Em 1844, na Rua da Quitanda, nº 22, tinha uma livraria. E tem até hoje - Ao Livro Verde completa 177 anos
13/06/2021 18:16 - Atualizado em 13/06/2021 18:46
O ano era 1888. Um ilustre campista andava pelas ruas da cidade, para comprar uma bico de pena. Não era uma pena qualquer. Era para ser usada na assinatura de um documento vital à luta que o próprio vinha travando há anos. José do Patrocínio, uma das figuras mais importantes dos movimentos abolicionistas do Brasil — filho e cidadão de Campos dos Goytacazes —, entrou n loja do número 22, na Rua da Quitanda: a livraria ‘Ao Livro Verde’, tradicional na cidade, que já tinha 44 anos naquele endereço. Comprou, enfim, e a pena foi usada pela princesa Isabel para assinar a Lei Áurea.
A história da caneta de Patrocínio é uma das lendas que envolvem a livraria mais antiga do país — hoje no mesmo lugar, mas a rua mudou de nome algumas vezes, já sendo Barão de Cotegipe, Rua Bananal e hoje Governador Teotônio Ferreira Araújo —, criada em 13 de junho de 1844, pelo empreendedor português José Vaz Corrêa Coimbra, atualmente de propriedade de Ronaldo Sobral. A livraria, que está a uma quadra do Rio Paraíba do Sul, foi fundada para atender a intelectualidade do além-mar que descia no antigo Cais do Imperador.
“José Vaz Correia Coimbra, annunicão ao respeitável publico que acabão de abrir sua casa de negocio (...) para vender o seguinte: um variado sortimento de obras e mais pertences para escolas de instrucção primariae secundaria, bem como novellas, historias e romances (...)” — assim foi anunciada a criação da livraria no jornal Monitor Campista (terceiro mais antigo do Brasil se ainda estivesse em circulação), na sua edição de número 419, de 02 de julho de 1844. Noticiou como “Loja do Livro Verde”. A origem do nome ainda é um mistério, mas as referencias possíveis, como “O Livro Verde” do ditador líbio Muammar al-Gaddafi, tem mais de um século de diferença.
O atual proprietário, Ronaldo Sobral, mostrando a data de fundação da livraria Ao Livro Verde, fazendo 177 anos.
O atual proprietário, Ronaldo Sobral, mostrando a data de fundação da livraria Ao Livro Verde, fazendo 177 anos. / PMCG
"Não se perdeu pelo nome a livraria de Campos, que comemora 150 anos com o registro de mais antiga do país: Ao Livro Verde. A Razão social evocava esperança, que se cumpriu como milagre - e contra todas as expectativas, neste país de tão raros leitores. E a longevidade, dispensa considerações sobre significado e importância de Ao Livro Verde. É gratificação bastante, no terreno minado da cultura brasileira saber que ela subsistiu” - Editorial do O Globo - 1994
Editorial do O Globo, na página 12, de 15 de junho de 1994, sobre a Ao Livro Verde.
Editorial do O Globo, na página 12, de 15 de junho de 1994, sobre a Ao Livro Verde. / O Globo
Ao Livro Verde foi cenário para a obra literária de outro filho brioso de Campos, José Cândido de Carvalho, em seu livro “O Coronel e o Lobisomem” (o personagem principal usava a livraria como escritório). No seu último romance, “O Rei Baltazar”, havia um personagem inspirado no pai de Ronaldo, de quem o escritor era amigo. Pertence à família Sobral desde os anos 1950, antes era propriedade do alemão Max Zuchner, a administrando durante a Segunda Guerra, onde sua terra natal e o Brasil eram inimigos. Os livros e as penas resistiram, bravamente.
Livrarias ao redor do mundo sucumbiram pela era digital e pelo e-commerce. Há anos comenta-se sobre a possível morte dos livros. Mas eles resistem. Ler um livro, sentir seu cheiro, as letras impressas criando imagens mentais, o barulho do esfregar do polegar e do dedo médio nas viradas de páginas e outros tantos pequenos prazer trazidos, parecem ainda encantar consumidores, mesmo que cada vez em menor número. Um livro mudou o mundo, vale ressaltar.
A campista ‘Ao Livro Verde’ completa hoje (13) 177 anos, com longevidade reconhecida, em 1995, pelo Guinness Book e visitada por escritores como Carlos Heitor Cony e o cartunista Ziraldo, que deixou por lá um desenho e um autógrafo. Segundo o proprietário, ela nunca fechou. Vendendo livros e material de papelaria, mantendo tradições e mostrando, em suas histórias e lendas, a importância histórica da terra Goytacá, banhada pelo Paraíba.
PMCG

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    Edmundo Siqueira

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