Felipe Fernandes - O pop não poupa ninguém
*Felipe Fernandes - Atualizado em 16/10/2024 12:02
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Coringa: Delírio a dois – "Coringa é um filme perigoso". Essa foi só uma das indagações que surgiram após o lançamento do longa de 2019. Em uma reinterpretação do famoso vilão do Batman, que narra a história de um comediante fracassado e perturbado, que se torna um símbolo distorcido para uma Gotham decadente, que emula muito a Nova York dos anos 70. O personagem ultrapassou as telas se tornando um símbolo real para uma galera dodói da cabeça, que passou a idolatrar um personagem criticado por sua própria obra.
O longa abre com um curta animado que traz o Coringa lutando com sua própria sombra. Esse pequeno trecho é a síntese perfeita da proposta de Todd Phillips com essa continuação. Um longa que surge para combater seu antecessor e principalmente, desconstruir o mito do Coringa, adotado por alguns.

A trama se passa dois anos após os eventos do original e traz Arthur Fleck (Joaquin Phoenix) preso, em um estado quase catatônico. Ao conhecer Lee (Lady Gaga), uma outra interna que tem um grande fascínio por ele, ele começa a despertar, situação que começa a fugir do controle com a chegada de seu julgamento, que pode levá-lo para a cadeira elétrica.
A relação dos dois é pautada por música. Um elemento presente no longa de 2019, já que partes importantes do longa são precedidas de músicas e principalmente danças. Mas aqui, Phillips assume o longa como um musical, trazendo vários trechos que abordam a relação entre os dois e até mesmo a relação de ambos com o público em números que buscam sempre uma espécie de teatralidade.

Nesse sentido, a escolha de Gaga para o papel se torna muito pertinente, já que além de cantora, ela curiosamente vive uma relação de alter ego com sua personagem (o nome de batismo da atriz e cantora é Stefani). O que não funciona é essa proposta musical. Os números são maçantes, as músicas em sua maioria muito fracas, tornando essas passagens até com alguma beleza estética, mas não trazem profundidade para a história e carecem muito de criatividade, não conseguindo nem mesmo trazer alguma originalidade.
Um tema forte dentro do filme, é a questão do espetáculo (outro tema muito presente no longa anterior). Nesse sentido, o filme é uma mistura de filme de tribunal com musical, falhando também no primeiro estilo. Filmado praticamente de um mesmo ângulo, acompanhamos o julgamento quase sempre do ponto de vista do júri.
Essa proposta reforça a ideia do júri como uma platéia, acompanhando os participantes do julgamento como atores em uma grande palco, reforçando o aspecto de espetáculo que move o protagonista. Porém, essas cenas também são arrastadas, com alguns diálogos ruins, tornando a experiência cansativa.
Toda essa abordagem funciona como ferramenta dentro da proposta de Phillips. Incomodado com os rumos que seu filme tomou (afinal, toda obra deixa de ser de seu criador após chegar ao público, ganhando vida própria), Todd Phillips tomou a corajosa decisão de realizar uma continuação que é a antítese do longa anterior, buscando a desconstrução do Coringa enquanto símbolo.
A própria escolha do gênero musical, parece uma forma de confrontar tudo o que o cinema de super herói representa, buscando uma fuga de um falso realismo cada vez mais presente nos longas do gênero. O tribunal como palco é uma escolha narrativa interessante, já que Phillips propõe uma metalinguagem para questionar as ações, o protagonista e até mesmo a ligação do público com a obra.
Em uma determinada cena musical que remete ao cenário da tv do longa anterior, o Coringa chega a verbalizar que eles não estão entregando o que o público quer. Outros momentos também revisitam momentos marcantes do longa de 2019, na busca de desmistificar alguns deles.
Em seu ato final, Arthur Fleck chega ao limite de uma vida guiada por narrativas, algo que o julgamento reforça em vários momentos, sendo abandonado por quem o idolatra ao assumir a si mesmo. Naquele momento, o Coringa já se tornou maior do que ele, deixando de ter uma identidade para se tornar uma ideia.
É preciso ressaltar a coragem de Phillips (algo cada vez mais em falta no cinema mainstream), que faz de seu blockbuster um manifesto, que se não funciona como forma, ao menos, funciona como ideia e a julgar pelas reações de parte do público, podemos afirmar que Phillips alcançou seu objetivo. Pena que tenha sobrado para nós, espectadores comuns, com o mínimo de senso, ficar no meio de tudo isso. Essa desconstrução em um filme mais coeso e menos presunçoso, poderia se tornar uma mistura poderosa. Mas, se o pop não poupa ninguém, porque nos pouparia?
Isso é entretenimento.

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