Arthur Soffiati - Solidão
Então, hoje, não participo mais de eventos em que o foco seja apenas social. Fico sozinho, porque não há eventos que defendam o ambiental por aqui. Trata-se de uma solidãofilosófica. E me impressiona que as pessoas de todos os níveis de instrução ainda estejam tão indiferentes à crise ambiental. As campanhas políticas nos municípios do norte/noroeste fluminense a ignoraram. Salvo engano, não ouvi nenhum candidato mencionar a questão das mudanças climáticas.
Solidão teórica: a maioria dos historiadores ambientais se encerra em arquivos, bibliotecas, gabinetes à procura de documentos que informem sobre a visão que determinadas sociedades têm de natureza. Eu vou a campo examinar os documentos criados pela própria natureza. Estudo as transformações do ambiente produzidas pelos humanos diretamente em terras, águas, plantas e animais. Quando saio com meus colegas para o campo, noto que eles ficam perdidos. O mundo deles é o gabinete. O meu mundo é o próprio mundo. Solidãoteóricae metodológica mesmo.
Minha mãe estudava piano e dança clássicos antes de se casar. Casada com um militar, ela abandou a dança e a música, mas continuou ouvindo música clássica em emissoras de rádio. A música chegava aos ouvidos do marido e dos filhos. Aproximei-me dessa expressão musical aos 9 anos e gostei. Pelo rádio aprendi muito. Não pude estudar um instrumento porque isso era coisa de viado, segundo meu pai. Fiquei só na audição e refinei meu gosto. Hoje, entendo que a música é um fenômeno de todas as culturas. Respeito a música de todos os povos. Mas tenho meu gosto. Noto que ninguém por aqui gosta. Não entrarei no discurso do decolonial. Ele tem limites, como mostrou a escritora Gabriela Wiener no romance “Exploração”. Solidãoestética.
Gosto de ler desde os 12 anos. Não apenas livros relacionados à minha formação em história, mas livros sobre outros saberes. Meu gosto por botânica voltou depois de velho. Amo as plantas e sofro com o seu sofrimento. Elas não devem sofrer e não devem perceber que não sofrem. Tenho atração por plantinhas que vivem humildemente em seu canto.
Mas gosto também de poesia e ficção. Gosto dos clássicos e de acompanhar os novos, embora quase sempre me decepcionem pela superficialidade e pela atração exercida pelo mercado, televisão e cinema. Os ficcionistas estão escrevendo mais roteiros que contos e romances. Mas eles estão sendo abandonados pelos leitores. Na minha juventude, eu não podia ler tanto porque era absorvido pelo trabalho. Agora, aposentado e idoso, tenho mais tempo para leitura. Contudo, ela, a leitura, está em declínio com as redes sociais. Quem não gostava de ler, está se exibindo nas redes com frases feitas e com figuras. Quem gostava também está sucumbindo ao exibicionismo e ao narcisismo. Sem reclamação. É um sinal do mundo digital. Ter um pé no mundo analógico causa estranheza a quem foi formado nele e a quem sucumbiu a ele. Muita informação e pouca formação. Informação verdadeira e falsa. Informação caótica.
Gosto de refletir sobre o mundo que me chega pela leitura e pelo conhecimento direto dele. Não faço leituras gratuitas. Não viajo como turista. Estou sempre à procura do conhecimento, não apenas pelo prisma teórico. A teoria serve como meio para o conhecimento empírico, e este é insubstituível para mim. Daí, gostar de sair para conhecer o mundo real. Mas meus hábitos estão em franco declínio, acentuando minha solidão.
Quando abriram um canal na restinga para instalar um estaleiro dentro das empresas de Eike Batista, eu disse, num ato público, que conhecia a restinga como a palma da minha mão. Mas que aquele rasgo parecia uma navalhada nela. Houve quem chorasse com minhas palavras. A maioria das pessoas é socialista e entendeu que eu dizia ter a navalha passado sobre os pequenos produtores rurais que perderam suas terras. Eles estavam incluídos na minha declaração, mas eu me referia aos terrenos de restinga, a uma lagoa que foi cortada ao meio, às plantas que foram removidas pelas instalações portuárias, aos animais silvestres expulsos. Além dos pobres humanos, eu falava da pobre natureza. Mas o socioambientalista não entende. Ele acha que o rico destrói a natureza e merece críticas. O pobre pode. Já disse, como Marx, que a ideologia dominante é a ideologia da classe dominante. Ricos e pobres humanos entendem que Deus fez a naturezaparaeles.
Então, hoje, não participo mais de eventos em que o foco seja apenas social. Fico sozinho, porque não há eventos que defendam o ambiental por aqui. Trata-se de uma solidãofilosófica. E me impressiona que as pessoas de todos os níveis de instrução ainda estejam tão indiferentes à crise ambiental. As campanhas políticas nos municípios do norte/noroeste fluminense a ignoraram. Salvo engano, não ouvi nenhum candidato mencionar a questão das mudanças climáticas.
Solidão teórica: a maioria dos historiadores ambientais se encerra em arquivos, bibliotecas, gabinetes à procura de documentos que informem sobre a visão que determinadas sociedades têm de natureza. Eu vou a campo examinar os documentos criados pela própria natureza. Estudo as transformações do ambiente produzidas pelos humanos diretamente em terras, águas, plantas e animais. Quando saio com meus colegas para o campo, noto que eles ficam perdidos. O mundo deles é o gabinete. O meu mundo é o próprio mundo. Solidãoteóricae metodológica mesmo.
Minha mãe estudava piano e dança clássicos antes de se casar. Casada com um militar, ela abandou a dança e a música, mas continuou ouvindo música clássica em emissoras de rádio. A música chegava aos ouvidos do marido e dos filhos. Aproximei-me dessa expressão musical aos 9 anos e gostei. Pelo rádio aprendi muito. Não pude estudar um instrumento porque isso era coisa de viado, segundo meu pai. Fiquei só na audição e refinei meu gosto. Hoje, entendo que a música é um fenômeno de todas as culturas. Respeito a música de todos os povos. Mas tenho meu gosto. Noto que ninguém por aqui gosta. Não entrarei no discurso do decolonial. Ele tem limites, como mostrou a escritora Gabriela Wiener no romance “Exploração”. Solidãoestética.
Gosto de ler desde os 12 anos. Não apenas livros relacionados à minha formação em história, mas livros sobre outros saberes. Meu gosto por botânica voltou depois de velho. Amo as plantas e sofro com o seu sofrimento. Elas não devem sofrer e não devem perceber que não sofrem. Tenho atração por plantinhas que vivem humildemente em seu canto.
Mas gosto também de poesia e ficção. Gosto dos clássicos e de acompanhar os novos, embora quase sempre me decepcionem pela superficialidade e pela atração exercida pelo mercado, televisão e cinema. Os ficcionistas estão escrevendo mais roteiros que contos e romances. Mas eles estão sendo abandonados pelos leitores. Na minha juventude, eu não podia ler tanto porque era absorvido pelo trabalho. Agora, aposentado e idoso, tenho mais tempo para leitura. Contudo, ela, a leitura, está em declínio com as redes sociais. Quem não gostava de ler, está se exibindo nas redes com frases feitas e com figuras. Quem gostava também está sucumbindo ao exibicionismo e ao narcisismo. Sem reclamação. É um sinal do mundo digital. Ter um pé no mundo analógico causa estranheza a quem foi formado nele e a quem sucumbiu a ele. Muita informação e pouca formação. Informação verdadeira e falsa. Informação caótica.
Gosto de cinema num mundo em que as salas de exibição de rua já faliram e em que as salas de shoppings estão falindo. As plataformas estão triunfando e, com elas, também o cinema. Estimula-se o filme, não o cinema. Existe uma diferença entre cinema e filme. Cinema é uma arte que reúne desenho, fotografia, pintura, literatura, teatro e música. Cinema valoriza a fotografia em movimento. Filme enfatiza o roteiro e a atuação. Vale dizer, a literatura e o teatro. Quem busca um filme, está à procura de uma história e de performances que distraiam. Quem busca cinema, valoriza a estética.
Gosto de refletir sobre o mundo que me chega pela leitura e pelo conhecimento direto dele. Não faço leituras gratuitas. Não viajo como turista. Estou sempre à procura do conhecimento, não apenas pelo prisma teórico. A teoria serve como meio para o conhecimento empírico, e este é insubstituível para mim. Daí, gostar de sair para conhecer o mundo real. Mas meus hábitos estão em franco declínio, acentuando minha solidão.