Arthur Soffiati - Por uma história das baixadas fluminenses (II)
* Arthur Soffiati - Atualizado em 11/11/2023 09:44
A primeira metade do século XIX foi marcada pelo hidroviarismo nas planícies. José Silvestre Rebello deu consistência à abertura de canais de navegação em todo o Brasil em sua “Memória sobre canais e sua utilidade” (“O Auxiliador da Indústria Nacional”, ano VIII. Rio de Janeiro: Tipografia Nacional, 1840). Sobre a planície goitacá, o pioneiro na abertura de canais foi o bispo campista José Joaquim da Cunha de Azeredo Coutinho (“Obras econômicas”. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1966 (1ªa edição: 1794). José Carneiro da Silva também escreveu um opúsculo sobre o canal Campos-Macaé (“Memória sobre a abertura de um novo canal para facilitar a comunicação entre a cidade de Campos e a vila de S. João de Macaé”. Rio de Janeiro: J. Villeneuve e Comp., 1836). Ainda não havia automóveis, trens e aviões. O transporte era feito por terra, a pé, a cavalo e em carros puxados por animais. Havia também navegação marítima e interior. Esta segunda era bastante improvisada. A era do hidroviarismo consistiu em abrir vias aquáticas expressas. O canal Campos-Macaé tornou-se famoso. Era o mais longo do mundo depois do canal de Suez. Atravessava toda a planície, começando em Campos (cerca de 10 metros acima do nível do mar) e terminando em Macaé (ao nível do mar).
Não foi o único. Na margem esquerda do rio Paraíba do Sul, cruzou toda a restinga até a base dos tabuleiros de Guaxindiba o canal de Cacimbas. Ainda na margem esquerda desse rio, mas em área de tabuleiros, o inacabado canal do Nogueira e o canal da Onça. Esboçou-se a intenção de dar continuidade ao canal Campos-Macaé até o Rio de Janeiro. Ele seria interrompido em Macaé, onde a navegação seria efetuada por mar até a lagoa de Araruama. O leito das lagoas de Araruama, Saquarema e Maricá seria aprofundado em seu centro até a serra do Inoã. Então, a navegação prosseguiria por mar até a baía de Guanabara. Aliás, a lagoa de Araruama era um importante eixo de navegação comercial no século XIX, como mostra o opúsculo “Lagoa de Araruama” (Rio de Janeiro: Tipografia do Apóstolo, 1875).
Os canais não funcionaram a contento. O do Nogueira não foi concluído. Os outros não contaram com manutenção necessária. No geral, houve muito desvio de recursos na sua abertura e operação. O advento da ferrovia, na segunda metade do século XIX, tornou-os obsoletos. Campos passou a ser um grande entroncamento ferroviário na Baixada Goitacá, assim como foi o Rio de Janeiro na Baixada da Guanabara. A principal ferrovia ligava Vitória ao Rio de Janeiro. Na altura de Campos, começava um ramal para Minas Gerais, cruzando o rio Paraíba do Sul em São Fidélis. A estrada de ferro Carangola tinha seu início em Guarus e percorria todo o Noroeste Fluminense em direção ao sul de Minas Gerais. Também de Campos partia uma ferrovia até Santo Amaro, nas proximidades do Farol de São Tomé, e outra em direção a Atafona, em São João da Barra. Além do mais, muitas usinas e engenhos centrais construíram ramais ligando suas empresas às ferroviais públicas.
A partir de 1870, uma onda de modernização varreu as baixadas. Na segunda década do século XX, Campos contava com 27 usinas de açúcar, a maioria no eixo Campos-Farol de São Tomé. Em Macaé, havia três. Itaocara e São Fidélis contavam com uma, cada. Das 33 do estado do Rio de Janeiro, apenas uma se localizava em Resende. As outras 32 distribuíam-se pela planície, tabuleiros e zona serrana do Norte Fluminense. Grande parte delas era movida por lenha obtida nas matas serranas, de tabuleiros e de restingas. O desmatamento foi brutal (Torres Filho, Arthur E. Magarinos. “A cultura da cana e a indústria açucareira em Campos”. Rio de Janeiro: Tip. E Lit. de Pimenta de Mello, 1920).
Na Baixada Goitacá, a produtividade industrial sucroalcooleira aumentou de forma exponencial em relação à dos antigos engenhos. Estes contavam-se em maior número, mas eram pequenos e bastante artesanais. No entanto, a revolução industrial na Baixada não foi acompanhada pelo aumento da produção de cana. Eram necessárias mais terras, e estas estavam em baixo d’água. Nas baixadas do Rio de Janeiro, os rios eram tortuosos, com suas águas retidas em brejos e lagoas. Nenhuma superava a Goitacá em extensão e em áreas úmidas, como relatam viajantes, cronistas e cartógrafos dos séculos XVIII, XIX e XX. Para o aumento da produção, era preciso drenar as planícies. Os governos federal e estadual instituíram várias comissões de saneamento a partir de 1883. Ao todo, foram 14, segundo levantamento de 1934 (GÓES, Hildebrando de Araújo. “Saneamento da Baixada Fluminense”. Rio de Janeiro: Comissão de Saneamento da Baixada Fluminense, 1934). Todas fracassaram, menos a Comissão de Saneamento da Baixada Fluminense, criada pelo Governo Federal em 1933, iniciando seus trabalhos nas quatro baixadas no ano seguinte.
Em 1940, a Comissão passou a atuar em âmbito nacional com o nome de Departamento Nacional de Obras e Saneamento (DNOS). A fisionomia das baixadas transformou-se radicalmente entre 1940 e 1950. O órgão foi extinto em 1990.
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