Seu João Carlos era vigário de uma paróquia aqui de Campos, lá pelos idos de 1850. Ocupava um cargo de muito respeito e reputação. Tinha sido um orador conceituado na Igreja de Nossa Senhora do Carmo, hoje conhecida como a “Antiga Sé”, no centro do Rio de Janeiro. Na planície, recebeu os serviços de Justina — uma jovem negra escravizada —, cedidos por uma senhora que era dona de terras. O vigário e Justina envolveram-se e tiveram um filho. A paternidade não foi reconhecida pelo religioso, mas, apesar disso, mandou o menino para a fazenda que possuía em Lagoa de Cima, onde foi como liberto.
O menino convivia com muitos outros iguais a ele, mas em situação de escravidão. Assistia aos castigos severos e a crueldade de impor a um ser humano uma situação tão degradante. Queria sair da fazenda e ter uma vivência urbana, com melhores oportunidades e longe daquela violência. Aos 14 anos foi trabalhar como servente na Santa Casa de Misericórdia do Rio, e se encantou com a medicina. Aos 20, conclui o curso de Farmácia.
José do Patrocínio era enfim um homem formado e respeitado. Mas jamais teria esquecido o que viu na fazenda em Lagoa de Cima. E então teve as condições de decidir-se: faria da luta pela abolição da escravidão seu objetivo de vida.
O farmacêutico passou ao jornalismo por vocação e necessidade. Percebeu que a imprensa teria um papel fundamental para que a escravidão fosse abolida no Brasil — estava absolutamente certo. Patrocínio foi redator na 'Gazeta de Notícias' e fundou com Joaquim Nabuco a 'Sociedade Brasileira Contra a Escravidão'.
O início da luta contra o regime escravista foi concomitante com seu casamento. Maria Henriqueta era filha de um rico proprietário de terras e capitão do exército, que a princípio não aceitaria o romance, mas cedeu ao perceber na filha a sinceridade de seu sentimento.
José do Patrocínio e o sogro acabaram por se dar bem, tanto que disponibiliza os recursos para que, o agora jornalista, adquirisse o jornal 'Gazeta da Tarde' e assumisse a direção editorial. Os instrumentos para a luta antiescravista estavam em suas mãos e ele soube aproveitar. Patrocínio passou a ser um líder nacional da causa. Organizava clubes abolicionistas, adquiria alforrias e escrevia incessantemente, convencendo outros tantos a se juntarem à justa causa.
Conseguiu voltar a Campos dos Goytacazes no ano de 1885. Foi recebido com festa, com as pompas e circunstâncias de um líder nacional. Daqui levou Dona Justina, já idosa e doente, que veio a falecer no mesmo ano, no Rio. O filho ilustre de Campos e da negra escravizada tratou de fazer do sepultamento de sua mãe um ato emblemático de sua luta. Conseguiu que se fizessem presentes ao enterro o ministro Rodolfo Dantas, o jurista Rui Barbosa e os futuros presidentes Campos Sales e Prudente de Morais.
Imaginaria a sofrida Dona Justina que seu corpo fosse velado por autoridades e sua memória servisse de instrumento da liberdade? De certo que não. Pois três anos depois, José do Patrocínio publicara no periódico “A Cidade do Rio”, também comprado por ele, que a escravidão teria sido enfim abolida do território brasileiro.
O menino negro criado em Lagoa de Cima, filho de escravizada, depois de mais de uma década de luta, conseguiu seu objetivo. Orgulhara-se do feito, lembrando-se dos seus amigos da fazenda que foram açoitados covardemente. Patrocínio nessa época já teria sido eleito vereador da Câmara Municipal do Rio de Janeiro, com votação maciça, e sua vitória abolicionista inspirou outra luta que ganhava cada vez mais corpo no Brasil: a campanha republicana.
Em 15 de novembro de 1889, o marechal Deodoro da Fonseca e uma junta militar derrubava o Império. Enfrentando pouca resistência das forças reais, um golpe militar trazia a República. Mas foi José do Patrocínio o de fato “proclamador civil” da República Brasileira. E foi às ruas para legitimar o regime republicano; junto do povo. Na Câmara Municipal escreve uma moção que declarou o fim da monarquia e a proclamação da república, esta entregue a Deodoro e seu Governo Provisório que prestaram juramento aos direitos dos cidadãos.
A República veio das mãos de um campista. Das mãos negras de luta do filho de Dona Justina e de Campos dos Goytacazes.