A PEC 6x1 marcará uma reviravolta na comunicação das esquerdas?
Se há um ensinamento possível para as esquerdas vindo das últimas eleições municipais no Brasil, e da eleição de Donald Trump nos EUA, é que existe um problema de comunicação. Há um evidente distanciamento do pensamento de esquerda com uma parcela significativa da população.
São muitos os motivos, mas quando verificamos que é um fenômeno globalizado, e que está aliado a um avanço da extrema-direita, como visto em diversos países, podemos dizer que essa dificuldade de comunicação do pensamento progressista faz parte de uma dinâmica mundial, que decorre dos próprios tempos. Parece vago, mas tentarei explicar.
A democracia liberal, como a conhecemos, passa por uma crise profunda. Abandonou-se a ideia de que os intolerantes não podiam ser tolerados, justamente pela sobrevivência da democracia. Portanto, não é gratuita a defesa libertária da extrema-direita. É preciso que ideias intolerantes circulem livremente na sociedade para que se crie um clima de hostilidade entre as pessoas, e nas suas relações com as instituições. A ideia de uma liberdade de expressão absoluta não passa de cortina demagógica para esconder autoritarismos.
O problema é que para combater o avanço de extremismos dessa natureza é preciso trabalhar conceitos abstratos. Democracia é um deles. Estado de Direito, freios e contrapesos, outros. Eles são elementos de respostas complexas para problemas complexos. E também por isso são conceituações difíceis de comunicar, principalmente no instantâneo e vazio de conteúdo mundo imposto pelas redes sociais. É impossível explicar o paradoxo da tolerância, por exemplo, em um vídeo de 15 segundos no TikTok.
Essa batalha tem sido perdida nos últimos anos. As promessas quebradas pela democracia em relação à segurança, educação, cultura, moradia, transporte, empregos e igualdade de direitos vem sendo comunicadas pelo extremismo trazendo dois elementos de grande eficácia: a apresentação direta de um inimigo — um bode expiatório para os ressentidos e os que buscam culpados — e um punhado de respostas fáceis. Exemplifico: o comunismo no Brasil e os imigrantes nos EUA como inimigos; a morte de bandidos para resolver a violência e deportação em massa como uma respostas fáceis.
No caso específico do Brasil as esquerdas decidem por abandonar a comunicação com os trabalhadores — onde exerciam historicamente um caminho de luta para obtenção e manutenção de direitos trabalhistas — para assumir uma posição identitária. Assim como o extremismo de direita, optou por uma resposta fácil, mas sem o êxito de comunicação, justamente por ser exercida por uma intelectualidade que olha para o povo de cima.
O início da reação?
Porém, houve uma reviravolta recente. A discussão sobre a escala de trabalho, apresentada via Proposta de Emenda à Constituição (PEC), pela deputada federal Érika Hilton (PSOL-SP), ganhou as redes sociais, o jornalismo e a sociedade e forçou a extrema-direita a se posicionar. E quem o fez de forma contrária a PEC foi rapidamente atacado por uma enxurrada de comentários e cancelamentos.
Talvez a PEC seja também uma resposta fácil para problemas complexos, mas o fato é que ela se mostrou como centro de um assunto de enorme repercussão e que foi reconhecido como uma pauta das esquerdas. O campo progressista pautou o debate público, assumiu a dianteira e manteve o controle da chamada “narrativa” — como há muito não se via.
Existem bons argumentos contra e a favor da proposta de reduzir a escala de trabalho dos brasileiros, que tem uma das maiores do mundo. A ideia é acabar com a possibilidade de escalas de 6 dias de trabalho e 1 de descanso, chamada de “6x1”, e aderir a um modelo em que o trabalhador teria três dias de folga, incluindo o fim de semana.
Experiências internacionais mostram que escalas mais humanas aumentam a produtividade e possibilitam aumento significativo de qualidade de vida dos trabalhadores. Por outro lado, não há estudos robustos sobre os impactos nos pequenos negócios e não tem se discutido sobre a enorme massa de precarizados do Brasil, que inclusive não tem CLT.
A PEC tem poucas chances de ser aprovada. Mesmo que se ache um meio termo possível, uma alteração constitucional desse peso depende de muita pressão popular e muito esforço político. Porém, já é uma expressiva vitória política das esquerdas no Brasil. A reação às derrotas recentes parece ter se iniciado agora, e pode ser que um caminho para voltar a se conectar com a população tenha sido encontrado. Ainda é cedo para afirmar que ele será evolutivo, mas até aqui foi uma experiência exitosa.
O Brasil e os EUA são países semelhantes em muitos aspectos. Foram construídos através de colonizações europeias e passaram por adequações sociais parecidas. E as últimas eleições realizadas nos dois países mostraram que há uma massa de desalentados que precisam reencontrar seu lugar no mundo, perdido principalmente pelas mudanças nas relações de trabalho impostas pela globalização e pela tecnologia.
Para voltar a ficar saudável, as democracias vão precisar encontrar um jeito de garantir alternância de poder e de ideologias, com propostas de ambas que busquem o bem estar social por meio de visões de mundo diferentes, mas essencialmente defensoras da democracia. Para ser saudável, essas visões de mundo precisam saber dialogar com a realidade, pois o extremismo sempre venderá ilusões.
Se há um ensinamento possível para as esquerdas vindo das últimas eleições municipais no Brasil, e da eleição de Donald Trump nos EUA, é que existe um problema de comunicação. Há um evidente distanciamento do pensamento de esquerda com uma parcela significativa da população.
São muitos os motivos, mas quando verificamos que é um fenômeno globalizado, e que está aliado a um avanço da extrema-direita, como visto em diversos países, podemos dizer que essa dificuldade de comunicação do pensamento progressista faz parte de uma dinâmica mundial, que decorre dos próprios tempos. Parece vago, mas tentarei explicar.
A democracia liberal, como a conhecemos, passa por uma crise profunda. Abandonou-se a ideia de que os intolerantes não podiam ser tolerados, justamente pela sobrevivência da democracia. Portanto, não é gratuita a defesa libertária da extrema-direita. É preciso que ideias intolerantes circulem livremente na sociedade para que se crie um clima de hostilidade entre as pessoas, e nas suas relações com as instituições. A ideia de uma liberdade de expressão absoluta não passa de cortina demagógica para esconder autoritarismos.
O problema é que para combater o avanço de extremismos dessa natureza é preciso trabalhar conceitos abstratos. Democracia é um deles. Estado de Direito, freios e contrapesos, outros. Eles são elementos de respostas complexas para problemas complexos. E também por isso são conceituações difíceis de comunicar, principalmente no instantâneo e vazio de conteúdo mundo imposto pelas redes sociais. É impossível explicar o paradoxo da tolerância, por exemplo, em um vídeo de 15 segundos no TikTok.
Essa batalha tem sido perdida nos últimos anos. As promessas quebradas pela democracia em relação à segurança, educação, cultura, moradia, transporte, empregos e igualdade de direitos vem sendo comunicadas pelo extremismo trazendo dois elementos de grande eficácia: a apresentação direta de um inimigo — um bode expiatório para os ressentidos e os que buscam culpados — e um punhado de respostas fáceis. Exemplifico: o comunismo no Brasil e os imigrantes nos EUA como inimigos; a morte de bandidos para resolver a violência e deportação em massa como uma respostas fáceis.
No caso específico do Brasil as esquerdas decidem por abandonar a comunicação com os trabalhadores — onde exerciam historicamente um caminho de luta para obtenção e manutenção de direitos trabalhistas — para assumir uma posição identitária. Assim como o extremismo de direita, optou por uma resposta fácil, mas sem o êxito de comunicação, justamente por ser exercida por uma intelectualidade que olha para o povo de cima.
O início da reação?
Porém, houve uma reviravolta recente. A discussão sobre a escala de trabalho, apresentada via Proposta de Emenda à Constituição (PEC), pela deputada federal Érika Hilton (PSOL-SP), ganhou as redes sociais, o jornalismo e a sociedade e forçou a extrema-direita a se posicionar. E quem o fez de forma contrária a PEC foi rapidamente atacado por uma enxurrada de comentários e cancelamentos.
Talvez a PEC seja também uma resposta fácil para problemas complexos, mas o fato é que ela se mostrou como centro de um assunto de enorme repercussão e que foi reconhecido como uma pauta das esquerdas. O campo progressista pautou o debate público, assumiu a dianteira e manteve o controle da chamada “narrativa” — como há muito não se via.
Existem bons argumentos contra e a favor da proposta de reduzir a escala de trabalho dos brasileiros, que tem uma das maiores do mundo. A ideia é acabar com a possibilidade de escalas de 6 dias de trabalho e 1 de descanso, chamada de “6x1”, e aderir a um modelo em que o trabalhador teria três dias de folga, incluindo o fim de semana.
Experiências internacionais mostram que escalas mais humanas aumentam a produtividade e possibilitam aumento significativo de qualidade de vida dos trabalhadores. Por outro lado, não há estudos robustos sobre os impactos nos pequenos negócios e não tem se discutido sobre a enorme massa de precarizados do Brasil, que inclusive não tem CLT.
A PEC tem poucas chances de ser aprovada. Mesmo que se ache um meio termo possível, uma alteração constitucional desse peso depende de muita pressão popular e muito esforço político. Porém, já é uma expressiva vitória política das esquerdas no Brasil. A reação às derrotas recentes parece ter se iniciado agora, e pode ser que um caminho para voltar a se conectar com a população tenha sido encontrado. Ainda é cedo para afirmar que ele será evolutivo, mas até aqui foi uma experiência exitosa.
O Brasil e os EUA são países semelhantes em muitos aspectos. Foram construídos através de colonizações europeias e passaram por adequações sociais parecidas. E as últimas eleições realizadas nos dois países mostraram que há uma massa de desalentados que precisam reencontrar seu lugar no mundo, perdido principalmente pelas mudanças nas relações de trabalho impostas pela globalização e pela tecnologia.
Para voltar a ficar saudável, as democracias vão precisar encontrar um jeito de garantir alternância de poder e de ideologias, com propostas de ambas que busquem o bem estar social por meio de visões de mundo diferentes, mas essencialmente defensoras da democracia. Para ser saudável, essas visões de mundo precisam saber dialogar com a realidade, pois o extremismo sempre venderá ilusões.