Por favor, deixem Mario Frias na cultura!
Edmundo Siqueira 23/02/2022 21:30 - Atualizado em 23/02/2022 21:37
Secretário de Cultura, Mário Frias, acompanhado do filho do presidente Bolsonaro, Eduardo.
Secretário de Cultura, Mário Frias, acompanhado do filho do presidente Bolsonaro, Eduardo. / Reprodução
O Brasil já teve um movimento fascista. Na década de 1930, Plínio Salgado iniciava a Ação Integralista Brasileira (AIB) depois de um tempo na Itália, aprendendo com o próprio Mussolini. A AIB foi de extrema direita e ultranacionalista. Seus integrantes (chagando a somar quase um milhão) vestiam camisas verdes (na Itália os fascistas vestiam camisas pretas), tinham faixas nos braços (ao estilo nazista) com o sigma estampado, o símbolo integralista. O fascismo — no Brasil ou no seu berço, Itália — se define menos como uma ideologia e mais como uma cultura.
A cultura, a educação e o jornalismo são os alvos principais do fascismo. É preciso criar uma massa que acredite em uma realidade paralela e que seja saudosa a um passado idealizado. E para isso, é preciso sufocar as fontes de conhecimento confiáveis. É preciso fazer as pessoas agirem pela emoção, e não pela razão.
Bolsonaro é um presidente neofascista. Por mais que seja perigoso o uso excessivo dessa palavra — pois corre-se o risco que ela perca seu sentido real —, os elementos estão presentes. O fascismo adquire formas diversas, originou o nazismo, por exemplo, mas segue alguns padrões. Invariavelmente cultua a masculinidade, as armas, a ordem e a religião. E fabrica um inimigo que, sendo imaginário ou não, seria o responsável pela “deturpação” da sociedade. E o “Dulce” — o líder — seria o único capaz de vencer o “sistema”. Esses elementos estavam presentes em Mussolini e em todas as derivações do fascismo, inclusive nas modernas. Estão presentes em Bolsonaro.
“Deus, pátria e família!” era o lema da ABL. Não por acaso também é o de Bolsonaro. Para movimentos de extrema-direita — ou fascistas —  criar um slogan de fácil entendimento e em princípio inquestionável é fundamental. O problema é que esses supostos valores essenciais são usados para fins de poder e dominação.
A defesa não é da religiosidade; prega-se um tipo de religião, onde outras não são aceitas. A “pátria” só é aceita aquela idealizada, e com as pessoas certas. A família não é vista como instituição, mas como a responsável por uma cultura conservadora, onde uma forma específica de formação familiar é a única possível, mesmo que não exista sentimentos nobres envolvidos, e a violência familiar aconteça.
A cultura no bolsonarismo
Onde entra o atual secretário de Cultura Mário Frias nessa história? No centro da questão. Desde o início do governo, as pastas da cultura e educação foram ocupadas por bolsonaristas radicais ou por gente com a pauta de costumes internalizada ao extremo. Para o bolsonarismo dar certo, e se firmar como uma cultura e uma identidade, era necessário ter essas pessoas nessas pastas.
Nos atemos à cultura.
Em janeiro de 2020, o quarto secretário da pasta, Roberto Alvim, foi exonerado. O motivo? A repercussão extremamente negativa que um dos seus discursos causou. Nele, Alvim cita trechos (textuais) de falas do ministro da Propaganda do governo de Adolf Hitler, Joseph Goebbels, além de ter trazido toda estética nazista e fundo musical de Wagner, compositor preferido do Führer. Bolsonaro não fez questionamentos ao conteúdo do discurso de Alvim; a exoneração aconteceu pela repercussão.
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No seu discurso nazista, Alvim, citando Goebbels, diz uma frase que resume bem como é vista a cultura no fascismo: “ao país a que servimos só interessa uma arte que cria a sua própria qualidade a partir da nacionalidade plena. Queremos uma cultura dinâmica e, ao mesmo tempo, enraizada na nobreza dos nossos mitos fundantes. Pátria, família, e a coragem do povo”.

Para o lugar de Alvim, Bolsonaro escolhe a ex-atriz da Rede Globo, Regina Duarte. Sem qualquer ação relevante na pasta, Regina também foi afastada, sendo direcionada para um cargo de menor importância, onde também ficou pouco tempo. Durante uma entrevista, a então secretária de Cultura foi questionada sobre participar de um governo cujo presidente considera "heróis" alguns dos envolvidos em casos de prisão e tortura na ditadura militar. Respondeu: “se ficar cobrando coisas que aconteceram nos anos 60, 70, 80, a gente não vai para a frente”, disse, emendando com uma cantoria da música “Para frente, Brasil”, tema da seleção brasileira na Copa de 1970.
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Depois de cantar, ela diz: "Não era bom quando a gente cantava isso? Bom, mas sempre houve tortura. Stálin! Quantas mortes! Hitler! Quantas mortes! Se a gente for ficar arrastando essas mortes...”. Era o auge da pandemia do Covid-19.

Agora, o dublê de ator Mario Frias ataca a lei de fomento à cultura mais importante do país e procura justificar gastos com dinheiro público em uma viagem internacional considerada de interesse pessoal. Bolsonaro tem se incomodado com o assunto e dá sinais que Frias será o próximo a deixar a pasta.
Investimento estatal, ou por compensação tributária, em cultura não é favor ou algo meramente “social”. Os Estados Unidos, exemplo de democracia liberal, é um dos países que mais investe em cultura e formou através da indústria do cinema o “american way of life”, um estilo de vida produzido através da cultura que vende bilhões em bens de consumo e infla o turismo americano.
A cultura do fascismo parece ser o interesse do bolsonarismo, e as escolhas para a pasta que cuida das políticas públicas culturais demonstram isso. Porém, estamos no fim do governo, como aponta todas as pesquisas, e estragos já foram feitos.
Seria essencial para a cultura brasileira enxotar alguém como Mário Frias? Certamente. Mas, depois de apologias ao nazismo e uma atriz decadente que minimiza a ditadura, não sabemos o que poderia vir. Pelo menos, o atual secretário vem demonstrando ser incompetente até para malfeitos. Melhor mantê-lo por lá. Pois, se “Deus, a pátria e a família” permitirem, os absurdos estão no fim.

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