Romantismo e tombamento não salvarão a Ao Livro Verde
Edmundo Siqueira 28/06/2023 21:10 - Atualizado em 28/06/2023 21:25
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Se ignorarmos o fato de que muitos leitores migraram para o livro digital — que tem preço muito mais acessível e está disponível em diversas plataformas —, ainda assim teríamos a Amazon como concorrente direta da livraria mais antiga do Brasil, a Ao Livro Verde, sediada em Campos dos Goytacazes.


É uma concorrência extremamente desleal. A gigante, que em 2022 tinha 12 centros de distribuição em 7 Estados, além de várias estações de entrega, com bilhões de faturamento, pode ser pequena perto de suas concorrentes no mercado de varejo eletrônico, mas a Amazon é a principal empresa na venda online de livros.

A empresa acabou por determinar o preço do livro no Brasil, oferecendo descontos que se tornam impossíveis para pequenas editoras e livrarias locais, estas sem estrutura de distribuição, com operação e logística minúsculas.
Se um livro sai da editora a R$ 100, a livraria revende por esse preço sugerido. Mas se a Amazon vende por R$ 30, o consumidor irá, fatalmente, optar pela comodidade e a economia.

A Ao Livro Verde seguiu o caminho de livrarias bem maiores que ela. Assim como a Cultura, de abrangência nacional, e a carioca Leonardo da Vinci, também pediu falência (leia matéria do Blog de Matheus Berriel aqui). No caso da livraria campista — a mais antiga do Brasil, fundada em 1844 — as dívidas chegam próximo a casa de 1,9 milhão de reais, com apenas algo em torno de R$ 730 mil em ativos. É uma situação de insolvência, em um mercado que se mostra em declínio.
Ronaldo Sobral, atual proprietário da Ao Livro Verde.
Ronaldo Sobral, atual proprietário da Ao Livro Verde. / Genilson Pessanha
Embora existam soluções viáveis, elas não são possíveis sem a participação do poder público em Campos. O assunto chegou à Câmara de Vereadores (leia matéria da Folha aqui), pelo mesmo motivo que vem mobilizando parte da cidade: a memória afetiva. A livraria faz parte do imaginário de muitos campistas que a frequentaram para comprar materiais de escola e papelaria, ou para sua atividade livreira. O título de mais antiga do país é primordial, mas salvar a Ao Livro Verde diz respeito mais ao seu pertencimento, em uma cidade que cultiva pouco esse sentimento.

A sociedade civil marcou eventos para mobilizar ainda mais a campanha para salvar a livraria, mas em uma situação de falência, sem gerar retorno financeiro ou incremento em vendas, a ajuda provocará pouco efeito prático. Porém ela é essencial para que o poder público se mobilize.

A ideia de repactuar dívidas junto aos bancos (fonte da maioria dos problemas financeiros da livraria) proposta na Câmara é fundamental, porém é apenas uma parte do que é preciso ser feito. O tombamento do patrimônio imaterial — da marca Ao Livro Verde — também é importante, mas trata-se de outra etapa, apenas. O prédio onde ela está instalada já é tombado como patrimônio material, mas não pertence à livraria.

No caso da Livraria da Vinci, no Rio, a marca foi comprada por uma rede maior, que manteve o nome e a aura do local. Em 2015, ela foi comprada pelo livreiro Daniel Louzada, seu atual proprietário.
No caso da Ao Livro Verde, não há indicativo que isso aconteça, pelo menos por enquanto. E Campos ainda apresenta um mercado muito pequeno de leitores, e não tem a densidade populacional de um grande centro.

O que pode ser feito, então?
Mobilização para salvar a Ao Livro Verde
Mobilização para salvar a Ao Livro Verde / Genilson Pessanha
A Ao Livro Verde é inegavelmente um patrimônio campista. Em uma cidade que já perdeu a Santa Casa da praça São Salvador, o Teatro Trianon do centro, prédios icônicos como do antigo Banco do Brasil e dos Correios, e todos os dias perde mais um pouco do Solar dos Airizes e de outros patrimônios, não pode permitir que, assim como o Monitor Campista — que figura entre os mais antigos jornais do país — outro marco de nossa história morra.

Como bem de valor coletivo, portanto, deve o poder público agir. E para tanto, aportar recursos — financeiros e humanos.
A Ao Livro Verde seria facilmente um importante centro de cultura local e de autores campistas, abrigaria um elegante café gerido pela iniciativa privada em parceria com o poder público, ou ainda poderia ser palco de uma papelaria popular, que forneceria materiais didáticos e escolares aos alunos da rede pública municipal e com preços acessíveis à população.

Mais que isso: temos uma biblioteca pública extremamente simbólica abandonada pelo poder público há bastante tempo. A Biblioteca Nilo Peçanha, que antes funcionava no Palácio da Cultura, hoje tem parte de seu acervo no Arquivo Público e outra acondicionada no interior do Palácio, completamente inacessível à população. Uma biblioteca municipal instalada na Ao Livro Verde resolveria esse problema.

Aliás, a ida da Ao Livro Verde para o Palácio da Cultura se mostra como uma boa opção para movimentar e modernizar a livraria, dar uso aquele equipamento cultural fechado, e baratear a revitalização da Biblioteca Nilo Peçanha e da Ao Livro Verde, que podem andar juntas.

Existem soluções, mas elas não passam por ações isoladas. Uma audiência pública na Câmara, com a participação da sociedade, da prefeitura e dos proprietários da Ao Livro Verde, seria um importante passo. Mas para ontem. Ou a histórica de Campos não vale o esforço?

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