ele se refere, muito provavelmente, à vegetação de restinga que, longe da salinidade e dos ventos costeiros, adquire porte arbóreo. Uma das fazendas pertencentes o engenho de Barra Seca chamava-se Sertão e era ainda cercada de vastas florestas. Registra ele que a população vai diminuindo à medida em que se distancia de Campos. Entre Curralinho e Guaxindiba, junto à costa, ele entrou em terreno nitidamente arenoso coberto por vegetação herbácea de restinga: aroeiras, pitangueiras, cactos, feijões da praia. O vento apagava suas pegadas. A paisagem mudou duzentos anos depois da passagem do naturalista? Mudou e muito.
Dos naturalistas que deixaram relatos sobre Campos e região, os mais conhecidos são o nobre alemão Maximiliano de Wied-Neuwied e botânico francês Auguste de Saint-Hilaire. O primeiro passou por Campos em 1815 e o segundo em 1818. Wied-Neuwied saiu de Campos rumo ao Espírito Santo pela margem direita do rio Paraíba do Sul. Posou em São João da Barra até seguir viagem em direção ao norte. Para tanto, teve de atravessar, na foz, o rio que tanto o encantou.
Saint-Hilaire, por sua vez, atravessou o rio na altura de Campos e se aproximou da sua foz pela margem esquerda, a partir da freguesia de Santo Antônio dos Guarulhos. Logo, ele sai dos terrenos de tabuleiros e entra na restinga. Observa o naturalista que “Os mineiros aplicam a palavra ‘sertão’ somente às regiões descobertas somente às regiões descobertas situadas além da cadeia ocidental, porque não conhecem região menos povoada; aqui, ao contrário, chamam ‘sertão’ às florestas ainda pouco habitadas situadas a oeste do litoral. Os sertões em cada província são as partes mais desertas de cada uma, independendo do tipo de vegetação”.
Regiões pouco habitadas de humanos europeus e europeizados, eis o sentido de “sertão”. Em seu famoso mapa de 1785, Manoel Martins do Couto Reis registra os sertões de Macabu, do Imbé, do Paraíba, do Muriaé e de Cacimbas formando um leque de sertões em torno de Campos. Eles só eram habitados por povos nativos, animais e plantas. Raros brancos e negros vivem neles. Podem ser desbravadores ou escravos fugidos.
Saint-Hilaire caminha no solo arenoso do sertão de Cacimbas ou do Nogueira. O naturalista registra: “À medida que se distancia de Campos, a população vai diminuindo. Na verdade, não longe de Barra Seca, encontrei ainda casas e plantações de cana; mas em seguida os tufos de mata virgem tornam-se mais numerosos. Ele pernoitou em Barra Seca, onde se erguia o famoso engenho de José Fernando Carneiro Leão. Ele era filho de Brás Carneiro Leão e de Ana Francisca Rosa Maciel da Costa, baronesa de Campos dos Goitacases. Era negro. Mais um caso de negros que se enriqueceram num regime escravocrata. Recebeu o título de Cande da Vila Nova de São José, sendo o único com essa titulação. Foi também militar de alta patente.
Casou-se com Gertrudes Angélica Pedra, com quem teve duas filhas. Envolveu-se amorosamente com Carlota Joaquina. Por ciúmes, esta mandou matar sua mulher, com quem José Fernando tinha duas filhas. D. João o nomeou como um dos diretores do Banco Real.
A sede do engenho ficava na margem do Paraíba do Sul, como os demais vistos por Saint-Hilaire naquele dia. Afinal, em que ponto da restinga da margem esquerda do Paraíba do Sul situava-se Barra Seca? Consultando a cartografia do século XIX, tudo indica que se tratava do canal do Pires. Trata-se de um canal natural ligando o rio à lagoa do Campelo. Este canal devia ficar seco nos tempos de estiagem do Paraíba do Sul, já que, sendo a margem esquerda mais baixa que o nível do rio na vazante, as águas de transbordamento retornam a esse rio.
Mas Saint-Hilaire menciona que, continuando a viagem, cruzou uma ponte denominada de Nova. Pela descrição, tudo indica tratar-se do córrego da Cataia, na época a principal ligação do Paraíba do Sul com a lagoa do Campelo. O naturalista informa que, acompanhando a margem do rio, chegaria a São João da Praia, hoje São João da Barra. No entanto, ele teria de voltar à margem direita.
Dirigindo-se para nordeste, ele chegou a uma choupana muito pobre num local conhecido como Curralinho. Este lugar já estava assinalado no mapa de Couto Reis, de 1785. Subindo a costa, chega-se à foz do rio Guaxindiba. Havia, ali, escreve o naturalista, algumas pequenas casas cobertas de capim à beira-mar. O terreno arenoso não permitiu lavoura. Saint-Hilaire, porém, caminhou para o interior numa demorada busca por plantas. Encontrou, então, bananeira, mamoeiros e mandiocais. Ele já estava, certamente, em terrenos de tabuleiros, embora não registre essa informação.
Partindo de Guaxindiba, ele chegou a Manguinhos, onde encontrou uma choupana de nativos aculturados (civilizados, segundo ele), que reclamaram dos portugueses por invadirem suas plantações com a criação de gado. Dali, partiu para a fazenda da Muribeca.
Sobre a vegetação, o naturalista observa que a cana avançava na margem esquerda do Paraíba do Sul. As densas florestas recuavam. Ele se refere, muito provavelmente, à vegetação de restinga que, longe da salinidade e dos ventos costeiros, adquire porte arbóreo. Uma das fazendas pertencentes o engenho de Barra Seca chamava-se Sertão e era ainda cercada de vastas florestas. Registra ele que a população vai diminuindo à medida em que se distancia de Campos. Entre Curralinho e Guaxindiba, junto à costa, ele entrou em terreno nitidamente arenoso coberto por vegetação herbácea de restinga: aroeiras, pitangueiras, cactos, feijões da praia. O vento apagava suas pegadas. A paisagem mudou duzentos anos depois da passagem do naturalista? Mudou e muito.