Segundo nota oficial da prefeitura de Campos, emitida nesta quarta (06), entrou em vigor o “Plano de Suspensão Emergencial” que suspendeu os contratos temporários de profissionais da educação, de estagiários e dos Recibos de Pagamento a Autônomos (RPAs) de diversas secretarias e superintendências. Ainda segundo a mesma nota, “a medida vale até a normalização das atividades, após o fim da pandemia do coronavírus”. A medida radical foi justificada por queda na arrecadação de “40% no Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU) e 20% no Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISSqn). Já as receitas oriundas do petróleo acumulam perda de 64% este ano em comparação ao ano passado”.
Embora a situação se mostre caótica, potencializada por uma pandemia que assola o mundo inteiro, as boas práticas de gestão pública vão em direção contrária. Manutenção de empregos é uma das principais. Existem outros cortes que podem ser feitos, como diminuição de salários de prefeito e secretários, recorrer às ajudas financeiras do Estado e do Governo Federal e até o endividamento público. Cortar empregos de colaboradores, sem qualquer aviso prévio, e que já vinham sofrendo com atrasos que, segundo fonte, se perduram por mais de quatro meses, se mostra uma medida contraprodutiva – e covarde.
Duas dessas entidades sentiram fortemente o baque. O Museu Histórico de Campos e o Arquivo Público Municipal Waldir Pinto de Carvalho tiveram sua equipe cortada em sua totalidade, com exceção das diretoras Graziela Escocard e Rafaela Machado, respectivamente. As unidades vinham desenvolvendo diversos trabalhos de forma virtual e vinham recebendo especialistas da cidade, em história e outros assuntos correlatos, com objetivo de divulgar e valorizar a história de Campos e região.
— O Arquivo desde o aniversário da cidade passou a realizar lives semanais com temáticas importantes para a história da cidade, sempre com convidados de reconhecimento do meio histórico e acadêmico, entre eles o arqueólogo Luís Cláudio Symanski e a historiadora Lana Lage. Nas últimas semanas, lançou também o podcast Arquivo Conectado, que já figurava entre os mais ouvidos da cidade — relata a diretora do Arquivo, Rafaela Machado.
Entre a equipe do Arquivo que foi desligada pela prefeitura, está o Sr. Jorge da Paixão, que trabalhava na instituição desde quando o Arquivo foi inaugurado. Responsável por abrir e fechar o prédio do Solar todos os dias, há exatos 19 anos, o Sr. Jorge fala com tristeza do afastamento e diz que espera poder voltar em breve, já que aquela é a sua "segunda casa".
A diretora do Museu, Graziela Escocard lamenta que algumas das atividades on-line podem ser suspensas e diz que seus colaboradores estavam trabalhando e desempenhando funções via home office.
— Gostaria de ressaltar a nossa sistemática na realização de exposição temporárias, com temas históricos relacionados à nossa cidade, como forma de atrair o público ao Museu. Agora com a pandemia nossa reinvenção com ações ligadas ao Museu Virtual, falando sobre nosso acervo, através de vídeos, fotos. As lives (bate-papos), em parceria com a Secretaria de Educação e com a Uenf. Quiz Histórico e as exposições virtuais — diz Graziela.
Rita Sousa é restaurada, treinada pelo Carlos Freitas, foi afastada pela prefeitura no Plano de Suspensão Emergencial.
Rafaela comenta com muita tristeza sobre o desligamento da equipe e que alguns estavam ali antes mesmo dela. Segundo Rafaela, o corte afetará os trabalhos em andamento e espera que a equipe volte em sua integralidade:
— Durante a suspensão do atendimento ao público, toda a equipe se manteve trabalhando, fosse nas idas constantes ao Arquivo, fosse de casa. A equipe de estagiários passou durante todas essas semanas por treinamentos e cursos, os RPAS se dedicaram a realizar postagens na página do Arquivo com a divulgação de pesquisas com temáticas relacionadas à história e ao patrimônio local e planejaram e executaram a implementação de novos projetos que exploram as mídias virtuais, como o podcast e as lives. Interromper esses projetos é muito triste. No entanto, ainda mais triste é afastar pessoas, mesmo que temporariamente, que estão ligadas profundamente ao Arquivo. Faço questão de ressaltar que o Arquivo é o que existe dentro dele, ou seja, seu acervo – os documentos, e as vidas que lá estão – as pessoas. Esses profissionais são especiais, pois desenvolvem um trabalho extremamente técnico e qualificado. Há pessoas ali que há 19 anos trabalham com restauração, algo absolutamente delicado e raro.
No Museu Histórico é possível fazer uma viagem por toda a trajetória da cidade. Inaugurado em 29 de junho de 2012 e instalado no Solar do Visconde de Araruama depois de um longo período de reformas, já recebeu cerca de 150 mil visitantes desde sua inauguração.
O Arquivo público tem a função de preservar o patrimônio documental do município. Criado pela Lei nº 7.060 de 18 de maio de 2001, atua como um dos principais arquivos municipais do país na guarda e preservação de documentos históricos, além de permitir o acesso ao público e desenvolver pesquisas de relevado valor.
Em um momento em que muito se perderá e que uma grave crise econômica, prevista por economistas, se aproxima como efeito da pandemia, é preciso proteger e resguardar entidades essenciais. A preservação da história é certamente um desses serviços que deve ser mantido, sob pena de deixarmos de entender a importância da preservação do patrimônio histórico, material ou imaterial. E ainda corrermos o risco de perder parte da memória coletiva e individual, para que possamos compreender o passado e traçarmos o futuro de um determinado grupo social, cidade e nação. Nossa história está diretamente ligada à formação de identidade, formação cultural e econômica de um povo. O foco é o coronavírus e salvar vidas, mas não podemos deixar que tudo se perca nesse caminho, principalmente o essencial e o que não atrapalha – ao contrário – no combate à essa crise.