Dia 18 de maio de 2020. Um dia para ficar marcado para quem atua, milita ou acompanha a cultura em Campos. Hoje comemora-se o Dia Internacional dos Museus. Este ano, com o tema “Museus para a Igualdade: Diversidade e Inclusão”, definido pelo Instituto Brasileiro de Museus (Ibram), a comemorações que são celebradas há 18 anos no Brasil e dedicadas a estes equipamentos culturais, tiveram que se adaptar à realidade da pandemia. Em Campos, os desafios são ainda maiores. Após a prefeitura suspender o contrato dos RPAs, esvaziando praticamente toda equipe do Museu Histórico, as comemorações ganham ar de preocupação. A cultura da cidade tem o 18 de maio marcado também pelo aniversário do Arquivo Público Municipal Waldir Pinto Carvalho. Este ano, pela primeira vez em seus 19 anos de história, o Arquivo não comemorou seu aniversário. A instituição atravessa o mesmo drama do Museu em Campos.
Após a veiculação da suspensão das atividades do Museu e do Arquivo (confira aqui) e intensa mobilização do setor cultural na cidade, com campanhas de instituições do setor, universidades, historiadores e pesquisadores e um ofício (veja aqui) enviado pelo IPHAN (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional), a prefeitura se posicionou. Em resposta ao blog, a presidente da FCJOL (Fundação Cultural Jornalista Oswaldo Lima), Cristina Lima, enviou o ofício que expediu como resposta ao IPHAN e informa a recondução de colaboradores ao Museu e ao Arquivo, em caráter de exceção.
O blog, depois da primeira abordagem do assunto, que teve mais de 3.200 interações, dedicou-se à abordagem do tema. A cultura tem sido uma aliada em tempos de pandemia. Os serviços de streaming cresceram mais de 20% desde o início da crise. Livros, peças de teatro, visitações a museus e outras formas de cultura - a maioria de forma virtual - tiveram crescimento em seu consumo.
Em Campos, ambos os aparelhos culturais, Museu e Arquivo, vinham promovendo atividades online com grande audiência e elogiada pelos espectadores via rede social. Mais do que entretenimento, a cultura representa identidade e atua no tecido cultural de uma cidade e do país como um instrumento essencial, principalmente em tempos de crise. Segundo reportagem do O Globo, uma série de pesquisas recentes sobre cidades demonstra que territórios com agenda de ações culturais contínuas criam melhores condições de segurança e de índices econômicos. Além disso, na ausência de instituições do estado, a cultura pode ser um elemento fundamental de mediação social.
Tema ganhou destaque em Campos
A semana começou tendo o assunto em alta. Na segunda (11) o renomado historiador campista, Aristides Soffiati, deu uma entrevista ao programa Folha no Ar, da Folha FM98,3, onde cobrou dos gestores da cultura e do prefeito de Campos uma posição mais clara sobre o fechamento do Museu e do Arquivo. No mesmo dia, ao Blog Opiniões do jornalista Aluysio Abreu Barbosa, o prefeito Rafael Diniz e a presidente da FCJOL, Cristina Lima, falam sobre o assunto e garantem que a suspensão das equipes seria temporária.
Na quinta (14), foi a vez de Cristina Lima conceder entrevista ao Folha no Ar. O programa, que bateu recorde de interatividade, com participação das diretoras Graziela Escocard (Museu) e Rafaela Machado (Aquivo), inclusive, que enviaram questionamentos à diretora da Fundação que cuida da cultura no município. Cristina reafirmou o caráter temporário dos desligamentos e afirmou que estaria buscando uma solução, através de consenso com a classe cultural, o prefeito e as instituições envolvidas, para uma solução. Este blog abordou as duas entrevistas (veja aqui ).
Além do destaque na imprensa campista, instituições ligadas à cultura e ao patrimônio histórico iniciaram campanhas em defesa do Museu e do Arquivo. O Centro Acadêmico de História da Universidade Federal Fluminense, CAHIS UFF, o Conselho Municipal de Cultura e a Associação Nacional de História, Anpuh Brasil foram algumas que se manifestaram. Ao blog, o historiador Hélio Coelho, nome de muito prestígio no meio cultural campista, indicou a divulgação de uma Carta Aberta de sua autoria que tratava do tema. Falaram também outros nomes importantes da cultura local e estadual. O historiador Eugênio Soares, o jornalista Wellington Cordeiro, o reitor da Uenf Raul Palacio e o diretor do Instituto de História da UFRJ, Antônio Jucá.
O ofício do IPHAN e a resposta da prefeitura – promessa de recondução de parte da equipe
Após o recebimento de ofício da superintendência estadual do Iphan, órgão que cuida nacionalmente dos patrimônios históricos, a prefeitura enviou resposta onde apresenta soluções para a manutenção dos prédios e do importante acervo que eles abrigam.
“Não obstante esse tempo obscuro que passamos, tanto o Arquivo Público Municipal Waldir Pinto de Carvalho como o Museu Histórico de Campos dos Goytacazes estão com os vigilantes e a Guarda Civil Municipal à disposição para proteção dos prédios históricos. Contudo, por iniciativa do Prefeito Rafael Diniz, o Plano de Suspensão Emergencial foi revisto e autorizado, para os respectivos prédios e acervos, colaboradores que manterão os devidos cuidados com sua manutenção e conservação”, cita o ofício assinado pela presidente da Fundação Cultural Jornalista Oswaldo Lima, Cristina Lima.
O blog fez novamente contato com Cristina, que atendeu prontamente, onde garantiu que, alinhada com o prefeito, reconduzirá parte da equipe do Museu e do Arquivo para que sejam mantidas as condições mínimas de manutenção dos prédios e do acervo (perecível em grande parte). A presidente da FCJOL informou ainda que serão direcionados guardas municipais para a segurança e preservação do patrimônio das instituições e que os vigias estão mantidos.
Apesar das soluções parciais, situação do Museu e do Arquivo é preocupante
Apesar da promessa de recondução de parte da equipe, a prefeitura mantinha meses de salários atrasados dos RPAs. Em tempos de pandemia, onde a economia já sofre os efeitos, talvez seja difícil até o transporte das pessoas reconduzidas até seu local de trabalho. Fragilizadas pelo afastamento e pelos atrasos salariais, os colaboradores do Museu e do Arquivo, que receberam treinamento específico para atuar nas instituições, precisarão de apoio para preservar esses patrimônios campistas.
A questão da segurança também é preocupante. O Museu está localizado no Solar do Visconde, prédio tombado pelo INEPAC (Instituto Estadual do Patrimônio Cultural), no centro da cidade. Em tempos de isolamento social e com a divulgação que sua equipe estaria afastada, o local pode sofrer vandalismo ou mesmo roubo. O Arquivo, localizado em área rural, no Solar do Colégio, construção tombada pelo Iphan, corre risco pelo afastamento e desocupação da equipe.
Ainda há muito a se fazer pela cultura de Campos. Imprensa, sociedade civil, instituições de ensino, artistas, intelectuais e qualquer cidadão que se preocupa com sua história devem se permanecer vigilantes, participando como fizeram em Campos e cobrando dos entes públicos, de todas as esferas, ações que permitam a manutenção, valorização e preservação de nosso patrimônio histórico cultural, material e imaterial.
Campos, que já foi considerada “capital do intelectualismo fluminense”, sempre foi pulsante culturalmente. O trabalho do Museu e do Arquivo até aqui são exemplos. A cidade abriga construções como o Solar dos Airizes, que tem relevância nacional, e encontra-se em situação de deterioração. Perdeu criminosamente seu majestoso teatro Trianon, outras tantas construções históricas já foram demolidas, está há anos sem seu Palácio da Cultura e abandonou seu Museu Olavo Cardoso. Porém mantém vivo seu Teatro de Bolso, reergueu o Trianon e possui o capital humano necessário para impedir que a cultura seja colocada em segundo plano. Em recente vídeo, o ator da Rede Globo, Lima Duarte, lembrou a peça "Os Fuzis da Senhora Carrar", de Bertolt Brecht e recitou: “os que lavam as mãos o fazem numa bacia de sangue”. A cultura de Campos pode ficar tranquila. Seus integrantes não lavam as mãos.