Folha Letras - José Saramago: o tamanho das orelhas das estrelas...
Saramago nasceu no dia 16 de novembro de 1922, na aldeia de Azinhaga, província do Ribatejo. De origem simples, filho e neto de camponeses. Os seus pais emigraram para Lisboa quando ele não havia ainda completado dois anos de idade. O primeiro emprego foi como serralheiro mecânico, tendo exercido numerosos ofícios: desenhador, funcionário da saúde e da previdência social, tradutor, editor, jornalista, crítico literário e exímio escritor.
Por questões econômicas, saiu do Liceu e foi estudar numa escola de ensino profissionalizante, mas tal fato não fez adormecer o “leitor”, haja vista que, depois de terminar a jornada de trabalho, dedicava horas à leitura: era frequentador assíduo da Biblioteca do Palácio das Galveias, em Lisboa. Abaixo, uma declaração constante da autobiografia de Saramago, extraída do “site” da fundação José Saramago, verbis:
“Fui bom aluno na escola primária: na segunda classe já escrevia sem erros de ortografia, e a terceira e quarta classes foram feitas em um só ano. Transitei depois para o liceu, onde permaneci dois anos, com notas excelentes no primeiro, bastante menos boas no segundo, mas estimado por colegas e professores, ao ponto de ser eleito (tinha então 12 anos…) tesoureiro da associação académica… Entretanto, meus pais haviam chegado à conclusão de que, por falta de meios, não poderiam continuar a manter-me no liceu. A única alternativa que se apresentava seria entrar para uma escola de ensino profissional, e assim se fez: durante cinco anos aprendi o ofício de serralheiro mecânico. O mais surpreendente era que o plano de estudos da escola, naquele tempo, embora obviamente orientado para formações profissionais técnicas, incluía, além do Francês, uma disciplina de Literatura. Como não tinha livros em casa (livros meus, comprados por mim, ainda que com dinheiro emprestado por um amigo, só os pude ter aos 19 anos), foram os livros escolares de Português, pelo seu carácter “antológico”, que me abriram as portas para a fruição literária: ainda hoje posso recitar poesias aprendidas naquela época distante. Terminado o curso, trabalhei durante cerca de dois anos como serralheiro mecânico numa oficina de reparação de automóveis. Também por essas alturas tinha começado a frequentar, nos períodos nocturnos de funcionamento, uma biblioteca pública de Lisboa. E foi aí, sem ajudas nem conselhos, apenas guiado pela curiosidade e pela vontade de aprender, que o meu gosto pela leitura se desenvolveu e apurou.”
Gosto da declaração acima, sobretudo pela lição que fica nas entrelinhas: o jovem que tinha dificuldades para adquirir livros tornou-se um premiado escritor e autor de livros traduzidos para diversos idiomas.
O primeiro livro publicado foi um romance, intitulado“Terra do Pecado”, em 1947. Ficou 19 (dezenove) anos sem publicar, pois a obra “Os Poemas possíveis”, data de 1966, o que nos faz lembrar do escritor campista José Cândido de Carvalho, que, entre o romance “Olha Para o Céu, Frederico”, de 1939, e o clássico “O Coronel e o Lobisomem”, deixou um interregno de 25 anos. A partir de 1976, passou a viver exclusivamente do seu trabalho literário, primeiro como tradutor, depois como autor. Indubitavelmente, foi um dos mais importantes e aclamados escritores da língua portuguesa. Pela profícua contribuição para a Literatura, José Saramago ganhou o Prêmio Nobel de Literatura no ano de 1998, bem como o prêmio Camões, em 1995, a mais importante condecoração da língua portuguesa.
Um traço marcante do seu estilo literário é a “oralidade”. O autor pontua os textos de maneira bastante pessoal, fugindo, com frequência, das regras impostas pela Norma Culta. Mister trazer à luz, neste particular, que os travessões não aparecem nos seus textos, fazendo com que os diálogos travados entre os personagens fiquem dentro dos parágrafos, como regra, extensos.
Os romances “O Evangelho Segundo Jesus Cristo” e “Caim”, respectivamente, publicados em 1991 e 2009, causaram polêmicas, em decorrência da temática. Azado consignar que “Caim” foi a última obra publicada pelo escritor.
O romance “Homem Duplicado” foi publicado em 2002, por Saramago. Trata-se de obra com poucos personagens, na qual Saramago tece uma ficção extraordinária, enraizada num viés bastante atual e inquietante, qual seja: a perda de identidade neste mundo globalizado.
Conquanto não aprovasse adaptações de suas obras, “Ensaio Sobre a Cegueira”, de 1995, uma das obras mais importantes do autor, virou filme em Hollywood com a direção do brasileiro Fernando Meireles. Homem Duplicado também foi adaptado para o cinema, tornando-se um filme, mas, sem sombra de dúvidas, o livro é muito melhor do que o filme.
José Saramago faleceu em 18 de junho de 2010, deixando uma vasta obra literária, da poesia à prosa, passando pelo conto e pelas obras para teatro.
Por falar em mundo globalizado, termino com algumas palavras de Saramago, “Costuma-se dizer que as paredes têm ouvidos, imagine-se o tamanho que terão as orelhas das estrelas”.
*Advogado. Professor universitário. Membro efetivo da Academia Campista de Letras.
academiacampista.org.br
Christiano Fagundes*
Ainda que de forma despretensiosa, de maneira bem rápida, tal qual um voo de pássaro, iremos tecer comentários sobre a Obra e a vida do escritor português José Saramago.
Saramago nasceu no dia 16 de novembro de 1922, na aldeia de Azinhaga, província do Ribatejo. De origem simples, filho e neto de camponeses. Os seus pais emigraram para Lisboa quando ele não havia ainda completado dois anos de idade. O primeiro emprego foi como serralheiro mecânico, tendo exercido numerosos ofícios: desenhador, funcionário da saúde e da previdência social, tradutor, editor, jornalista, crítico literário e exímio escritor.
Por questões econômicas, saiu do Liceu e foi estudar numa escola de ensino profissionalizante, mas tal fato não fez adormecer o “leitor”, haja vista que, depois de terminar a jornada de trabalho, dedicava horas à leitura: era frequentador assíduo da Biblioteca do Palácio das Galveias, em Lisboa. Abaixo, uma declaração constante da autobiografia de Saramago, extraída do “site” da fundação José Saramago, verbis:
“Fui bom aluno na escola primária: na segunda classe já escrevia sem erros de ortografia, e a terceira e quarta classes foram feitas em um só ano. Transitei depois para o liceu, onde permaneci dois anos, com notas excelentes no primeiro, bastante menos boas no segundo, mas estimado por colegas e professores, ao ponto de ser eleito (tinha então 12 anos…) tesoureiro da associação académica… Entretanto, meus pais haviam chegado à conclusão de que, por falta de meios, não poderiam continuar a manter-me no liceu. A única alternativa que se apresentava seria entrar para uma escola de ensino profissional, e assim se fez: durante cinco anos aprendi o ofício de serralheiro mecânico. O mais surpreendente era que o plano de estudos da escola, naquele tempo, embora obviamente orientado para formações profissionais técnicas, incluía, além do Francês, uma disciplina de Literatura. Como não tinha livros em casa (livros meus, comprados por mim, ainda que com dinheiro emprestado por um amigo, só os pude ter aos 19 anos), foram os livros escolares de Português, pelo seu carácter “antológico”, que me abriram as portas para a fruição literária: ainda hoje posso recitar poesias aprendidas naquela época distante. Terminado o curso, trabalhei durante cerca de dois anos como serralheiro mecânico numa oficina de reparação de automóveis. Também por essas alturas tinha começado a frequentar, nos períodos nocturnos de funcionamento, uma biblioteca pública de Lisboa. E foi aí, sem ajudas nem conselhos, apenas guiado pela curiosidade e pela vontade de aprender, que o meu gosto pela leitura se desenvolveu e apurou.”
Gosto da declaração acima, sobretudo pela lição que fica nas entrelinhas: o jovem que tinha dificuldades para adquirir livros tornou-se um premiado escritor e autor de livros traduzidos para diversos idiomas.
O primeiro livro publicado foi um romance, intitulado“Terra do Pecado”, em 1947. Ficou 19 (dezenove) anos sem publicar, pois a obra “Os Poemas possíveis”, data de 1966, o que nos faz lembrar do escritor campista José Cândido de Carvalho, que, entre o romance “Olha Para o Céu, Frederico”, de 1939, e o clássico “O Coronel e o Lobisomem”, deixou um interregno de 25 anos. A partir de 1976, passou a viver exclusivamente do seu trabalho literário, primeiro como tradutor, depois como autor. Indubitavelmente, foi um dos mais importantes e aclamados escritores da língua portuguesa. Pela profícua contribuição para a Literatura, José Saramago ganhou o Prêmio Nobel de Literatura no ano de 1998, bem como o prêmio Camões, em 1995, a mais importante condecoração da língua portuguesa.
Um traço marcante do seu estilo literário é a “oralidade”. O autor pontua os textos de maneira bastante pessoal, fugindo, com frequência, das regras impostas pela Norma Culta. Mister trazer à luz, neste particular, que os travessões não aparecem nos seus textos, fazendo com que os diálogos travados entre os personagens fiquem dentro dos parágrafos, como regra, extensos.
Os romances “O Evangelho Segundo Jesus Cristo” e “Caim”, respectivamente, publicados em 1991 e 2009, causaram polêmicas, em decorrência da temática. Azado consignar que “Caim” foi a última obra publicada pelo escritor.
O romance “Homem Duplicado” foi publicado em 2002, por Saramago. Trata-se de obra com poucos personagens, na qual Saramago tece uma ficção extraordinária, enraizada num viés bastante atual e inquietante, qual seja: a perda de identidade neste mundo globalizado.
Conquanto não aprovasse adaptações de suas obras, “Ensaio Sobre a Cegueira”, de 1995, uma das obras mais importantes do autor, virou filme em Hollywood com a direção do brasileiro Fernando Meireles. Homem Duplicado também foi adaptado para o cinema, tornando-se um filme, mas, sem sombra de dúvidas, o livro é muito melhor do que o filme.
José Saramago faleceu em 18 de junho de 2010, deixando uma vasta obra literária, da poesia à prosa, passando pelo conto e pelas obras para teatro.
Por falar em mundo globalizado, termino com algumas palavras de Saramago, “Costuma-se dizer que as paredes têm ouvidos, imagine-se o tamanho que terão as orelhas das estrelas”.
*Advogado. Professor universitário. Membro efetivo da Academia Campista de Letras.
academiacampista.org.br