Quando nasce Campos? "Em 1652, no sítio onde hoje está instalada a Igreja de São Francisco, foi construída uma capela em louvor a São Salvador" - Major Almeida
02/06/2021 13:41 - Atualizado em 02/06/2021 14:10
Segunda entrevista da série sobre as discussões que continuam na atual legislatura da Câmara de Vereadores de Campos dos Goytacazes sobre a data de nascimento da cidade.
Quando nasce uma cidade? Como podemos definir o momento exato em que um aglomerado de pessoas e construções passe a se tornar uma urbe, com ruas e gentes, determinações e identidades próprias? A data de fundação de um lugar é determinada por diversos fatores e movimentações. Inclusive dos povos originários que viviam naquele território, que na maioria das vezes são expulsos ou explorados por processos de colonização e urbanização (confira reportagem da Folha aqui).
O caso da nossa cidade não foi diferente. Além do índio Goytacá, habitavam aqui grupos indígenas como os Puris, Coroados e Guarulhos. Mas, estaria a história de Campos dos Goytacazes, enquanto cidade, iniciada nesse contexto? Havia nos povos originários a organização social, econômica e administrativa para podermos determinar o nascimento de uma cidade como a entendemos na contemporaneidade?
É essencial definirmos uma data que possa comportar a documentação histórica, os testemunhos e a literatura disponível, mas também que possa produzir no campista o reconhecimento de sua história. Inclusive pela obrigatoriedade de valorizarmos nossos primeiros habitantes e contarmos a história de exploração e morticínio que passaram durante a colonização. É preciso apresentar Campos aos campistas. Mostrar o quão profunda é a sua história e quantos antepassados lutaram por essa terra para que hoje possamos chamá-la de nossa, de nosso local de nascimento, de nossa casa. Quando uma cidade completa ciclos de vida, é-lhe concedido o direito de comemorar um marco simbólico a partir do qual se rememoram passados, mas também se projetam futuros.
A Câmara de Vereadores de Campos dá continuidade nesta legislatura às discussões sobre o real — ou consensual, ao menos — nascimento da cidade. Para isso propõe a escuta ativa de historiadores, pesquisadores, jornalistas, e toda sociedade. Quatro correntes são defendidas no legislativo municipal, oriundas de encontros com a Comissão de Educação e Cultura, reuniões no plenário e defesas escritas. A primeira em 1532, com a doação das Capitanias Hereditárias — a segunda em 1652 com a celebração da primeira missa em solo campista — a terceira 1º de janeiro de 1653 com a posse da primeira Câmara — e 29 de maio de 1677 com a criação da Vila pelo donatário e a posse de nova Câmara, essa de forma definitiva.
Por ordem de antiguidade das datas propostas, iniciamos uma série de entrevistas (veja a primeira aqui). Nesta, o ex-deputado constituinte, major Oswaldo Almeida, e prior da Venerável Ordem Terceira de São Francisco da Penitência, conversa sobre a data que defende: 06 de Agosto de 1652. 
Edmundo Siqueira - Quando Campos nasce, de fato? Qual a importância dessa discussão para a cidade?
De princípio, queremos reconhecer que será de extrema dificuldade formatar um quadro com uma justa concepção do ocorrido no início do século XVII (1615/1650) numa época em que nossa região havia se transformado num verdadeiro “faroeste” americano, invadido por desertores das forças do Rio de Janeiro e evadidos das justiça do Rio e Cabo Frio, degredados e gente da pior espécie ávidos por conseguir terras, expulsando índios remanescentes e “hereus” descendentes dos 7 Capitães e arrendatários destes. Dessa época haviam poucos capazes para registrar o ocorrido até a chegada das Ordens religiosas, dos Jesuítas, Beneditinos, Franciscanos, Carmelitas e mais tarde, dos Redentoristas, e que, como representantes da igreja ainda eram respeitados, por serem gente de melhor nível, com seus relatos e relatórios a seus superiores e quando iniciaram, ainda que esparsamente a registrar as ocorrências da época. Baseados nessas informações, começaram a surgir os primeiros cronistas até chegar aos consagrados pesquisadores e historiógrafos Alberto Lamego, Júlio Feydit e outros, além dos religiosos Monsenhor Pizarro e Frei Basilio Rower, que deram início a construção da memória histórica que estamos procurando.
Ficou assim definido pelos 4 grandes autores, que, em 1652 ou 1649, como registrou Feydit, foi levantada no Sitio onde está instalada hoje a Igreja de São Francisco, uma capela de palha em terras do Gen. Salvador Correia de Sá e Benevides que a mandou construir, e a entregou ao Monge Beneditino D. Fernando de Monserrat, nomeando-o Vigário e Pároco da mesma.
Estava assim, reconhecida, que em 1652, no sítio onde hoje está instalada a Igreja de São Francisco, foi construída uma capela em louvor a São Salvador, criando já na época, a devoção, que permanece até hoje, sendo designado para ela um Pároco (Dom Fernando de Monserrat) com o que, a referida capela foi elevada à categoria de Paroquia e Freguesia, capacitada legalmente para as funções religiosas e de registros civis, para atender seus “Fregueses”, que habitavam em seu entorno. Para confirmar a condição legal da instituição “Freguesia” capacitada para o exercício de atividades civis, o Dr. Edson Batista, que também exerceu o cargo de Presidente (da Câmara de Vereadores de Campos), em depoimento a este Prior, declarou que no exercício da Presidência, descobriu em 2015, um cofre da Câmara lacrado no Cartório do 2º Oficio de Campos contendo documentos importantes da nossa heroína Benta Pereira, com testamentos e inventários, onde ela registra que “nasceu na Freguesia de São Salvador de Campos dos Goytacazes em 1675”.
A instalação de uma instituição religiosa, como foi o caso da nossa Freguesia, na celebração em sua Capela da sua primeira missa em louvor de seu Padroeiro São Salvador, no ano de 1652, só poderia ter sido, conforme prevê a tradição católica no dia de seu santo, dia 06 de Agosto, conforme vimos comemorando desde aquele dia até nossos dias em Campos dos Goytacazes.
A Proposta do Professor Avelino, para considerar a data da instalação da Capitania de São Tome como uma data a ser celebrada para o inicio de Campos, só seria válida se continuasse a existir a “Vila Rainha” do Donatário Pero de Goes, que infelizmente foi extinta e não deixou rastros.
A proposta da Professora Sylvia Paes, apoiada pelo jornalista Edmundo Siqueira estabelecendo como data do início do povoamento dos Campos dos Goytacazes com a da instalação da Vila de São Salvador em maio de 1677. Só seria válida, se não houvesse antes a instalação da Freguesia em 06 de agosto de 1652, conforme devidamente demonstrado nos registros atrás realizados. A propósito, a proposta da Professora Silva, apoiada pelo Jornalista Edmundo, de certo modo, desconheceu a figura da Freguesia, talvez, julgando-a não ter existido ou julgando-a não ter sido legalmente reconhecida.
Passando a considerar a proposta da Professora Rafaela Machado Ribeiro, do Arquivo Municipal, apoiada pelo Sr. Genilson Soares, do Instituto Histórico do Município, a instalação da Freguesia de São Salvador em 1652, como já foi amplamente demonstrado nos registros que atrás fizemos e também confirmado pelo registro efetuado no Livro “Benta Pereira em Documentos editado pela Câmara de Vereadores, de autoria da Própria Proponente, Professora Rafaela Machado, ratificado conforme anexos 09 e 9a precede a primeira tentativa de fundação da Vila em 01 de janeiro de 1653. Ainda mais, como registrou Alberto Lamego em seu Tomo I da sua Obra Terra Goitacá, em págs de nº 91 até 137, que esta primeira tentativa de fundação da Villa foi ilegal, tanto assim, que logo logo, pouco tempo após sua tentativa de instalação, foi abortada e a Villa de então, voltou a ser Freguesia. Houve uma nova tentativa em 1672, que também não prosperou, só vindo a ser instalada definitivamente a Villa de São Salvador de Campos, em 29 de Maio de 1677. Registre-se, que a autorização para a instalação definitiva da Villa, só foi deferida com requerimento dos moradores da Freguesia, ao qual foi juntado uma certidão do Vigário da Igreja de São Salvador em que declarava já existir na área 60 moradores, todos fregueses da mesma Igreja. Pág 137 Tomo I. Com estes registros e outros mais contidos nas abordagens de Alberto Lamego, ficou definida que a primeira tentativa de instalação da Vila em 01 de janeiro de 1653, foi ilegal, e não podendo ser reconhecida legalmente. Todavia, mesmo que fosse reconhecida, nesta data, a Freguesia de São Salvador, instalada em 06 de Agosto de 1652, teria precedido essa já tentativa de fundação da Villa.

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