"Bota o retrato do velho outra vez"
Edmundo Siqueira 17/01/2022 23:14 - Atualizado em 17/01/2022 23:23


Início dos anos 1950. Haroldo Lobo lança uma marchinha de carnaval chamada “Retrato do Velho”. Era uma provocação ao então ex-presidente Getúlio Vargas, que havia determinado que todas as repartições públicas tivessem uma foto do chefe da nação na parede. Dizia a marchinha: “Bota o retrato do velho outra vez; Bota no mesmo lugar; O sorriso do velhinho faz a gente trabalhar”. Ela passou a ser o jingle da campanha getulista, e levou o retrato de “velho” para o mesmo lugar naquele ano. E o retrato de Lula? Voltará para a parede em 2022?
A coligação que levou Vargas novamente ao poder, no Brasil da ‘Quarta República’, foi composta pelo Partido Trabalhista Brasileiro (PTB) e o Partido Social Progressista (PSP), ambos de centro-esquerda. Forçado a deixar a presidência depois de 15 anos governando, Getúlio volta através dessas forças partidárias.
O PTB, fundado por Vargas, era o braço trabalhista, e o PSP a vertente socialdemocrata. Era claramente uma campanha progressista, mas acenava ao Centro e ao liberalismo.
Getúlio foi um gênio político ao seu tempo. Usava propaganda e marketing pessoal para promoção de sua carreira política. Por sua forte vertente trabalhista, com criação de vasta legislação na área, foi considerado o "pai dos pobres", e tinha a admiração do povo. Além do trabalhismo, o nacionalismo estava naquela campanha de 1950. “O petróleo é nosso!” dava o tom.
Vargas também foi um ditador. Carlos Lacerda, jornalista e opositor ferrenho, chegou a dizer que "Getúlio era absolutamente incompatível com um regime democrático”, e que as ações de Vargas como ditador não poderiam ser esquecidas.  
Sim, há muitas semelhanças entre Lula e Vargas — trazidas aqui deliberadamente. Mas a intenção não é comparar as personagens, somente; isso é feito pela própria história. O intento é trazer a reflexão de como o país pouco avançou em suas pautas. A foto de Lula com as mãos pretas de óleo repete a de Vargas. O trabalhismo continua necessário. Líderes personalistas, caudilhos e populistas continuam a agradar mais que propostas de nação.
Ex-presidente Dilma Rousseff e Joaquim Levy, ministro da Fazenda. Levy é um economista ortodoxo, com doutorado pela Universidade de Chicago, considerado centro do pensamento liberal.
Ex-presidente Dilma Rousseff e Joaquim Levy, ministro da Fazenda. Levy é um economista ortodoxo, com doutorado pela Universidade de Chicago, considerado centro do pensamento liberal. / Ueslei Marcelino/Reuters
Não cabem aqui — e não é intenção deste — refletir sobre as causas da manutenção dessas pautas, ou mesmo de prever que o Brasil escolherá Lula em 2022, apesar de ser o que demonstram todas as pesquisas. Ou ainda trazer previsões com juízo de valor sobre um possível novo governo do PT. Mas sim analisar o tipo de democracia que construímos.
A que temos foi refundada no pós-ditadura e nunca experimentou um governo que não fosse de Centro, até o acidente histórico chamado Jair Bolsonaro.
Os governos do PT foram o que pode ser chamado de “esquerda autorizada”. Lula publica a “Carta ao Povo Brasileiro” e Dilma escolhe Levy para a Fazenda. Os bancos lucram como nunca e a mobilidade social trazida no primeiro governo Lula se esvai com crises, corrupção e inflação.
Como a extrema-direita no poder desde 2019, colocar o “retrato do velho” outra vez na parede parece ser a única solução para muitos brasileiros. Se Lula será outro Vargas? Bem, existem semelhanças,mas importantes diferenças, principalmente no tempo histórico de cada um. Mas fica a célebre frase de Karl Marx, na abertura de “O 18 de Brumário de Luís Bonaparte” de 1852: "todos os grandes fatos e personagens da história universal aparecem como que duas vezes. Mas ele (Hegel) esqueceu-se de acrescentar: uma vez como tragédia e a outra como farsa."

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