No caso de Campos, o rio Paraíba foi fonte de riqueza para produção agropecuária e abastecimento humano, e a estrada da colonização: a principal forma de comunicação e transporte de mercadorias com o Rio de Janeiro (e a Europa por conseguinte) e outras cidades brasileiras. A importância desse rio que deságua no mar de Atafona foi essencial para que a região fosse explorada economicamente e o estabelecimento de residências.
O pesquisador campista Alberto Ribeiro Lamego informou em seus estudos que o primeiro engenho de açúcar, o de São Salvador, foi erguido na região em meados do século XVII. A força da cana se consolidou finalmente com a retomada da Capitania pela Coroa portuguesa, principalmente após a Revolta de Benta Pereira, o que empurrou a criação de gado para os sertões de São João da Barra e impulsionou a futura indústria da cana-de-açúcar.
Campos experimentou um crescimento econômico exponencial nos séculos seguintes, permitido pelas terras férteis e exploração e comercialização de pessoas escravizadas. Com a circulação crescente de pessoas, as questões sociais passaram a ter um papel central na formação da cidade, e a convivência urbana tomava rumos imprevisíveis, que exigiam planejamento e principalmente transporte.
Com o crescimento do centro urbano de Campos, ainda no Brasil do Império Potuguês, era preciso dinamizar as trocas comerciais e essas relações sociais surgiram com mais intensidade. Esse processo foi possível principalmente pela conjugação de dois tipos de transporte — a navegação e o ferroviário. Esses dois modais induziram as formas de pensar a cidade e possibilitaram que Campos fosse uma potência econômica ainda no final do século XVIII.
As companhias de navegação
Nesse cenário, a navegação em Campos precisava de novos formatos e de profissionalização. As demandas que a cidade —já elevada a essa categoria em 1835 —trazia, com as tentativas de se modernizar e copiar modelos de sociedade europeus, movimentaram os portos do centro, no cais da Lapa, e em São João da Barra.
Em 1872 já haviam linhas regulares no Canal Campos x Macaé, que cortava a cidade. Depois de quatro anos viriam a funcionar companhias de navegação que fariam a linha São João da Barra x Campos, e entre o porto de Imbetiba de Macaé. Mercadorias, recursos, circulação de pessoas e de informação, e as últimas novidades do mundo europeu, chegavam aos montes para abastecer um centro urbano movimentado e ávido pelo que os caminhos de água traziam.
Essas águas, com seus canais e afluentes do Paraíba, serviam também como drenagem de uma região alagadiça e abastecimento da produção agrícola, concentrado em cana-de-açúcar no período. Na cidade, no centro urbano, o rio era a porta de entrada.
O entorno do cais incluía as principais construções públicas, bancos, comércios, jornais e residências. O embelezamento do centro, do Cais da Lapa, foi natural. A beleza que o rio permitia ao margear o dique e todo movimento urbano criado, levaram a “Beira-Rio”—hoje batizada de XV de novembro, mas ainda chamada pelo nome original pelos munícipes — a ser pensada e planejada para ser larga, limpa, arborizada e depois iluminada.
As companhias de ferro
O crescimento da cidade movimentava o centro e estimulava o transporte, mas era preciso crescer mais e integrar. A sociedade campista pedia que fossem construídas pontes sobre o rio, para que novas perspectivas se abrissem. Foi chamada para isso a companhia inglesa Dutton & Chandler, que construiu uma ponte metálica em substituição da antiga barca pêndula, construída em 1846 pelo vice-cônsul francês em Campos, Jules Lambert.
A ponte de ferro e outros acessos permitiram que a cidade se expandisse em direção ao norte do município, à margem esquerda do rio. Foi preciso criar novos bairros e ocupar áreas mais distantes do centro, onde não havia nenhum equipamento urbano. A expansão de Campos era também um anseio de grandes produtores rurais que viviam nas sedes de fazendas espraiadas em uma espécie de “periferia rural”, como veio chamar a professora Teresa Peixoto, da Uenf, doutora em Estudos Urbanos.
A professora Teresa Peixoto mostra que houve um Conselho de “notáveis” em Campos, onde foi apresentado um projeto nomeado “Uma Consciência Citadina”. Participaram de sua elaboração o médico Manhães Barreto, o jornalista João de Alvarenga, o comerciante Cesário de Gusmão e o jornalista e escritor Silva Ultra.
Esse “conselhão” se mostrava preocupado com a depreciação dos imóveis urbanos, o abastecimento das indústrias e do comércio. Reconheciam no documento: “o imenso benefício que a distribuição obrigatória de água trará para a cidade”.
Mas era preciso também outros caminhos, para além do que o rio e o mar possibilitaram. Era preciso uma rede moderna de comunicação e interligação, para a industrialização pesada, e para que fosse, literalmente, um motor para o crescimento vertiginoso que a cidade almejava.
As companhias de estrada de ferro foram chamadas.
A primeira foi a Companhia Estrada de Ferro São Sebastião, com a instalação de uma Estação no Largo do Rocio — local aberto que foi reservado para a expansão da cidade, hoje ocupado por residências e comércios, em frente a faculdade de Direito de Campos, Uniflu.
Depois, a Companhia Estrada de Ferro Macaé veio a se instalar a oeste da cidade. Para o centro, a sociedade Ferro Carril de Campos administrava linhas férreas que passavam na Praça São Salvador e no Largo do Rocio, além da Beira Rio, Lapa e nas principais ruas, como a Direita, Rosário, Quitanda e Formosa.
A princípio, os bondes do centro eram movidos a tração animal, que guiavam os vagões pelos trilhos. Em 1883 foi inaugurada, por outra companhia inglesa, a Brush Eletric Company, a primeira central elétrica da América do Sul o que possibilitou os bondes eletrificados e a iluminação da Beira Rio.
Essa companhia, a Macaé-Campos, construiu estações pela cidade e uma linha que ia até São Fidélis, que ainda era um vilarejo. Outra linha, a Campos-Carangola, instalada na margem esquerda do Paraíba, se expandindo pelo norte.
As estradas de ferro não traziam apenas velocidade e volume no transporte de carga e pessoas. A expansão da malha ferroviária em Campos permitiu que as estações fossem pontos nevrálgicos para que pequenos aglomerados urbanos se formassem ou se mantivessem. São Sebastião, São Gonçalo, Santo Amaro, Morundu, Travessão e Santo Eduardo são alguns exemplos.
Isso permitia a descentralização de Campos e a possibilidade que pequenos produtores rurais pudessem permanecer na terra. A passagem do trem e o movimento das estações, possibilitaram que a ocupação do solo campista fosse mais planejada, sem estrangular as instalações centrais.
A Leopoldina Railways
Os ingleses participaram ativamente da integração do Brasil, profissionalizando o sistema de transporte. Eles tinham a expertise e a velocidade de produção necessárias para que trilhos e locomotivas pudessem cortar o país. Em 1888, ano da Lei Áurea, um sindicato inglês comprou a Companhia Estrada de Ferro Leopoldina, se tornando então a Leopoldina Railways.
A Railways comprou as companhias da região de Campos, e concluiu a conexão com Niterói, permitindo a intensificação das trocas com o Rio de Janeiro. Campos se tornava um dos mais importantes centros ferroviários do Brasil. A empresa conectou as estradas de ferro, expandiu os trajetos no centro, e construiu uma nova ponte metálica e a linha São João da Barra-Campos, beirando o Rio Paraíba. Novas estações foram criadas como a Central (hoje em frente à Igreja do Saco), a Leopoldina (no bairro que hoje leva seu nome) e a Avenida (na rua do Gás).
As linhas férreas, principalmente com a chegada da Leopoldina Railways, substituíram o transporte fluvial. A quantidade transportada e o custo de transporte se tornava cada vez mais atrativo para que fosse abandonado a ideia do rio Paraíba como modal. Nos anos 1920, a Companhia de Navegação São João da Barra foi desconstituída, e aos poucos as antigas pranchas não eram mais vistas pelos canais e rios.
Os planos dos engenheiros “de fora” e de um campista
Campos dos Goytacazes passou por diversos processos, e sua urbanização foi pensada e planejada pelo Império — português e quando se estabeleceu no Brasil depois da independência — e pela República. Durante o Império, dois planos foram traçados: o primeiro pelo engenheiro Luiz Niemeyer Bellegarde e outro por Amélio Pralon. Durante a República, por Saturnino de Brito.
Bellegarde, militar luso-brasileiro foi incumbido de pensar formas de melhoramentos urbanos. Pontes, ruas, arborização e até a construção de muralhas no limite da cidade com o rio Paraíba, para evitar os alagamentos durante as cheias. O plano foi considerado caro e sonhador para a época, sendo descontinuado na maioria de seus preceitos.
Pralon, engenheiro civil francês, atuou como urbanista em Campos, criando o Código de Posturas, ainda em 1842. Fez o que ficou conhecido como o “Plano Pralon”, que basicamente pensava na valorização de espaços livres para a permanência de pessoas; essencialmente, a construção de praças. O Plano buscava um conjunto regular, com traçado tipo tabuleiro de xadrez, desenhando as ruas geometricamente, assim como os quarteirões e as praças. O Plano Parlon também previa aterro, drenagem de lagoas e recuperação de estradas e pontes.
Assim como os seus antecessores estrangeiros, Saturnino de Brito pensou Campos em uma perspectiva higienista. Mas o engenheiro campista foi além e projetou o que seria um dos mais completos projetos de engenharia urbana do Brasil. A partir do plano de Saturnino, Campos passou por um processo de transformação radical no uso e ocupação do solo. Foram determinados bairros e outros zoneamentos urbanos, modificada as relações comerciais do centro e promovida reordenações em equipamentos públicos, como no Mercado Municipal. O plano de Saturnino também previa o uso do solo para a produção rural, com sistema de saneamento e drenagem.
A história ensina: o ordenamento urbano de Campos hoje
A história é um elemento vivo, e muda constantemente. A forma de trazer os fatos históricos — ou escondê-los — é sempre uma decisão que causa consequências para o entendimento de um país, ou uma cidade. Por decisões políticas, apropriações são feitas e narrativas são criadas a partir de fatos nem sempre verdadeiros.
Compreender os processos de urbanização de uma região é fundamental para tomar consciência das falhas na condução que ainda hoje são cometidas. Daí a necessidade premente de garantir espaços públicos de informação histórica, como Arquivos e Museus, e que eles dialoguem com as universidades e com veículos de imprensa (que trazem boa parte de registros memoriais) e que se constituam como centros de pesquisa.
O planejamento urbano é um ponto fundamental para a qualidade de vida das pessoas. E qualquer um que se preze precisa levar em consideração os processos históricos e ter um caráter perene. Devem ser programas de estado, não de governos. Atuam diretamente na diminuição de desigualdades e em reparações históricas necessárias.
Os trilhos da urbanização, sejam eles fluviais ou férreos, ou ainda em modais do futuro, continuam, apesar de planejamentos não executados ou mesmo da falta deles. Para que Campos possa olhar para um futuro mais justo e organizado urbanisticamente, a história precisa ser compreendida.
* O acervo referente à memória ferroviária de Campos não está catalogado como se deve, com parte na antiga estação Leopoldina, onde hoje está uma secretaria da prefeitura, outra no Museu Histórico, no Solar Visconde de Araruama e também no abandonado Museu Olavo Cardoso — o letreiro da Leopoldina Railways encontrava-se abandonado em sua garagem, quando foi transferido, em março deste ano, para o Museu Histórico depois de denúncia do blog do Matheus Berriel, hospedado na Folha1.