Nos meus 75 anos, sempre vivi no domínio da Mata Atlântica, mas cheguei tarde para ver florestas densas e contínuas. Rio de Janeiro, Campinas, Curitiba, Paranaguá, São Fidélis e Campos ergueram-se em terras onde existia a bela, pujante e biodiversa Mata Atlântica. Conheci alguns remanescentes dessa floresta na Ilha do Mel, Maciço da Tijuca, Serra do Imbé, Mata do Carvão e alguns tufos mais. Lugares encantadores, contudo não mais densos e contínuos. Gostaria de ser pré-colombiano, mas nasci no século XX. Sou pós-colombiano.
Além do desmatamento, houve a introdução de espécies nativas. Elas estão nas ruas, nos quintais, nos terrenos baldios. Um humilde capim pode parecer americano, mas veio de longe. O capim fura-chão, bem conhecido no Norte Fluminense, foi introduzido no Brasil no século XVII, proveniente da Índia. Outros vieram da África.
Na década de 1960, hesitei entre biologia e história. Eu queria ser botânico. Amo plantas, embora saiba que, para ser botânico, não basta amar. Mas é o primeiro passo. Demonstro facilidade em classificar famílias de plantas, disse-me uma botânica certa vez. Ela me perguntava como eu conseguia distinguir um cactácea de uma euforbiácea. Eu respondia que tinha meus truques. Ela me dizia que truques não valem em ciência. Eu argumentava que não era botânico. Então, podia recorrer a meus truques.
Hoje, me contento com as poucas árvores da cidade em que vivo, tanto nos quintais quanto nas ruas. Podia haver mais. Porém, a cada ano, o número diminui. Não me importa mais se elas são nativas ou exóticas, embora me encante quando encontro nativas, como um pé de tapinhoã que um serralheiro me mostrou numa tarde encantada em Cambuci. Planta é planta, seja grande, média ou pequena, mas a raridade me fascina. E pensar que as árvores raras hoje tenham sido bastante comuns no passado em terras do Norte-Noroeste Fluminense, como mostram José de Saldanha da Gama e Alberto Sampaio.
Vou mais longe ainda: fico contente com as plantinhas que encontro nas ruas, nos terrenos baldios, entre os paralelepípedos, nas rachadura de muros e paredes, nos telhados, dentro d’água. Em lugares mais inusitados desse mundo, a gente encontra uma plantinha vivendo sua vida humilde e discreta, sem a mínima consciência de que existe e de que está ali, embora exista inteligência nos vegetais e certas astúcias não planejadas. Plantas adaptadas a climas frios estão acompanhando o deslocamento das temperaturas. Plantas adaptadas a climas quentes estão entrando em lugares outrora frios.
Sem consciência, elas fornecem alimentos a insetos, aves e morcegos, que, também inconscientes, as polinizam e garantem sua reprodução. Elas são sensíveis às mudanças climáticas, deixando de florescer ou florescendo de modo atípico. Algumas, como as plantas exclusivas de mangue, têm capacidade maior que outras para absorver gás carbônico.
Esse é o grande milagre das bactérias aeróbicas e das plantas: elas desenvolveram a mais sofisticada tecnologia de todos os tempos. Nem o mais genial cientista ou centro de pesquisa fez o que elas fizeram: criar um sistema respiratório que produz oxigênio e absorve gás carbônico. Sem esse invento genial, os animais — nós entre eles — não poderíamos existir. Nós, os animais, respiramos o oxigênio que elas produzem e liberamos o gás carbônico que elas absorvem para o transformar em raízes, troncos, folhas, flores, sementes e frutos. E beleza... gerar beleza. Purificar o ar.
Emanuele Coccia, o filósofo das plantas, entende que o mundo animal é muito estranho para o mundo vegetal. Os bichos são como ETs para as plantas. Da minha parte, vejo uma complementaridade fantástica entre os dois mundos. Os vegetais garantem a existência dos animais com oxigênio, com alimento, com conforto, com encanto. Os animais ajudam a polinizar as plantas e fornecem a elas gás carbônico. Aliás, a humanidade está superalimentando os vegetais com carbono, ao mesmo tempo em que as eliminam.
Vai daí que um dos meus prazeres de velho é caminhar pelas ruas dessa cidade e encontrar encanto nos terrenos baldios com ervas, arbustos e árvores. Atrás do Trianon, existe um terreno baldio colonizado pelo que chamamos de ervas daninhas. Elas nunca são daninhas. Fico maravilhado com aquelas plantinhas que crescem nas frestas de pedras, que pedem apenas um pouquinho de terra e, às vezes, nem isso. Que produzem sementes, que se reproduzem em lugares mais inóspitos. Com aqueles arbustos semelhantes a cães sem dono, mas que se viram. Meu acervo está acondicionado numa casinha com apenas dois corredores calçados com ladrilhos. Entre eles, crescem plantas espinhentas, samambaias e capim. De vez, em quando, é preciso cortá-las por reclamação dos vizinhos. Já me sugeriram o uso de herbicida. Esse tipo de envenenamento eu não cometo. Quero sempre plantinhas espontâneas crescendo em meu quintal.