Museu e Arquivo de Campos perdem toda equipe e suspendem atividades
07/05/2020 16:24 - Atualizado em 07/05/2020 16:45
Segundo nota oficial da prefeitura de Campos, emitida nesta quarta (06), entrou em vigor o “Plano de Suspensão Emergencial” que suspendeu os contratos temporários de profissionais da educação, de estagiários e dos Recibos de Pagamento a Autônomos (RPAs) de diversas secretarias e superintendências. Ainda segundo a mesma nota, “a medida vale até a normalização das atividades, após o fim da pandemia do coronavírus”. A medida radical foi justificada por queda na arrecadação de “40% no Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU) e 20% no Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISSqn). Já as receitas oriundas do petróleo acumulam perda de 64% este ano em comparação ao ano passado”.
Embora a situação se mostre caótica, potencializada por uma pandemia que assola o mundo inteiro, as boas práticas de gestão pública vão em direção contrária. Manutenção de empregos é uma das principais. Existem outros cortes que podem ser feitos, como diminuição de salários de prefeito e secretários, recorrer às ajudas financeiras do Estado e do Governo Federal e até o endividamento público. Cortar empregos de colaboradores, sem qualquer aviso prévio, e que já vinham sofrendo com atrasos que, segundo fonte, se perduram por mais de quatro meses, se mostra uma medida contraprodutiva – e covarde.
Duas dessas entidades sentiram fortemente o baque. O Museu Histórico de Campos e o Arquivo Público Municipal Waldir Pinto de Carvalho tiveram sua equipe cortada em sua totalidade, com exceção das diretoras Graziela Escocard e Rafaela Machado, respectivamente. As unidades vinham desenvolvendo diversos trabalhos de forma virtual e vinham recebendo especialistas da cidade, em história e outros assuntos correlatos, com objetivo de divulgar e valorizar a história de Campos e região. 
— O Arquivo desde o aniversário da cidade passou a realizar lives semanais com temáticas importantes para a história da cidade, sempre com convidados de reconhecimento do meio histórico e acadêmico, entre eles o arqueólogo Luís Cláudio Symanski e a historiadora Lana Lage. Nas últimas semanas, lançou também o podcast Arquivo Conectado, que já figurava entre os mais ouvidos da cidade — relata a diretora do Arquivo, Rafaela Machado. 
Entre a equipe do Arquivo que foi desligada pela prefeitura, está o Sr. Jorge da Paixão, que trabalhava na instituição desde quando o Arquivo foi inaugurado. Responsável por abrir e fechar o prédio do Solar todos os dias, há exatos 19 anos, o Sr. Jorge fala com tristeza do afastamento e diz que espera poder voltar em breve, já que aquela é a sua "segunda casa".
Jorge da Paixão, trabalhava no Arquivo Público de Campos desde sua fundação, responsável por abrir e fechar o prédio do Solar todos os dias há exatos 19 anos, afastado pela prefeitura.
Jorge da Paixão, trabalhava no Arquivo Público de Campos desde sua fundação, responsável por abrir e fechar o prédio do Solar todos os dias há exatos 19 anos, afastado pela prefeitura.
A diretora do Museu, Graziela Escocard lamenta que algumas das atividades on-line podem ser suspensas e diz que seus colaboradores estavam trabalhando e desempenhando funções via home office.
— Gostaria de ressaltar a nossa sistemática na realização de exposição temporárias, com temas históricos relacionados à nossa cidade, como forma de atrair o público ao Museu. Agora com a pandemia nossa reinvenção com ações ligadas ao Museu Virtual, falando sobre nosso acervo, através de vídeos, fotos. As lives (bate-papos), em parceria com a Secretaria de Educação e com a Uenf. Quiz Histórico e as exposições virtuais — diz Graziela.
Rita Sousa é restaurada, treinada pelo Carlos Freitas, foi afastada pela prefeitura no Plano de Suspensão Emergencial.
Rita Sousa, restauradora do Museu de Campos, treinada por Carlos Freitas, primeiro Diretor do Museu, afastada pela prefeitura.
Rita Sousa, restauradora do Museu de Campos, treinada por Carlos Freitas, primeiro Diretor do Museu, afastada pela prefeitura.
Rafaela comenta com muita tristeza sobre o desligamento da equipe e que alguns estavam ali antes mesmo dela. Segundo Rafaela, o corte afetará os trabalhos em andamento e espera que a equipe volte em sua integralidade:
— Durante a suspensão do atendimento ao público, toda a equipe se manteve trabalhando, fosse nas idas constantes ao Arquivo, fosse de casa. A equipe de estagiários passou durante todas essas semanas por treinamentos e cursos, os RPAS se dedicaram a realizar postagens na página do Arquivo com a divulgação de pesquisas com temáticas relacionadas à história e ao patrimônio local e planejaram e executaram a implementação de novos projetos que exploram as mídias virtuais, como o podcast e as lives. Interromper esses projetos é muito triste. No entanto, ainda mais triste é afastar pessoas, mesmo que temporariamente, que estão ligadas profundamente ao Arquivo. Faço questão de ressaltar que o Arquivo é o que existe dentro dele, ou seja, seu acervo – os documentos, e as vidas que lá estão – as pessoas. Esses profissionais são especiais, pois desenvolvem um trabalho extremamente técnico e qualificado. Há pessoas ali que há 19 anos trabalham com restauração, algo absolutamente delicado e raro. 
No Museu Histórico é possível fazer uma viagem por toda a trajetória da cidade. Inaugurado em 29 de junho de 2012 e instalado no Solar do Visconde de Araruama depois de um longo período de reformas, já recebeu cerca de 150 mil visitantes desde sua inauguração.
O Arquivo público tem a função de preservar o patrimônio documental do município. Criado pela Lei nº 7.060 de 18 de maio de 2001, atua como um dos principais arquivos municipais do país na guarda e preservação de documentos históricos, além de permitir o acesso ao público e desenvolver pesquisas de relevado valor.
Em um momento em que muito se perderá e que uma grave crise econômica, prevista por economistas, se aproxima como efeito da pandemia, é preciso proteger e resguardar entidades essenciais. A preservação da história é certamente um desses serviços que deve ser mantido, sob pena de deixarmos de entender a importância da preservação do patrimônio histórico, material ou imaterial. E ainda corrermos o risco de perder parte da memória coletiva e individual, para que possamos compreender o passado e traçarmos o futuro de um determinado grupo social, cidade e nação. Nossa história está diretamente ligada à formação de identidade, formação cultural e econômica de um povo. O foco é o coronavírus e salvar vidas, mas não podemos deixar que tudo se perca nesse caminho, principalmente o essencial e o que não atrapalha – ao contrário – no combate à essa crise.
 
 
 
 

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    Edmundo Siqueira

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