Arthur Soffiati - Goa e Campos no contexto da globalização (final)
* Arthur Soffiati - Atualizado em 13/03/2024 10:39
A relação entre as colônias portuguesas na Ásia, na África e na América não teve mão única. Assim como vegetais e produtos orientais para o Brasil tiveram em Goa seu ponto de partida, vegetais e produtos do Brasil também foram introduzidos na Ásia através de Goa. Levemos em conta que, mesmo plantas americanas em territórios do império colonial espanhol, entraram no Brasil e saíram para a Ásia, principalmente durante a união ibérica (1580-1640), quando Portugal e Espanha eram governados pelo mesmo monarca.
Acompanho os registros de Garcia de Orta (“Colóquio dos simples e drogas das Índias - 2 vols.”. Lisboa: Imprensa Nacional, 1987) e D.G. Dalgado (“Flora de Goa e Savantvadi”. Lisboa: Imprensa Nacional, 1898). As plantas brasileiras mais apreciadas na antiga Goa e no território correspondente a ela atualmente, integrado à Índia, são o caju e ananás. A segunda é uma fruta conhecida e altamente valorizada em todo o mundo. Em Goa, o caju é a fruta mais popular depois da manga, como registra Raquel Soeiro de Brito (“Goa e as praças do norte revisitadas”. Lisboa: Comissão Nacional para as Comemorações dos Descobrimentos Portugueses, 1998). A autora mostra ainda que o caju é cultivado para a produção de castanha, cuja exportação é rendosa para a balança comercial ainda no século XX.
Quanto ao ananás, ele se distingue do abacaxi, segundo método popular, pelo exame da coroa. Se suas ramificações forem serrilhadas, trata-se do abacaxi. Se forem lisas, trata-se do ananás. Mas as palavras parecem ser sinônimas de uma mesma espécie.
A goiabeira é outra espécie vegetal arbórea de origem americana que se adaptou bem a Goa. Seu fruto é muito apreciado. Outra árvore que igualmente se adaptou bem a Goa foi o sapotizeiro, originário da América do Sul.
Não apenas essas espécies vegetais saíram da América para entrar em Goa e lá fincar pé. As anonáceas também se adaptaram bem por lá. É o caso da fruta do conde, que agora passa por espontânea em Goa, assim como o capim cidade é considerado nativo do Brasil.
O urucum, muito usado pelos povos indígenas do Brasil para produzir a tinta vermelha com que pintavam seus corpos e a cerâmica, também se adaptou bem em Goa. Tanto no Brasil quanto em Goa, ele é usado para produzir uma substância bastante utilizada na culinária que, no Brasil, é chamada de colorau. O urucum pertence à família das bixáceas, exclusiva da América.
Poucos sabem que o algodoeiro é planta americana e que suas fibras já eram usadas por alguns povos indígenas para a tecelagem. Ele foi introduzido no Decão e se tornou bastante popular em Goa. Da mesma forma, o cacau é nativo da América Central. Suas sementes eram usadas como moeda de troca no império asteca. Trata-se de uma fruta cuja área de distribuição alcança a Amazônia. Hoje, ganhou importância internacional na fabricação do chocolate, mas não se adaptou bem na Índia.
Além de frutos, as palmeiras produzem palmito. O de qualidade mais apreciada vem da palmeira juçara. De tanto ser explorada, a espécie americana entrou na lista das ameaçadas de extinção. Ela foi introduzida em Goa e se adaptou bem. Aconteceu o mesmo com a papaia. Nativa da região amazônica, sua adaptação às terras e ao clima de Goa foi excelente. Seu fruto é fino e muito apreciado. O mesmo acontece com o maracujá, uma trepadeira nativa de terras americanas que se aclimatou bem em Goa, fornecendo fruto apreciado.
Outra planta americana que foi difundida pelo mundo é o feijão. Na verdade, existem muitas espécies e variedades desse grão muito usado na culinária. Em Goa, os feijões são cultivados em hortas. Dalgado registra o jerimum, que, na verdade, é o nome que a abóbora recebe na região nordeste do Brasil. Ela está presente na culinária goense, assim como a batata doce, também originária da América. Aliás, a chamada batata-inglesa é nativa da região dos Andes. Ela se disseminou pelo mundo e foi adaptada a climas diversos. Pode-se dizer o mesmo do tomate, fruto de planta mais difícil de se aclimatar a ambientes não tropicais. Batata e tomate são hoje produtos vegetais presentes na culinária mundial. O mesmo aconteceu com a mandioca, originária da América e muito cultivada em Goa no passado.
Tão difundido pelo mundo e tão condenado pelos males que acarreta à saúde, o fumo é originário da América e difundido por todo o mundo. Também chegou a Goa. A planta permitiu o enriquecimento de várias empresas com a fabricação e a venda de cigarros. Hoje, desprestigiado, o fumo vem sendo substituído pelo cigarro eletrônico, mais nocivo que ele.
Existem outras plantas de origem americana e que foram introduzidas em Goa pelos portugueses a partir do Brasil. Elas são pouco conhecidas mesmo no Brasil. O desconhecimento se relaciona mais com respeito à sua origem. A baunilha deu-se bem Goa, mas não floresce. A araruta já foi mais cultivada e consumida no passado. Também foi introduzida em Goa. A coca e a ipecacuanha, do Peru e do Brasil, são plantas medicinais milagrosas. Ambas foram introduzidas em Goa.
Plantas pouco conhecidas no Brasil também chegaram a Goa. O jambu, da Amazônia, foi uma delas. Usada na culinária, dá ao alimento sabor de ardência. O pau-pereira é outra, ainda usada para conferir sabor a bebidas alcoólicas. A pantana é uma planta ornamental que foi levada para Goa e que se encontra nos jardins das casas.
Pode-se concluir, ao longo desses cinco artigos, que a conquista portuguesa de Goa e do Brasil permitiu grande circulação de bens e de plantas entre as duas áreas coloniais. Na verdade, como mostra José E. Mendes Ferrão em “A aventura das plantas e os descobrimentos portugueses” (Lisboa: Comissão Nacional para as Comemorações dos Descobrimentos Portugueses, 1993), o intercâmbio de espécies vegetais depois de 1492, com a chegada de Colombo à América, se disseminou pelo mundo tropical. O clima foi a principal condição a permitir que essa mixórdia botânica se instalasse no planeta. Algumas espécies tropicais chegaram mesmo a vingar em clima temperado e vice-versa. Foi com emoção que encontrei uma goiabeira com fruto perfeito no jardim botânico de Coimbra. Por outro lado, a parreira é cultivada com sucesso no semiárido brasileiro.
Não há como demonstrar que as espécies vegetais americanas partiram de Campos dos Goytacazes para Goa. Mas cabe observar que muitas dessas espécies exportadas pelo Brasil para Goa existiam naturalmente nas terras altas, médias e baixas de Campos, como o caju, a espécie exótica mais popular em Goa. O ananás também é cultivado em vários lugares da antiga capitania de São Tomé com sucesso. Da janela do meu apartamento, no sexto andar de um prédio, vejo várias mangueiras, amendoeiras, coqueiros, jaqueiras, fruta-pão, lexia, assim como veria seringueiras na Malásia. Do ponto de vista botânico, esse intercâmbio foi nocivo aos ecossistemas nativos. Mas ele foi promovido numa época em que a ecologia não havia se desenvolvido como ciência. Mesmo hoje, com todo o controle exercido pelos governos, as trocas ainda se processam.
Por fim, cabe salientar que o sistema-mundo iniciado por portugueses e espanhóis no século XV ganhou impulso com os holandeses, franceses e ingleses. Hoje, o mundo está ocidentalizado, ainda que guardando o fundo básico cultural de cada região. Os impérios coloniais sucumbiram a um sistema financeiro mundial.
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