Chuva evidencia descaso com o Arquivo Público Municipal
Matheus Berriel 26/11/2022 07:58 - Atualizado em 26/11/2022 08:22
  • Chuva deixou Arquivo Público alagado (Fotos: Divulgação)

    Chuva deixou Arquivo Público alagado (Fotos: Divulgação)

A demora para o início da reforma do Solar do Colégio pode chegar à Justiça. Pelo menos foi o que indicou nessa sexta-feira (25) o prefeito de Campos, Wladimir Garotinho. Na véspera (24), a forte chuva que atingiu a planície goitacá molhou várias salas do prédio, que abriga o Arquivo Público Municipal Waldir Pinto de Carvalho, em Tócos, chegando a danificar alguns documentos. Em meio ao imbróglio, a Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro (Alerj) voltou a entrar em cena, marcando uma audiência pública sobre o tema para o dia 7 de dezembro. “Sinceramente, não sei por que motivo o Raul não toca o projeto. Com os R$ 20 milhões depositados, dá um rendimento de R$ 200 mil mensais, e, acho que pelo regimento da Uenf (Universidade Estadual do Norte Fluminense), esse recurso do rendimento poderia ser gerido pela própria universidade”, insinuou o deputado estadual Bruno Dauaire, mediador da negociação para que a Alerj liberasse a verba de execução da obra à Uenf.
— A gente não quer pensar que seja por isso. O Raul está preso à burocracia, à falta de iniciativa, mas a questão é que o dinheiro é público e está parado, ainda não foi usado para o que deveria ser — enfatizou Bruno Dauaire.
Horas antes da declaração do deputado à Folha nessa sexta, Wladimir Garotinho havia falado sobre o assunto na Câmara dos Dirigentes Lojistas, onde participou do lançamento da programação de Natal da Prefeitura.
— A gente quer que o dinheiro seja empregado para aquilo a que ele teve destinação. Já tem um ano que o dinheiro está depositado na conta da Uenf (Universidade Estadual do Norte Fluminense) — afirmou Wladimir à imprensa. — Já temos um projeto aprovado pelo Iphan (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional). Apenas uma empresa (a Sociedade Artística Brasileira - Sabra, que tem um termo de cooperação assinado com a Prefeitura) é detentora do projeto, e talvez seja essa toda a confusão. Mas, o gestor Raul (Palácio, reitor da Uenf) precisa assumir a responsabilidade de contratar o projeto. Que ele licite a obra para qualquer empresa disputar e ganhar. Mas, apenas uma empresa é detentora do projeto intelectual junto ao Iphan. Então, ele tem que contratar a empresa, mas isso não acontece, o dinheiro está parado, e a gente está perdendo a nossa história — complementou o prefeito.
Segundo Wladimir, uma ação popular será aberta contra Raul Palácio, assinada pelo próprio prefeito; pela presidente da Fundação Cultural Jornalista Oswaldo Lima, Auxiliadora Freitas; e pela diretora do Arquivo Público Municipal, Rafaela Machado.
— É muito angustiante para a gente, que não quer ver a nossa história se perder, ver uma chuva como ontem (quinta-feira), e a diretora do Arquivo, Rafaela, ficar me ligando, apavorada, porque nós vamos perder a história. O dinheiro está lá, parado. Nós conseguimos o mais difícil, que é o dinheiro. Os R$ 20 milhões contemplam o projeto, a obra e a digitalização do Arquivo. Então, ele (Raul) já tem o dinheiro para contratar o projeto, só que não contrata — reforçou Wladimir.
Procurado, Raul Palácio manteve o discurso que adotou em matéria publicada pela Folha no último dia 16, alegando que a contratação do projeto é responsabilidade da Prefeitura, cabendo à Uenf a execução.
— Não recebi nenhuma comunicação da Prefeitura nem de ninguém. Talvez tenham mandado por via judicial, e talvez isso demore um pouco para chegar. Mas, o meu posicionamento é exatamente o mesmo. Para executar uma obra, eu preciso do projeto, e o responsável por fazer todo esse processo é quem tem a permissão de uso. A permissão de uso é da Prefeitura, que tem recursos para reparar o telhado. Então, simplesmente, se ela paga o projeto que contratou de uma empresa, aí resolve parte do assunto, porque a gente consegue licitar a realização dessa obra. Se ela não paga, a gente não tem projeto; e, sem projeto, não executa — disse Raul. — Agora, se eles abrirem um processo na Justiça, a gente vai se defender. Mas, se o juiz determinar que a gente pode contratar qualquer empresa ou fazer qualquer obra que seja necessária para poder consertar o telhado com esse dinheiro, a gente faz. Mas, a Prefeitura tem dinheiro para fazer isso. O dinheiro que nos foi dado é para executar um projeto, que a Prefeitura não apresenta para a gente. Simples assim — finalizou o reitor.
A pressão sobre a Uenf resultou no agendamento da audiência pública na Alerj para 7 de dezembro, às 10h, e também de uma reunião com o presidente da assembleia, André Ceciliano, na próxima segunda (28). Bruno Dauaire, Wladimir e Raul Palácio foram convidados para o encontro, no Rio de Janeiro. Fato é que, enquanto a situação não se resolve, o Arquivo Público sofre.
— Situação dramática aqui. Não é a primeira vez, infelizmente. Toda vez que chove, nós não dormimos de preocupação, porque sabemos como encontraremos o Arquivo: basicamente, debaixo d’água. As fotos falam por si. Alguns poucos documentos foram molhados, mas já iniciamos os trabalhos para tentar reverter os danos. Eram ações executivas. Estamos tentando mudar a documentação de lugar a todo momento, mas está complicado achar um local com espaço e segurança — lamenta a historiadora Rafaela Machado, atuante no equipamento há 15 anos e diretora desde 2019.
A Folha também tentou contato com a presidente da Fundação Cultural Jornalista Oswaldo Lima, Auxiliadora Freitas. Por meio de nota, a Prefeitura informou já ter adotado “todas as providências administrativas de sua responsabilidade para a viabilização das obras de recuperação do Arquivo, inclusive com apresentação da documentação técnica preliminar, mantendo-se à disposição para auxiliar a Uenf, aguardando que a universidade possa dar início ao restauro imediato, cumprindo com o que foi estabelecido pelo convênio entre as partes”. Ainda segundo a nota, “na condição de cidadãos, Wladimir Garotinho, Auxiliadora Freitas e Rafaela Machado decidiram por estudar a adoção de ação de natureza jurídica particular, enquanto pessoas físicas, com estes devendo se manifestar em tempo oportuno”.
Paralelamente ao processo anunciado por Wladimir, o jornalista Edmundo Siqueira, ligado à preservação do patrimônio histórico de Campos, prepara outra ação contra o reitor da Uenf.
— O que aconteceu no Arquivo na quinta-feira já era esperado, com a chegada das chuvas. Há algum tempo cobramos da Uenf alguma posição quanto à aplicação dos recursos. Como nada foi feito, precisamos procurar outros caminhos, e um dos caminhos que encontrei foi a ação popular, em que assino e peço para que a Uenf execute o serviço a que foi designada para fazer. Devo entrar com esta ação na próxima semana, visando essencialmente a que a Uenf execute a obra no Solar do Colégio — explica Edmundo.
O repasse dos R$ 20 milhões à Uenf foi aprovado na Alerj em dezembro do ano passado, e o depósito aconteceu em janeiro. Em maio, foi assinado o termo de cooperação técnica entre Alerj, Uenf e Prefeitura. Porém, até o momento, o acordo segue apenas no papel.
Construído pelos jesuítas de 1652 a 1690, o Solar do Colégio foi tombado pelo Iphan em 1946 e desapropriado pelo Governo do Estado em 1977, com posterior cessão à Prefeitura. Desde 2001, funciona como sede do Arquivo Público Municipal, onde ficam acervos de jornais e outros documentos históricos de Campos e região. Além da reforma, outra reivindicação de historiadores e pesquisadores é a de que os acervos sejam digitalizados.

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