Alcimar Chagas - Grandes projetos: Enclaves e distorções socioeconômicas em São João da Barra
Alcimar Chagas - Atualizado em 25/04/2022 19:07
As perversas contradições provocadas por grandes projetos de base em recursos naturais em São João da Barra podem ser comprovadas através dos seus principais indicadores socioeconômicos. O município é sede do importante Porto do Açu e produtor de petróleo da Bacia de Campos.
Vejam que o município contabilizou um PIB per capita de R$ 220.707,37 no ano de 2019 (último dado atualizado pelo IBGE), enquanto o país contabilizou um PIB per capita de R$ 35.161,70 no mesmo ano. Podemos inferir que a riqueza gerada por habitante no município é pelo menos seis vezes maior do que a riqueza per capita do Brasil. O que isso representa? Absolutamente nada!
Claramente, a relevante riqueza portuária e petrolífera não é fixada localmente em proporções relevantes, ela foge para outras regiões. Essa visão pode ser confirmada através da leitura de outros indicadores que trataremos a seguir.
No aprofundamento da gestão fiscal do município na última década, podemos verificar uma receita realizada média de R$ 489,9 milhões/ano que foi abalada em 2015 e 2016 pela crise internacional do petróleo. A sua condição de produtor e beneficiário de royalties de petróleo impactou na queda de 23,39% em 2015 e queda de 33,36% em relação ao ano anterior. Mesmo com a crise e a perda gradativa da produtividade da Bacia petrolífera, a receita orçamentária média per capita no período atingiu R$ 13.998,09/ano no município. Esse valor é pelo menos 4,0 vezes maior do que a receita per capita de Campos dos Goytacazes em 2020.
A perda gradativa das rendas petrolíferas foi amortecida pelo aumento substancial das receitas de Imposto sobre Serviços (ISS), oriundas das operações portuárias. Em 2011, as receitas tributárias (receitas próprias) representavam 5,84% do total das receitas correntes, avançando para 28,54% em 2020, exatamente pelo crescimento do ISS. A participação das receitas de royalties caiu de 74,24% em 2011 para 19,92% em 2020, enquanto a participação do ISS subiu de 3,75% em 2011 para 20,97% em 2020.
Uma avaliação interessante está na verificação do impacto dessas rendas novas na dinâmica da economia, ou seja: quais os reflexos das rendas petrolíferas na vida do cidadão? Ainda, o ISS incrementado pelo porto melhorou a vida do cidadão?
Podemos começar a responder as perguntas cruzando esses dados. Por exemplo, a correlação linear entre royalties de petróleo e ICMS, ou seja, as receitas de petróleo imprimiram uma maior dinâmica econômica ao ponto de elevar o ICMS? A resposta é não, pois a correlação no período de 2011 a 2020 foi negativa em (0,59662). O mesmo resultado negativo ocorreu na medição da correlação entre royalties e receitas tributárias, ou seja, as rendas petrolíferas não contribuíram para aumentar as receitas próprias, já que a correlação foi negativa em (0,62182).
O único sinal positivo encontrado foi na correlação royalties/investimento público. Nesse caso, encontramos uma correção positiva de 0,402109, a qual representa que as rendas de petróleo incentivaram fracamente o investimento público.
A conclusão sobre a questão fiscal é de que as receitas orçamentárias são elevadas para um município com pequena população. Nesse caso, a falta de habilidade dos gestores leva os mesmos a usar uma parte desse recurso em custeio, cujo gasto qualitativamente é questionável e a fazer poupança da outra parte. Isso ocorre porque não existe a cultura do investimento, além da inexistência de quadros com competências para elaborar projetos estruturantes para as gerações seguintes.
De alguma forma, isso pode ser confirmado através dos indicadores da economia real. A atividade agrícola temporária e permanente perdeu uma área de 83,20% no período de 2011 a 2020, por influência da cana-de-açúcar. A baixa diversificação de cultura concentrou a atividade nas culturas de abacaxi, coco da Bahia, mandioca e batata doce.
Na pecuária, considerando o mesmo período, enquanto o número de vacas ordenhadas cresceu 70,13% em 2020 com base em 2011, a produção leiteira caiu 22,85%, e a produtividade caiu 54,66% no período. Em 2011, a produção de 1.985 litros/vaca/ano caiu para 900 litros/vaca ano em 2020.
É importante observar que o crescimento real médio do valor adicionado fiscal de 15,9% ano e o forte aumento do emprego observado a partir dos vínculos (3.994 vínculos em 2006 e 8.652 vínculos em 2020) geraram impactos negativos nas atividades tradicionais agropecuárias, além de aprofundar a pobreza e uma pior qualidade de vida para a população.
Isso é facialmente observado a partir dos seguintes indicadores:
Esgotamento adequado de 37,3%;
Água potável disponível para 32,0% da população;
Pessoal ocupado 41,2%;
Índice desenvolvimento da educação básica (IDEB) de 4,3;
Auxílio Emergencial em 2020: atendimento a 45,88% da população.
Como vimos, os recursos orçamentários ampliados foram gastos sem refletir positivamente no bem-estar da população. Como os recursos de petróleo são finitos e claramente o porto representa um enclave, o futuro da população se torna incerto e, no presente, os problemas são ampliados a cada dia.
Economista, membro da Academia Campista de Letras (ACL) e professor da Uenf

ÚLTIMAS NOTÍCIAS