Cinema - Dinossauros em outros planetas
*Edgar Vianna de Andrade - Atualizado em 27/09/2023 09:05
“Ameaça pré-histórica”, filme lançado neste ano da graça de 2023, tem como título original “65”, numa alusão ao já esquecido “One million years B.C.” (“Mil séculos antes de Cristo”). Este é um filme de 1966, em que Rachel Welch estampa toda a sua loirice vigorosa ao lado de animais extintos criados pelo legendário Ray Harryhausen, movimentando-se na técnica “stop-motion”. Há mil séculos, os dinossauros já tinham sido extintos pelo asteroide que colidiu com a Terra, e a humanidade ainda não havia se constituído.
“65” observa o tempo correto para a existência dos grandes animais: 65 milhões de anos passados, na era Mesozoica, mas recorre a uma série de clichês. Os roteiristas e diretores Scott Beck e Bryan Woods são responsáveis pelo roteiro de “Um lugar silencioso”, filme de ficção científica bem concebido e que mereceu uma continuação. Ambos começam a ceder aos apelos da indústria cinematográfica dos Estados Unidos. Um piloto de nave espacial, pai de uma menina com doença grave, aceita o convite de pilotar mais uma vez para conseguir o dinheiro necessário ao tratamento da filha. Ele é casado com uma negra, atendendo ao apelo fácil do politicamente correto. Sua nave transporta pessoas de outro planeta para a Terra, todas elas congeladas para suportarem a viagem confortavelmente. Supõe-se que os terráqueos já colonizaram boa parte do espaço.
A caminho de casa, a nave é atingida por uma chuva de meteoros e cai num planeta. Salvam-se apenas o piloto (Adam Driver) e uma menina (Ariana Greenblatt). Os dois falam línguas muito diferentes, mas a menina aprende fácil. Sim, estrangeiros devem aprender inglês, e não anglo falantes devem aprender línguas estranhas. O astronauta não percebe, mas ele voa não apenas no espaço, como também no tempo, e a nave que pilotava caiu na Terra há 65 milhões de anos. Atmosfera, água e flora familiares aos humanos. Daria para viver perfeitamente não fosse a fauna. Não só os dinossauros, mas invertebrados e lagartos estranhos são hostis. Mais que isso: são astutos e cruéis. Atribuir características humanas aos animais é criar inimigos perigosos para tornar a aventura mais emocionante. O adulto tem de proteger a menina de nove anos, mas essa também sabe se defender. O escritor russo Anton Tchekhov alertou: “Se um escritor coloca uma arma em sua ficção, em algum momento ela deve ser usada”. A menina prepara uma arma e a usa para furar o olho de um tiranossauro e envenená-lo.
Além da fauna agressiva, o maior perigo está a caminho. Pior que a queda da nave é cair um dia antes de a Terra ser atingida pelo grande asteroide que causou o fim da era Mesozoica. Mas nem tudo está perdido: uma nave auxiliar ficou intacta na queda, mas caiu longe da nave mãe. Munido de poderosa arma e de moderno GPS (com voz feminina, claro), a dupla empreende uma jornada perigosa rumo à nave íntegra. Esse é o fio condutor do filme. Trata-se de uma corrida contra o tempo.
Sam Raimi é o principal produtor do filme. Adam Driver, que já fez filmes políticos e existenciais, não salva a produção. O orçamento é alto, garantindo um filme de qualidade visual, com tomadas em vários lugares bonitos. O conteúdo, entretanto, é o de um filme B. Percebo nele uma inspiração remota: “Planeta dos dinossauros”, lançado em 1978, com direção de James K. Sheal. Também nele, uma nave cai num planeta desconhecido depois de ser atingida por uma chuva de meteoros. Sua tripulação, constituída por homens e mulheres, se salva porque o planeta apresenta condições ambientais semelhantes às da Terra. Mas, pouco a pouco, os tripulantes vão sendo comidos por dinossauros. Sim, eles também se constituíram naquele remoto planeta e sobreviveram. Lá, nenhum asteroide caiu e os extinguiu. Lutas antológicas entre eles são travadas, repetindo cenas de “O mundo perdido”, de “Fantasia” e de “Mil séculos antes de Cristo”. As pessoas vão sendo progressivamente comidas pelos “monstros”. Prisioneiros do planeta, os sobreviventes humanos se conformam em viver nele e procriar.
O produtor do filme é o célebre Roger Corman, que, como sempre, trabalhou com baixíssimos orçamentos. Em “Ameaça pré-histórica”, há uma cena em que a menina salva um bebê dinossauro (nesses filmes, quase todas as espécies são dinossauros, mesmo não sendo). Logo depois, ele é devorado por velociraptores. Também no esquecido filme “Quando os dinossauros dominavam a Terra”, dirigido por Val Guest em 1970, a estonteante loura Victoria Vetri (sempre quase nua e, às vezes, estampando nudez completa entre “monstros”) brinca com um bebê dinossauro.
Roger Corman foi mais autêntico em seus filmes B do que Sam Raimi. “Ameaça pré-histórica” é um filme cheio de clichês e previsível. Parece um filme B com roupagem de filme A.

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