Edgar Vianna de Andrade - A singularidade de Ozu
*Edgar Vianna de Andrade - Atualizado em 28/08/2024 12:34
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O mais conhecido filme de Yasugiro Ozu é “Era uma vez em Tóquio”, de 1953. Quem assiste a esse filme e percebe algo de diferente no diretor contenta-se com ele. Ozu começou a filmar em 1927. Todos os filmes desse ano e de 1928 se perderam. Restou apenas “Dias de juventude”. Outros de anos posteriores também se perderam, assim como, de alguns, restaram fragmentos. Filmes em película se perdem facilmente por falta de conservação. Fungos costumam destruí-los. Além do mais, nos primórdios do cinema, ainda não havia instituições para reuni-los, organizá-los e conservá-los.

Mas, entre “Dias de juventude” e “A rotina tem seu encanto”, seu último filme, datado de 1962, pode-se acompanhar a carreira cinematográfica desse grande diretor japonês, que ombreia com Akira Kuruzawa e com Kenji Mizoguchi. Ozu é um intimista. Kurosawa é um épico. Mizoguchi um crítico da sociedade japonesa. Cada um expressa uma face da cultura japonesa contemporânea.

Ozu firma, na década de 1930, a estética que o imortalizará. Em “Dias de juventude”, ele filma como um ocidental: câmara em movimento com muita gente em cena. Muita ação. Em “Filho único” (“Hitori musuku”), de 1936, seu estilo já está definido: câmara parada e baixa, registrando o movimento dos artistas. A paisagem é também assim enfocada: de baixo para cima. Assim como se consolidou o plano americano (enfoque de pessoas da cintura para cima), Ozu se projetou com o plano tatame (câmara parada na altura do chão).

Há cortes na filmagem, mas passando-se de uma câmara para outra sempre posicionadas no chão e paradas. Movem-se apenas as pessoas. No geral, o que importa a Ozu é o cotidiano. Nada de dramas, de cenas grandiosas. Tudo transcorre como acontece no dia-a-dia. Existem dois mundos interligados: o Japão fora de casa, que já está ocidentalizado, e o Japão doméstico. No mundo exterior, as pessoas se comportam como ocidentais. Os homens usam terno e gravata, praticam tênis, golfe e basebol. Trabalham em escritórios. Entram nos ambientes de trabalho com sapatos. As mulheres ou se vestem à moda ocidental ou ainda com roupas tradicionais do Japão.

Mas, ao entrarem no lar, homens e mulheres tiram os sapatos e ficam descalços ou de meia. O solo do lar é sagrado. Geralmente, homens e mulheres vestem quimonos no ambiente doméstico. A família é muito considerada e respeitada. Mas as mulheres não aceitam as imposições dos homens, pelo menos como no passado. Elas opinam, discutem, não aceitam passivamente a posição do pai, do irmão e do marido.

O casamento da mulher ainda é uma questão crucial numa família. Pais e irmãos esperam que a mulher se case, mesmo que ela não queira. No final, ela aceita sugestões de bons partidos. Mas há uma espécie de complexo de Electra em vários filmes de Ozu: a filha gosta da família ou do pai (sobretudo se é viúvo) e não quer deixá-los. São os casos de “Pai e filha” (1949), “Também fomos felizes” (1951) e de “A rotina tem seu encanto” (1962). Mas há o caso de os pais se queixarem dos filhos, como “Era uma vez em Tóquio” (1953). Envelhecimento, atenção, gentileza e casamento são temas constantes em Ozu. Ele era alcoólatra e essa particularidade é levada para seus filmes. É muito comum os amigos se reunirem para beber fora de casa. E acabam embriagados, recebendo reprimendas de esposas e filhas.

A adoção do filme em cores não afetou a qualidade da produção de Ozu, como aconteceu com Robert Bresson. A estética do japonês não era incompatível com o filme colorido. O primeiro filme em cores foi “A flor do equinócio” (1956). Ele terminou sua carreira de diretor em 1962, com “A rotina tem seu encanto”, também em cores. Ozu deixou marcas no cinema oriental com seus roteiros que nada dizem de especial. Ele não conta nada de extraordinário além do cotidiano que todos nós podemos viver. No cinema, costumamos procurar ação, o diferente da nossa vida. Ozu não nos dá esse prazer.

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