A direita necessária
Edmundo Siqueira 25/10/2022 21:46 - Atualizado em 25/10/2022 21:46
Ricardo Kuraoka

Em 2010, os cinco candidatos à presidência da República mais votados no primeiro turno eram de esquerda. Os partidos eram PT, PSDB, PV, PSOL e PSTU. Embora o PSDB tenha caminhado para a centro-direita, tem a mesma base progressista.

No segundo turno, Dilma Rousseff venceu José Serra. O PT tinha desempatado a dobradinha com o PSDB — dois governos Fernando Henrique, dois governos Lula. E elegia a primeira mulher presidente do Brasil. Os governos anteriores do PT foram mais social-democratas do que propriamente de esquerda, mas o Brasil continuava apostando em forças progressistas para governar o país.

Há pouco mais de uma década, nenhum dos 27 partidos brasileiros se proclamava de direita. PP e DEM estavam na centro-direita, uma espécie de “direita envergonhada”. Em um país que saiu de uma sangrenta ditadura militar, poucos políticos tinham a coragem de se definir como direitista, espectro que passou a ser muito vinculado a esse período perverso da história.

Com a redemocratização e a promulgação de uma Constituição de viés progressista, o meio político usava muito mais os termos “justiça social”, “distribuição de riqueza” e “igualdade”.  As palavras “social”, “trabalhista” e “socialista” aparecem na maioria dos nomes das legendas. Apenas o PSL fazia referência ao liberalismo. Nenhum adotava a expressão “conservador” no nome — e ainda não adota.

Sem direita democrática
Movimento de rua em 2021 que reuniu o PT, PCdoB, Psol, Rede, PV, Cidadania, Solidariedade, PSB e PDT e a direita não bolsonarista, representada por figuras do PSDB, DEM, MDB, PSD, Avante, Podemos
Movimento de rua em 2021 que reuniu o PT, PCdoB, Psol, Rede, PV, Cidadania, Solidariedade, PSB e PDT e a direita não bolsonarista, representada por figuras do PSDB, DEM, MDB, PSD, Avante, Podemos / Roberto Parizotti/Fotos Públicas


A combalida democracia brasileira não soube formar sua direita. A maioria das grandes democracias do mundo possuem históricos partidos conservadores. O Reino Unido, uma monarquia parlamentarista, tem o Partido Conservador, a Espanha conta com o PP, nos EUA o Partido Republicano, o Les Republicains na França e o Forza Italia.

A direita brasileira ficou submersa depois da redemocratização. Pautas conservadoras e de direita liberal como como livre iniciativa, responsabilidade individual e valores morais raramente eram ouvidas pelos corredores do Congresso ou do Palácio do Planalto até 2013.

Em junho daquele ano, aconteceu no Brasil algo que foi chamado de “insurreição”. As “jornadas de junho” foram uma série de mobilizações de massa ocorridas simultaneamente em mais de quinhentas cidades do Brasil. Crise econômica, preço de passagens, baixa qualidade de serviços públicos e altos gastos do governo, eram algumas das pautas dos manifestantes.

Mas, principalmente, refletia uma profunda crise de representatividade política e social. A hegemonia e dominação de partidos políticos sobre os movimentos populares, o poder dos oligopólios de comunicação e as falhas da democracia representativa estavam nas entrelinhas das pautas difusas da “Primavera Árabe” brasileira.

O PT de Dilma respondeu com violência e repressão. Os manifestantes recusavam a tutela de políticos tradicionais, e lideranças novas nasciam. A insatisfação com o governo aumentava significativamente. Na tentativa de organizar as pautas, o coletivo Anonymous, criado à época, definiu como sendo 5 os objetivos: a renúncia de Renan Calheiros da presidência do Senado; investigações e punição de irregularidades nas obras da Copa do Mundo (realizadas no Brasil); criação de lei que tornasse a corrupção crime hediondo e o fim do foro privilegiado dos políticos.

A esquerda brasileira começava a dar claros sinais que não sabia mais dialogar com a sociedade e não atendia aos anseios da classe trabalhadora. O Datafolha divulgou pesquisa de avaliação do governo Dilma em 2015, e 71% dos entrevistados consideraram o governo "ruim ou péssimo". A maior da série histórica até então.

Era o cenário perfeito para o nascimento de forças de direita. O Brasil poderia equilibrar as forças e formar partidos e representantes de uma direita democrática; saudável a qualquer democracia. Mas não aconteceu.

Ciclos conservadores e fim autoritário
Jean-Baptiste Debret/Reprodução

O Brasil teve ao menos dois grandes movimentos de conservadorismo-reacionário. O primeiro quando as ideias abolicionistas cresciam na sociedade. Comerciantes, grandes proprietários de terra e a elite financeira lutavam bravamente para manter pessoas escravizadas. “Era ruim para os negócios” a abolição.

O segundo surge quando direitos trabalhistas começavam a crescer no país e a virar lei. A CLT, criada em 1943, tentava regular as relações de trabalho e vetar as precariedades em uma realidade de industrialização crescente. Além disso, o mundo entrava em Guerra e o medo do comunismo era difundido, possibilitando que crescesse no Brasil um movimento que culminou na ditadura.

Os movimentos de 2013 não nasceram com pautas de direita, e por sua própria natureza não poderiam ser conservadores. Mas com um governo de ocasião considerado de esquerda, partidos e políticos, antes submersos, viram uma oportunidade única de vir à superfície.

A operação Lava Jato nasce no ano seguinte e faz potencializar um sentimento de antipolítica e criminalização dos partidos. Surgem como defensores do impeachment de Dilma, dois movimentos que foram protagonistas das “jornadas de junho”, com alta capacidade de mobilização como o MBL e o Vem pra Rua.

Por falta de coordenação, tempo ou vontade política, as movimentações que ocorreram desde 2013 não conseguiram formar partidos ou representantes verdadeiramente conservadores. Aécio Neves, como última tentativa, antes da derrocada do PSDB, perdeu em 2014 e Dilma foi reeleita com 51,64%. O psdebista não aceita a derrota e questiona as eleições. O ato reforçava a antipolítica e abre margem para todo tipo de teoria reacionária.

Sem liderança e coesão, as forças de direita que nasciam acabaram por convergir nas eleições de 2018, e Jair Messias Bolsonaro, então deputado do Baixo Clero, polemista de programas de auditório sensacionalista, se lança candidato à presidência e passa a vocalizar as ideias reacionárias.

O PSL, único partido que tinha liberal no nome em 2010, elege Bolsonaro no segundo turno e criou uma enorme bancada em comparação a anterior. De 2018 a 2022, o PSL perdeu Bolsonaro — hoje no PL — e desapareceu ao se fundir com o DEM e virar o União Brasil.

Bolsonaro, sob muitos aspectos, pode ser considerado de extrema-direita. Atuando constantemente no conflito, tendo um governo excessivamente militarizado e no limite da laicidade do Estado, não se enquadra numa direita democrática.

Em 2010, o mais à direita não defendia bandeiras como a redução da maioridade penal, o endurecimento da punição a criminosos e a oposição ao desarmamento civil. “No Brasil, a direita é muito vinculada aos regimes totalitários e estamos totalmente fora disso. O que é esquerda? Muro de Berlim, Cuba? Estamos fora disso também”, dizia Agripino Maia naquele ano, então presidente do partido.

Políticos como Ronaldo Ciado, reeleito este ano governador de Goiás, sempre defenderam bandeiras clássicas do conservadorismo, como a livre iniciativa, a não-interferência do estado na vida do cidadão e oposição à legalização do aborto. Mas não se assumiam como direitista até 2013.

Com a eleição de Bolsonaro em 2018, a direita do Brasil se radicalizou e fez sumir definitivamente partidos como o PSDB que abrigavam políticos da direita democrática. O primeiro turno das eleições de 2022 trouxe ao Congresso políticos que estão na extrema-direita, mas de alguma forma cria uma maioria conservadora — ou pelo menos, anti-esquerda.

Seja qual for o resultado no próximo dia 30, o Brasil continuará sem uma direita democrática organizada. Se a democracia brasileira sobreviver nos próximos anos, será preciso romper com os extremismos e criar mais que uma direita mínima. Será preciso uma direita necessária.

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