Nem o PT, nem a esquerda e nem a democracia venceram
Edmundo Siqueira 01/11/2022 19:55 - Atualizado em 01/11/2022 20:00
ED ALVES/CB/D.A.Press

Lula venceu. Foi a primeira vez que um presidente concorrendo à reeleição perdeu, e o ex-presidente teve a maior votação que um candidato já recebeu no Brasil. Mas também foi a eleição mais apertada de todos os tempos: pouco mais de 2 milhões de votos separaram Lula e Bolsonaro.

Em comparação ao primeiro turno, Lula recebeu 3 milhões de votos a mais. Bolsonaro, 7 milhões.
Embora se diga que o Nordeste tenha definido a eleição, foi o Sudeste o fiel da balança. De 2018 para cá, Bolsonaro desidratou na região e Lula cresceu 11%. Minas, São Paulo e Rio de Janeiro — até pela densidade eleitoral que possuem — definiram a vitória de Lula.

Sim, Lula venceu. Mas a vitória se deu apesar do antipetismo e não por ele ter diminuído. Um dos primeiros alertas que a ex-candidata Simone Tebet deu à campanha de Lula, foi para que eles abandonassem a ideia do “vai dar PT”, cantada em prosa e verso. Não, o Brasil não estava pedindo a volta do PT.

O que Tebet, Marina Silva, Fernando Henrique e outras tantas lideranças da política e da sociedade fizeram, ao anunciar apoio a Lula, foi abrandar o antipetismo. Era preciso que gente que nunca cogitou votar no PT fizesse uma escolha pelo bem da democracia, opção que, embora seja primordial, é uma ideia abstrata.

Enquanto isso, o primeiro turno elegia nove governadores alinhados ao bolsonarismo. O PL, partido de Bolsonaro, fez a maior bancada na Câmara e no Senado, e o segundo turno levou ao governo do estado economicamente mais importante da federação  Tarcísio Freitas, ex-ministro do governo atual.

O PL sozinho terá mais deputados que cinco partidos de esquerda — PT, PCdoB, PV, Rede e Psol. Os outros dois considerados de esquerda, PSB e PDT, encolheram: perderam, juntos, 12 cadeiras na Câmara Federal.

O que Lula, que é um político extremamente habilidoso e experiente, percebeu, a despeito de parte da militância petista, é que não foi o PT que venceu; foi a frente ampla que se formou ao seu redor. Portanto, a primeira pessoa que Lula agradeceu no discurso após a vitória foi a “companheira Tebet”.
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Do outro lado, Bolsonaro é um político que sempre agiu no conflito, principalmente institucional. A democracia para ele sempre foi um empecilho, algo que atrapalhava seu governo. O STF era visto como um inimigo e a imprensa também. O Congresso, se não tivesse comprado pelo chamado “orçamento secreto”, igualmente seria.
Na campanha, Bolsonaro testou as instituições brasileiras. E conseguiu fazer o que sempre foi proibido em período eleitoral: empréstimo consignado para beneficiários do Auxílio Brasil, liberação de milhões em verbas para deputados e manteve a propaganda do governo. E mentiu, repetidamente.

E não parou por aí. Sob seu comando, a Polícia Rodoviária Federal (PRF) fez mais de 500 blitzes na tentativa de impedir que eleitores do nordeste chegassem aos seus locais de votação. Usou como pôde e como não poderia a máquina pública para ganhar a eleição.

O silêncio que flerta com o golpismo - democracia ainda estremecida

Se não bastasse, depois de um silêncio ensurdecedor de quase 48 horas, hoje (1) Bolsonaro fez um pronunciamento. Sem citar Lula, e sem reconhecer que perdeu, ainda estava em campanha. Falou em “injustiça” no processo eleitoral, e evitou classificar como violentos os movimentos de bloqueio nas estradas que iniciaram depois da sua derrota. E atacou a esquerda:

— As manifestações pacíficas sempre serão bem-vindas, mas os nossos métodos não podem ser os da esquerda, que sempre prejudicaram a população, como invasão de propriedades, destruição de patrimônio e cerceamento do direito de ir e vir — disse Bolsonaro.

A cisão do Brasil, que o resultado das eleições evidenciou, é muito mais emocional que racional. A opção entre Lula ou Bolsonaro passou a representar uma identidade. Os eleitores vestiam uniformes verde e amarelos ou vermelhos. Criticar o líder carismático era, para muitos, uma ofensa pessoal, uma afronta à sua visão de mundo, não apenas um voto.

O Brasil terminou as eleições cindido. Visões antagônicas que teimam em colidir a ponto de ameaçar o sistema democrático. A democracia é uma promessa, um acordo. É, em essência, um pacto que a sociedade firmou para viver coletivamente. Se antagonismos forem resolvidos com violência e ódio, o pacto falha.

“A direita surgiu de verdade em nosso país. Nossa robusta representação no Congresso mostra a força dos nossos valores: Deus, pátria, família e liberdade”. Essas foram as palavras que Bolsonaro usou no pronunciamento. A "direita" a que ele se refere representa o reacionarismo, não o conservadorismo. A direita democrática foi apagada nessa eleição.
Bolsonaristas fecham rodovias em Campos e no Brasil.
Bolsonaristas fecham rodovias em Campos e no Brasil. / Rodrigo Silveira/Folha1


E o PT?

Assim como a direita democrática, a esquerda liberal não conseguiu formar lideranças. A esquerda identitária tão pouco. Lula é hoje a única liderança nacional efetiva que o PT construiu. Pela idade do presidente eleito, esse talvez seja seu último mandato, o que leva a um questionamento de como será um PT sem Lula.

Simone Tebet e Alckmin podem ser opções para um futuro próximo, mas estão muito distantes da esquerda. Ciro Gomes decidiu se omitir, e fez falta. Caso agisse como Tebet, e participasse do segundo turno, o resultado de Lula poderia ter sido mais robusto.

Claro que quatro anos de governo podem alterar substancialmente esse quadro. Mas caso o país continue divido e os antagônicos continuem se vendo como inimigos, a democracia continuará perdendo e abrindo espaço para populistas autoritários. Ela, a democracia, precisa de exercício constante. Da direita e da esquerda.

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