Traições, processos e casos de polícia - Os bastidores de uma Câmara sem sessão
Edmundo Siqueira 20/03/2022 21:02 - Atualizado em 20/03/2022 21:05
Folha1
Segundo o IBGE, Campos tem uma população estimada em mais de 514 mil pessoas (dados de 2021). Para essa quantidade de habitantes a Constituição Federal estabelece que a Câmara de Vereadores tenha no máximo 25 membros. Embora a Lei Orgânica Municipal possa determinar um número menor, optou-se pelo limite legal. De orçamento, o legislativo campista teve mais de 30 milhões no ano passado.
Apesar desses números — e de sua importância enquanto Casa de Leis —, a Câmara completa 5 semanas sem sessões. Por estratégia do grupo oposicionista a pauta está “travada”. Nada anda por lá até que a eleição para a mesa diretora continue e seja proclamada a vitória de Marquinhos Bacellar, líder da oposição, pela segunda vez — o presidente da Casa, o governista Fábio Ribeiro chegou a proclamar a vitória oposicionista, mas anulou a eleição via colegiado da mesa.
Há argumentos jurídicos e políticos de ambos os lados — e são plausíveis, de um lado e de outro.
Para anular a eleição, Fábio colocou o regimento “debaixo do braço” e teve o apoio da Mesa para acatar um requerimento que pedia a anulação da eleição, onde foi apontada a ausência de voto do vereador Nildo Cardoso. O regimento determina o voto nominal dos vereadores na eleição da mesa diretora, e não acontecendo por parte de um dos membros, a eleição se torna viciada, com erro insanável. A decisão de pautar novas eleições é privativa ao presidente, o que pode acontecer até dezembro.
Para concluir a eleição, a oposição quer que a sessão, onde Marquinhos foi proclamado vencedor, continue. Elegendo, inclusive, os demais cargos da Mesa. Também interpretando o regimento da Câmara, o grupo oposicionista entende que a decisão de anular a eleição, e de interromper um assunto colocado em pauta, cabe ao plenário e não à presidência unilateralmente. Para garantir o resultado, a oposição entrou com processo no judiciário onde aponta as possíveis falhas regimentais na condução do presidente da Casa.
Do impasse, fez-se o esvaziamento da Câmara de Vereadores. Por uma decisão que pode ser tomada até último dia da sessão legislativa deste ano, oposição e situação não se entendem e deixam de votar assuntos com urgência significativamente maior (veja ao final).
O voto da discórdia
Se por um lado a oposição quer forçar uma votação, mesmo com prazo tão estendido, do outro, a situação sofre as consequências de sua própria decisão de antecipar o pleito.
Sem um forte motivo aparente, Fábio decidiu pôr em votação a presidência da Casa e perdeu. Por erro de cálculo político, indo para o voto aberto com margem muito apertada, os governistas acabaram por perder o comando da Casa no próximo biênio (2023/2024).
O voto decisivo da eleição veio do vereador Maicon Cruz. Depois de tomar uma decisão apalavrada e assinada, Maicon decide mudar seu voto e altera todo resultado esperado pelo grupo governista. Os fatos demonstram que se nova eleição ocorrer, a situação irá perder de novo. Sendo o “não voto” de Nildo presumível, Maicon não dando sinais de retorno à primeira decisão, e sem nenhum outra mudança significativa, a derrota governista parece certa.
Mesmo em caso de empate, Bacellar venceria, seguindo o artigo 8º do regimento que determina que o desempate “ter-se-á por eleito o mais votado pelo povo”. Vale lembrar que o voto de Nildo, apesar de presumível — devendo permanecer com a oposição —, deve ser declarado na sessão, de forma nominal, o que não ocorreu. A democracia não permite que a mera expectativa de voto substitua o voto concreto. O próprio Maicon provou essa necessidade.
Maicon e Fábio falam
Este espaço ouviu os pivôs dos dois lados. Fábio Ribeiro e Maicon Cruz contaram suas versões do que ocorreu nos bastidores da polêmica sessão que acarretou na inatividade quase que total da Câmara há mais de um mês.
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Maicon Cruz -
Perguntado sobre os motivos que levaram a mudança de voto, Maicon disse que “entendeu por bem que seria mais benéfico para a população uma Câmara com um posicionamento mais independente”.

"O papel foi uma intenção de voto, sem valor jurídico, e que foi assinado apenas porque realmente não havia outra chapa de consenso para que eu pudesse analisar o que no meu entendimento seria mais benéfico para a cidade e para a população" (Maicon Cruz)
Sobre o fato de ter apalavrado o voto e mudado, foi questionado se foi por rejeição candidato oposicionista até então posto, Nildo Cardoso, ou por apreço ao nome oposicionista definido depois, Marquinhos Bacellar.

“Não se trata de nenhuma das opções mencionadas por você. Como expliquei, não havia um nome de consenso na oposição, não havia uma chapa definida e, à partir do momento que houve, entendi por bem que seria mais benéfico para a população uma Câmara com um posicionamento mais independente, já que os poderes devem ser harmônicos, porém independentes entre si”, disse Macion Cruz.
Sobre o papel assinado por ele, o vereador disse que não há qualquer valor jurídico. “O papel foi uma intenção de voto, sem valor jurídico, e que foi assinado apenas porque realmente não havia outra chapa de consenso para que eu pudesse analisar o que no meu entendimento seria mais benéfico para a cidade e para a população”.
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Fábio Ribeiro –
O atual presidente viu sua derrota como um caso de polícia. Assim como a oposição, que solicitou abertura de inquérito policial para apurar “abuso de poder”, argumentando que a sessão foi encerrada de maneira unilateral, Fábio também denunciou Maicon por “falsidade ideológica”.

Perguntado sobre os motivos que levaram a mudança de posicionamento do vereador, e como se sentia por ter confiado na palavra e na assinatura previamente conseguidas, Fábio confirma que avalia como um caso de polícia.
“Sobre a questão de Maicon, foi feito uma notícia crime na 134ª Delegacia de Polícia, e agora está na competência da autoridade policial. Este fato para mim já está findo. Se a autoridade policial entender que houve alguma conduta tipificada no código penal, comunica ao Ministério Público e se ele por assim entender, faz a devida ação penal, ou não. Está aos cuidados das autoridades competentes”, disse Fábio Ribeiro.
Outros assuntos esperam
Discussão durante sessão que proclamou vitória da oposição, que depois foi anulada
Discussão durante sessão que proclamou vitória da oposição, que depois foi anulada / Folha1
Enquanto não há consenso, ou decisão judicial definitiva, ou mesmo inquéritos policiais concluídos, vereadores — sejam governistas, independentes ou oposicionistas — não apreciam assuntos urgentes à municipalidade; à população, em última instância.
Campos corre o risco de não poder receber transferências da União, celebrar convênios com órgãos federais, ou mesmo contrair empréstimos, caso não confirme sua aderência à reforma nacional da Previdência. Para tanto, depende de aprovação pela Câmara de projeto enviado há mais quatro meses.
Segundo informações das creches públicas em Campos, divulgadas neste fim de semana, não há merenda para atender as crianças em horário integral, que estão sendo orientadas a fazer horário de almoço em casa. Como órgão fiscalizador, a Câmara deve se debruçar sobre o assunto, com a urgência necessária.
Entre outros tantos assuntos que uma cidade com mais de meio milhão de pessoas demanda, há ainda uma discussão sobre o reajuste dos servidores municipais em andamento, que depende de discussões profundas em plenário.
Os 25 vereadores, que operam em uma Casa com orçamento milionário, não representam o governo ou a oposição. Todos, sem exceção, receberam mandatos pelo voto popular e devem atuar em benefício da população. Sobre a eleição da Mesa, todos parecem ter cometido erros. Mas a cidade não pode esperar que eles sejam objetos de ressentimentos impeditivos.

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