O natal em Paris e a saudade do empadão
Quando ouvi minha prima dizer durante a ceia de natal de 2004, a quem quisesse ouvir, que ela havia detestado os festejos natalinos de um ano antes, achei que ela estava querendo confetes. Esperava que alguém dissesse: “Como assim? Impossível!”.
Afinal, ela estava em Paris, mais precisamente em um charmoso apartamento a uma quadra da Avenue des Champs-Élysées; uma das principais avenidas da Cidade Luz, ainda mais iluminada, com suas árvores enfeitadas até o Arco do Triunfo, formando um corredor mágico de sonhos e luzes amarelas.
Como pode não ter gostado? Me perguntava, incrédulo, enquanto comia mais um pedaço de empadão feito pela minha mãe e renegava o arroz com uvas-passas. Na casa dos 20 anos não pude perceber o que estava em jogo na percepção triste que Paris trazia para ela. A questão não estava nas luzes, nas lojas pomposas ou nas construções de mais de 800 anos nas margens do rio Sena. Não havia pertencimento.
Pertencer a um lugar pode ser um pensamento meramente bairrista, algo que de afeição extremada por uma territorialidade, mas acredito que pertencimento fale mais sobre vivências e a cultura que as circunstâncias e as estruturas físicas acabam por fornecer aos nossos intelectos e nossos inconscientes. Portanto, é possível ter pertencimento por um lugar mesmo estando distante dele. E talvez tenha sido exatamente isso que tenha deixado de acontecer quando minha prima declarou sua insatisfação por ter passado o natal em Paris.
Mesmo que estejamos carregando as determinações do tempo e de nossas vivências, é preciso se reconhecer em um local, se sentir em casa, sentir-se como parte. Esse é um sentimento poderoso. Podemos viajar o mundo, morar na capital ou passarmos anos vivendo no exterior; mas o que sentimos ao retornarmos para onde tudo começou é único. Mesmo que seja traumático em alguma medida, é sempre singular.
Pode parecer nostálgico — não tenho vergonha de sê-lo —, ufanista e até ingênuo. Mas é preciso reconhecer que um cheiro familiar nos transporta para memórias afetivas, que janelas azuis de madeira tem o poder de fazer ouvir o vento ou que ipês amarelos, floridos pela primavera, nos alegram. Isso tudo faz parte de quem somos, e as referências podem sim ser diferentes, mas certamente há elementos com esse poder nos inconscientes alheios.
Lá em Paris, na Champs-Élysées, minha prima pôde ser vista pelo vidro de seu apartamento, com os cotovelos no peitoril, olhando para a neve que caía sobre alegres parisienses, que levavam em sacolas de papel foie gras, champagne, escargots e salmão defumado. O semblante dela era triste. Não havia em sua memória nada de escargots e foie gras. Havia um natal quente, onde era servido empadão e arroz com uva-passas. E era maravilhoso.
Viajar pelo mundo é um privilégio, e o intercâmbio cultural é essencial para entendermos as universalidades. Mas é preciso se reconhecer, em qualquer lugar que estejamos.
Quando ouvi minha prima dizer durante a ceia de natal de 2004, a quem quisesse ouvir, que ela havia detestado os festejos natalinos de um ano antes, achei que ela estava querendo confetes. Esperava que alguém dissesse: “Como assim? Impossível!”.
Afinal, ela estava em Paris, mais precisamente em um charmoso apartamento a uma quadra da Avenue des Champs-Élysées; uma das principais avenidas da Cidade Luz, ainda mais iluminada, com suas árvores enfeitadas até o Arco do Triunfo, formando um corredor mágico de sonhos e luzes amarelas.
Como pode não ter gostado? Me perguntava, incrédulo, enquanto comia mais um pedaço de empadão feito pela minha mãe e renegava o arroz com uvas-passas. Na casa dos 20 anos não pude perceber o que estava em jogo na percepção triste que Paris trazia para ela. A questão não estava nas luzes, nas lojas pomposas ou nas construções de mais de 800 anos nas margens do rio Sena. Não havia pertencimento.
Pertencer a um lugar pode ser um pensamento meramente bairrista, algo que de afeição extremada por uma territorialidade, mas acredito que pertencimento fale mais sobre vivências e a cultura que as circunstâncias e as estruturas físicas acabam por fornecer aos nossos intelectos e nossos inconscientes. Portanto, é possível ter pertencimento por um lugar mesmo estando distante dele. E talvez tenha sido exatamente isso que tenha deixado de acontecer quando minha prima declarou sua insatisfação por ter passado o natal em Paris.
Mesmo que estejamos carregando as determinações do tempo e de nossas vivências, é preciso se reconhecer em um local, se sentir em casa, sentir-se como parte. Esse é um sentimento poderoso. Podemos viajar o mundo, morar na capital ou passarmos anos vivendo no exterior; mas o que sentimos ao retornarmos para onde tudo começou é único. Mesmo que seja traumático em alguma medida, é sempre singular.
Pode parecer nostálgico — não tenho vergonha de sê-lo —, ufanista e até ingênuo. Mas é preciso reconhecer que um cheiro familiar nos transporta para memórias afetivas, que janelas azuis de madeira tem o poder de fazer ouvir o vento ou que ipês amarelos, floridos pela primavera, nos alegram. Isso tudo faz parte de quem somos, e as referências podem sim ser diferentes, mas certamente há elementos com esse poder nos inconscientes alheios.
Lá em Paris, na Champs-Élysées, minha prima pôde ser vista pelo vidro de seu apartamento, com os cotovelos no peitoril, olhando para a neve que caía sobre alegres parisienses, que levavam em sacolas de papel foie gras, champagne, escargots e salmão defumado. O semblante dela era triste. Não havia em sua memória nada de escargots e foie gras. Havia um natal quente, onde era servido empadão e arroz com uva-passas. E era maravilhoso.
Viajar pelo mundo é um privilégio, e o intercâmbio cultural é essencial para entendermos as universalidades. Mas é preciso se reconhecer, em qualquer lugar que estejamos.