Imagine que essa vultosa quantia tenha sido conseguida por sua família em 29 de outubro de 2021. Portanto, um ano e seis meses completos hoje, 29 de abril de 2023. Peço um último esforço de elucubração: o que diria para sua família se passado todo esse tempo, nada, nenhum prego tenha sido batido, nenhuma intervenção naquele banheiro que estava vazando, nenhuma pintura na sala descascada ou nenhum móvel comprado para substituir o sofá rasgado e a mesa quebrada, um ano e meio após ter esse dinheiro em seu poder? Como reagiriam? O que achariam de você como administrador ou administradora do recurso?
Agora peço que dispense a imaginação e acompanhe os fatos. Em 29 de outubro de 2021 o blog de Aluysio Abreu Barbosa hospedado no Folha1 noticiou que “a Alerj, via Uenf, vai bancar a restauração do prédio secular do Arquivo Público Municipal de Campos, assim como a digitalização do seu arquivo”. Conforme prometido, a Uenf recebeu o valor reservado para a obra no Solar do Colégio, que abriga o Arquivo Público, em janeiro de 2022.
No caso real — que não precisa de nenhum esforço para imaginar e se assustar — a cifra é 10 vezes maior e o dinheiro é público, que deve ser investigado por uso indevido do mesmo jeito que deve ser por inércia.
A Alerj repassou à Uenf um total de R$ 30 milhões, onde oito seriam utilizados na Fazenda Campos Novos em Cabo Frio, dois na própria universidade e os 20 milhões restantes no Solar do Colégio. Ambas construções jesuíticas do século XVII, e ambas tombadas pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan). A diferença entre as duas é o uso e a atenção dispensada pela Uenf.
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Apesar de não abrigar um Arquivo Público com importantes jornais e documentos que ajudam a contar a história de toda região, em Cabo Frio as ações avançaram. Grupos de trabalho foram criados e no início deste mês Campos Novos foi objeto de pregão eletrônico realizado pela universidade.
No Solar do Colégio, nada. Depois de meses de descaso, uma reunião entre representantes da Alerj, da Prefeitura e da Uenf aconteceu em 29 de novembro de 2022, na sede do legislativo estadual. Nela, foi acordado que a Uenf faria em um prazo de 30 dias fazer a licitação. Não aconteceu. Depois disso alguns pequenos passos foram dados, mas nada de concreto saiu do papel, ou pelo menos preencheu algum papel decisivo.
Por que a Uenf?
Os recursos que a Alerj e a prefeitura de Campos conseguiram, necessariamente deveriam ir para alguma instituição estadual, como determina o ordenamento legal. A escolha da Uenf não poderia ser mais natural.
Mas ninguém poderia supor que 18 meses de descaso caíram sobre o prédio já cambaleante por descasos anteriores. As paredes históricas do Solar do Colégio protegem acervos de valor inestimável, inclusive de outras instituições como o Tribunal de Justiça. Além de proteger e tratar acervos, um Arquivo tem uma missão estratégica para a cidade, definida pela Constituição Federal e pela Lei de Acesso à Informação.
É preciso reforçar que a reitoria da Uenf aceitou realizar essa segunda reforma, que diferente da primeira, não havia o risco de ruína e destruição de acervos como há atualmente. Por óbvio, a universidade não se resume à reitoria, mas certamente cai sobre toda instituição a responsabilidade. Salvo algumas exceções, o silêncio de professores e funcionários demonstra que as responsabilidades, a imagem e o papel da Uenf na região não é motivo de preocupação.
A coordenadora do Arquivo, Rafaela Machado, vem trazendo um alerta, e também um pedido de elucubração aos campistas: “Imaginem vocês o que é perder parte da nossa história dia a dia, chuva a chuva”. Há exatos 1 ano e seis meses tenta-se imaginar os motivos que levam a inércia da Uenf. Sejam quais forem, resumem-se em uma palavra: descaso.