José Eduardo: Onde as armas devem estar!
A questão armamentista no Brasil é um assunto de alta discussão e dissenso. De um lado os que acreditam num Estado puro, onde o mesmo deve estar apto a prestar a extrema segurança e os cidadãos não devem andar armados, primeiro porque neste Estado utópico seria desnecessário; segundo porque seriam (os cidadãos despreparados) evidente fonte de fornecimento não consentido de armas aos marginais. De outro lado, não menos utópico, está o contingente que crê no sagrado direito à autodefesa pessoal e familiar, onde o armamento seria um salvo conduto, crendo que todos os que as adquirem estariam, física e psicologicamente, preparados para usá-las, bem como que não haveria, por parte da facilidade de aquisição, outro meio de fornecimento de armas aos criminosos. Note, inicialmente, que pelas minhas aposições, situo-me no meio das conclusões acima, até porque sempre entendi, respeitadas as posições em contrário, que o meio termo é sempre o “melhor termo”.
A política armamentista no mundo enfrenta a mesma dúvida, pois temos locais, como o Reino Unido, que possui leis extremamente rígidas, até para policiais, onde são proibidos rifles, pistolas automáticas e armas manuais de alto calibre e que para armas de menor calibre é necessária uma licença especial, deveras fiscalizada. Não podemos olvidar que Londres, tomada como exemplo, é uma cidade cosmopolita de níveis baixos de violência e, neste termo, os desarmamentistas exploram tal faceta. Por outro lado, diametralmente oposto, temos os EUA, onde em metade de seus Estados sequer é exigida licença ou verificação para o porte de armas em espaços públicos, bastando mera declaração com endereço fixo e documentação pessoal em dia. Na outra metade dos Estados, temos a necessidade de uma permissão para o porte oculto, quase nunca negada, por conta da interpretação da Emenda Constitucional que é clara no direito de defesa do cidadão americano. Neste ponto, os armamentistas, usam os EUA como paradigma. Ocorre que, nem a pacificação inglesa é tão áurea como dizem, muito menos os EUA, país de ataques alucinados às escolas e prédios públicos, atirando à esmo, com arsenais, pode sedimentar a tese armamentista.
No Brasil, no atual Decreto nº 11.615/23, temos exigências que, a primeira vista, parecem similares as sempre exigidas, mas que de forma subjetiva, praticamente impedem o porte de armas ao cidadão e, claramente, criam inúmeras dificuldades para a aquisição de armas de fogo para uso residencial ou em estabelecimento próprio comercial. Para o porte, a chamada “efetiva necessidade por exercício de atividade profissional de risco ou de ameaça à sua integridade física” é uma barreira intransponível porque as autoridades que realizam a verificação, como diz o adágio popular, já tem “o não pronto”. Se, num caso raro, passada esta barreira, teriam, ainda, as etapas de comprovação documental e de capacitação físico-psicológica, bem mais apuradas no caso de porte (como deveriam ser) que de mero registro. No caso de registro, também tivemos recrudescimentos, como alteração de prazo de validade, dificuldades para obtenção documental e restrição de calibres, tudo no sentido de gerar tantas dificuldades que o cidadão venha a desistir da aquisição. Mas a pergunta é: este é o melhor procedimento?
Estamos passando por momentos de crises institucionais nas polícias brasileiras, com despreparo técnico psicológico (o técnico mata policiais e o psicológico mata inocentes!). Um curso de formação dura, em média, no Estado do Rio de Janeiro, 12 meses de intensivo no Centro de Formação e Aperfeiçoamento de Praças (CFAP), com, em média, 32 disciplinas, tudo para tentar manter o lema da PMERJ que é “manter sempre acesa a chama do cumprimento do dever”. Ocorre que o açodamento, a falta de treinamento rotineiro, condições desgastantes de serviço, ausência de material de trabalho compatível e mesmo, a carência de cidadãos comprometidos com o dever, somados, geram o atual caos, onde, claramente, o Estado, tem sido incapaz de gerar sensação de segurança. Aqui não cabem criticas veementes, pois muitas são as variáveis que enfraquecem o sistema, inclusive ingerência desnecessária e abusiva de outros órgãos (ou Poderes), inclusive o nosso ativista Judiciário. O fato é que o cidadão de bem tem dificuldade de ter uma arma em casa; ainda que resida em área conflituosa e tenha a vida em risco diuturnamente, é “impedido”, por mais documentos que apresente, de possuir uma arma para porte, devendo se contentar em ser “alvo” na guerrilha urbana que envolve milícias e traficantes. Por fim, ainda corre o risco de ser ”confundido” e acabar sob tiro das forças de segurança. Seria justa esta posição do cidadão?
Por outro lado, temos experiência recente que o relaxamento, excessivo, diga-se de passagem, de regras para aquisição de armas em próximo-passado governo, gerou cartéis de venda de armas, de forma imoral (nada ver com legítimos comerciantes de lojas de armas e acessórios que seguiam, rigidamente, a legislação, agora na quase bancarrota), inclusive com formação de grupos que forneciam armas para sustentar o embate nas já combalidas cidades. Veja como é difícil o “MEIO TERMO” neste caso: é certo que um cidadão deve, justificadamente, ter direito de possuir e, se necessário, portar sua arma, mas também é certo que ele deve ser rigidamente averiguado e fiscalizado. Não há razão para que armas de guerra sejam vendidas aos cidadãos, sendo justo que os mesmos possam portar até o calibre .40, pois suficientes para a defesa pessoal (e contidas por coletes nível III). A posse e porte de armas de guerra, como fuzis e metralhadoras devem ser punidas com rigorismo legal exemplar, de forma a desestimular sua exposição e uso. Atiradores necessitam de bastante munição para prática, mas devem ter número de armas claramente controlado e suas participações em competições formais devem se reais e não “fabricadas”. Por fim, colecionadores somente deveram colecionar armas desabilitadas, por sua origem ou mecanicamente, a fim de que estas não pudessem, se arrebatadas, servir de armamentos a meliantes. Para tudo isso, uma força especial de fiscalização armamentista, independente, deveria ser criada: nem Exército, nem Policia Federal, mas pessoas comprometidas em desarmar bandidos (pela míngua de armas no mercado) e fazer com os que os cidadãos somente tivessem acesso as armas quando preparados (e responsabilizados por tal).
Assim, a questão permanece ativa, com extrema discussão, mas que hoje é um dos pontos mais necessários a serem resolvidos pelo Estado e que, ao que verificamos, quase nada é esboçado no sentido de dar razoabilidade a aquisição e porte de armas de fogo. Enquanto isso... segue a sina de insegurança dos cidadãos reféns. Que Deus nos ajude!
* Advogado