MPRJ será acionado na tentativa de frear o aumento da população de rua
Dora Paula Paes 04/11/2023 08:37 - Atualizado em 04/11/2023 09:12
Genilson Pessanha
A cidade de Campos passa, como outras metrópoles, pelo agravamento do problema de saúde pública com a crescente população em situação de rua. Esse grupo de pessoas, chamado de "zumbis" dos tempos modernos e marginalizado, é alimentado pela caridade sem efeito, em uma vida à margem de direitos enquanto cidadão. Dentro desta realidade dolorosa, o padre Marco Lázaro, da organização Desata-me e capelão do Ministério Público do Rio de Janeiro (MP/RJ), informa que pretende provocar o órgão, através da Promotoria da Cidadania na tentativa de frear esse aumento na cidade. Campos conta com aparelhos de assistência, por outro lado, comerciantes e a população das áreas ocupadas pedem mais ações por parte do poder público.
Em agosto último, foi divulgado o 1º Censo Sobre a População em Situação de Rua de Campos, realizado pela secretaria Municipal de Desenvolvimento Humano e Social. Os números compilados mostravam 114 pessoas vivendo nas ruas da cidade. A pesquisa foi realizada entre setembro e novembro de 2022; é possível que esse número tenha crescido.
A maior concentração é na área central, porém, pessoas em situação de rua também estão na Pelinca, em Guarus e bairros como o Turfe Clube.
Segundo o padre Lázaro, que conhece a realidade de Campos e ocupa-se do tema desde 2015, a Desata-me tem poder de representar civilmente uma provocação junto ao MP. "O Ministério Público não pode ter apenas atuação persecutória. Tem que ser resolutivo. Esse é o novo paradigma do órgão. Atuar como advogado da sociedade a começar pelos mais sofridos", explica. Ele ainda ressalta que "o caminho é conscientizar e depois mobilizar".
No ano passado, através da Diocese de Campos, por intermédio do bispo Dom Roberto Ferrería, e do presidente da Câmara dos Dirigentes Lojistas (CDL), Edvar Chagas Júnior, o padre Lázaro participou de um fórum na cidade sobre o tema. "Os comerciantes estão no seu lugar de fala. Defendem as vendas. Mas, será que aceitam enfrentar a política atual para combater a exclusão?", indaga. Sobre os mutirões que alimentam essas pessoas nas ruas, ele é específico: "Alimento caridoso que potencializa o aumento do número dos pedintes".
Divulgação
A Associação Comercial e Industrial de Campos (Acic) informou que vai solicitar uma audiência no Ministério Público com a presença dos órgãos responsáveis do Poder Público e as Entidades de Classes. "No início do mês de outubro recebemos na entidade, o secretário de Ordem Pública, Jackson Souza, para falarmos sobre o assunto das pessoas em situação de rua", disse Fernando Loureiro. Durante a reunião foi proposto uma outra reunião coletiva em busca de uma ação efetiva.
Enquanto não tem uma solução que não seja paliativa, como relatou o presidente da Carjopa, Expedito Coleto, ao lambrar da retirada desse grupo de pessoas da rua durante festejos na praça do Santíssimo Salvador, em agosto, seguem as baderna, as brigas e as marquises e fechadas transformadas em abrigos.
- Sou taxista aqui na praça há 20 anos. O que posso dizer é que depois que o expediente das lojas termina a área é desse pessoal. Quando eles brigam, sabe a série dos zumbis, parece com aquilo. Até a igreja é prejudicada. A missa de domingo à noite é um horário que quase ninguém vem mais. Muito perigoso, até para nós que trabalhamos aqui - disse o taxista que prefere não se identificar.

O papel do Centro de Referência Especializado para População em Situação de Rua (Centro POP), aparelho da Prefeitura, que oferece casa, cama, banho e alimentos é questionado pela população. Muitos assistidos se recusam a usar estes serviços, optando pelas ruas, por não aceitarem regras. "É dinheiro dos nossos impostos, que parece sem efeito. Moro aqui perto da Rodoviária Roberto Silveira (área central) e muitas vezes me sinto refém. Por outro lado, são pessoas que precisam de ajuda", disse Ana Nolasco, 60 anos.

A Folha demandou à prefeitura sobre novas ações e aguarda resposta.
 
Crescimento da população de rua foi de 211% em dez anos

No país, em uma década, de 2012 a 2022, o crescimento da população de rua foi de 211%. Trata-sede uma expansão muito superior à da população brasileira na última década, de apenas11% entre 2011 e 2021, na comparação com dados do IBGE.

- Esse é o gargalo. Nãoobstante esses dados, em geral, não são transformados em ativos de política pública. Falta pressão das organizações civis e da iniciativa privada, através de mobilizaçãoindependente do poder público para provocá-lo a cumprir o seu dever - ressalta padre Lázaro.

Na quarta-feira (1º), a Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro (Alerj) instalou a Frente Parlamentar pela Humanização e Atenção dos Atendimentos nos Serviços Públicos em Geral. A intenção é melhorar a prestação dos serviços prestados à população e propor ações voltadas à redução do número de moradores de rua no estado. Atualmente, ainda segundo o IBGE, o Brasil tem 215 mil pessoas vivendo em situação de rua, sendo 93% delas numa condição de extrema pobreza.

Pensar na profissionalização dessas pessoas é essencial para quebrar o ciclo e impedir um retorno às ruas, segundo a subsecretária administrativa da Secretaria de Estado de Educação (Seeduc), Erika Rangel. Diferenciar as particularidades de cada um dos indivíduos também será preciso para retirar as pessoas da rua, afirmou a coordenadora de Promoção da Dignidade da Pessoa Humana no Ministério Público (MP/RJ), Patrícia Leite.

Quem é quem na dolorosa realidade
Cada morador de rua é único e poucos se dispõem a falar ou contar sua história. Contato olho no olho, quase impossível. Palavras raivosas ou irônicas são as respostas prontas quase sempre contra a invisibilidade social.

Os profissionais do município que realizaram o Censo em 2022 conseguiram respostas específicas das 114 pessoas entrevistadas. Quanto ao perfil, 87% são homens e 13% são mulheres. Sobre a cor, 39% são declarados pretos, 29% pardos e 28% brancos. A idade média de pessoas em situação de rua é de 40 a 59 anos. Do total de entrevistados, 28% declararam possuir alguma deficiência/transtorno/síndrome. Destes, 49% tinham transtorno psiquiátrico.

A vida de "S" ganhou a mídia nos últimos dois meses. No dia 1º de novembro, a mulher que vive em situação de rua foi levada outra vez para atendimento psiquiátrico no Centro de Atenção Psicossocial (Caps). Seu comportamento "agressivo" é temido. Na mídia, uma avalanche de comentários sobre possíveis desfechos para seu caso. Ela tem melhora e volta às ruas respaldada pela Lei. Restam, apenas, os questionamentos: O que pode ser feito? Quem pode ajudá-la?

Na história recente da cidade uma paróquia se cercou de grades; a atenuante foi a importunação aos fiéis. Em 2021, o pároco da Paróquia São Benedito emitiu uma nota em relação ao cercamento da igreja. Ele alegou desejo da comunidade há anos e não uma forma de exclusão social.

A história chegou às mídias. "Atualmente percebemos a insatisfação de muitos com o cercamento de nossos jardins, expressados nas redes sociais; não achamos justa tal postura, uma vez que muitos destes desconhecem os verdadeiros motivos", disse um pequeno trecho da nota na ocasião. Pessoas entregues ao vício do álcool e entorpecentes, agressivas, além práticas sexuais junto das portas da igreja foram citadas no contexto. Um abaixo-assinado virtual chegou a circular contra as grades; no final elas venceram.

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