
Em 15 de março de 1979, o Brasil assistia à posse de mais um general como presidente da República. João Baptista Figueiredo — o último dos ditadores do regime militar — teve em suas mãos o dever histórico de redemocratizar o país.
“É meu propósito inabalável fazer deste país uma democracia (...) purificado o processo das influências desfigurantes e comprometedoras de sua representatividade”, disse o general Figueiredo em seu discurso de posse. Disse mais: “reafirmo a mão estendida em conciliação. Para que os brasileiros convivam pacificamente”.
A “mão estendida” de Figueiredo ganhava contornos legais alguns meses depois de sua posse. A Lei da Anistia fora aprovada no Congresso — não sem manifestações contrárias — em apenas três semanas, depois sancionada pelo governo militar. Com base no novo ordenamento, estavam anistiados os chamados “subversivos”: os que se manifestavam contrariamente ao governo e os que haviam pegado em armas contra o regime. A lei permitiu que exilados voltassem ao país e quem estivesse na clandestinidade ou figurasse como réu em tribunais militares pudesse viver livremente.

Mesmo assim, a promessa de Figueiredo de redemocratizar o país, trazendo de volta à vida pública os presos e exilados políticos, se cumpriu. Os anos de ditadura militar chegaram ao fim definitivamente alguns anos depois, uma nova constituição foi promulgada em 1988 e eleições civis, diretas e democráticas, voltaram a acontecer. A “autoanistia” que veio a reboque quis atender ao corporativismo que os militares brasileiros sempre apresentaram, e seu gosto pelo poder igualmente contumaz.
Negar ao país a possibilidade de punir os ditadores e torturadores, e de colocar a limpo sua própria história, também permite que o militarismo golpista e ditador permaneça na caserna.
A denúncia da PGR e as investigações até aqui demonstram que os atos de 8 de janeiro foram a parte final de uma trama golpista com objetivo de derrubar um governo eleito democraticamente e subverter a ordem vigente.

Como estratégia de defesa, Bolsonaro e apoiadores articulam junto ao Congresso para que seja aprovada uma lei que anistie os envolvidos no 8 de janeiro. No mesmo dia da denúncia da PGR, o ex-presidente afirmou que não haveria “dificuldade para colocar em pauta” a anistia. Embora Bolsonaro afirme o contrário, uma anistia aos envolvidos no 8 de janeiro iria beneficiar os agora denunciados ao STF.
Este espaço no Folha1 ouviu Pedro Estevam Serrano, advogado e doutor em direito do Estado, e professor de direito constitucional, sobre a admissibilidade de uma lei de anistia neste momento:

Serrano confirma que a lei beneficiaria os agora denunciados, disse que sua aprovação “influenciaria no caso dos denunciados pela PGR, eles estariam anistiados, pois ela [a lei de anistia] pegaria todo mundo que cometeu ou participou do crime, então não teria sentido prosseguir o processo contra eles”.
Anistia é esquecimento. Quando se propõe que um processo de anistia aconteça no país, recorre-se ao interesse público e político de apagamento de fatos e crimes ocorridos durante um período histórico. A centralidade da ideia de anistia é absolver os culpados pelos crimes cometidos, conceder perdão e reconhecer que o que foi feito não é mais passível de punição.
E para que aconteça, a anistia deve obrigatoriamente ter a intenção de construir uma nova marcha para o futuro, com o desarme dos espíritos antes revoltosos, buscando uma convivência pacífica que possibilite reconstruir uma civilidade democrática.
A anistia aprovada por Figueiredo em 1979, mesmo tendo colocado sob o mesmo guarda-chuva quem lutou contra a ditadura e quem a praticou, cumpriu o papel de repactuar a convivência democrática. Havia a promessa real de construção coletiva de um novo futuro. No atual momento, algumas perguntas ficam. Existe o mesmo ânimo agora, na atual proposta de anistia? Estaria, quem praticou os atos no 8 de janeiro, disposto a conviver pacificamente com uma pluralidade de ideias e ideologias? Os denunciados por golpe de Estado ficariam sujeitos a uma pactuação onde a democracia não esteja novamente ameaçada?
A questão não reside no conceito de anistia. Há pactuações possíveis de serem feitas que visem construir uma convivência democrática possível. Como sistema imperfeito e de poucas defesas, a democracia deve permitir acordos entre os diferentes e até anistiar crimes contra ela mesma. A questão está no mérito.
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Edmundo Siqueira
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