Operação do MP e PF contra suposta fraude mira dois vereadores
Uma operação do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro (MPRJ) e da Polícia Federal, contra a possível prática dos crimes de associação criminosa e fraude em contratos de transporte escolar da secretaria de estado de Educação, cumpriu, na última quinta-feira (19), 14 mandados de busca e apreensão em Campos, inclusive na Câmara Municipal. Entre os alvos da investigação estão os vereadores Marquinho do Transporte (PDT) e Maicon Cruz (sem partido), este último usou as redes sociais para se defender.
Agentes do Grupo de Atuação Especializada no Combate ao Crime Organizado (Gaeco/MPRJ) e da PF cumpriram mandados nos gabinetes dos parlamentares e em outros endereços de Campos. Além de Marquinho do Transporte e Maicon Cruz, a coordenadora da Diretoria Regional Administrativa da Educação do Norte Fluminense, Neide Mara Gomes Palmeira, e quatro empresas também foram alvos dos mandados de busca. Além de documentos, celulares e computadores, também foram apreendidos R$ 70 mil em espécie em uma das empresas investigadas.
A pedido do Gaeco/MPRJ, o Juízo da 3ª Vara Criminal da Comarca de Campos dos Goytacazes determinou a suspensão de todos os contratos firmados pela secretaria de estado de Educação com as empresas WD Empreendimentos Comerciais e Serviços Eireli, ML dos Santos Comércio Serviços Eireli, MA Souza Transportes e Empreendimentos Ltda e Prozul Serviços de Construções Ltda. Também está impedida a transferência de eventuais contratos a serem celebrados com estas sociedades empresárias, devendo permanecer na prestação do serviço as empresas anteriormente contratadas, até que nova licitação seja realizada. A secretaria de Educação informou que já tomou as medidas cabíveis.
Os agentes estiveram na Câmara de Vereadores e na sede da Secretaria Estadual de Educação, em Campos. Segundo o promotor do Gaeco, Sérgio Ricardo Fonseca, o objetivo da ação desta quinta-feira foi apreender documentos, computadores e celulares para aprofundar a investigação. “A operação visa apurar questão de fraude em licitação envolvendo o transporte escolar. A gente não pode falar ainda nomes das pessoas que estão sendo investigadas porque está em segredo de justiça. E hoje o objetivo da ação foi apreender documentos, computadores e celulares para poder aprofundar um pouco mais na investigação”, explicou.
Em nota, a Câmara de Vereadores de Campos confirmou que houve busca e apreensão nos gabinetes dos vereadores Marquinho do Transporte e Maicon Cruz. A Câmara também informou que colaborou com os trabalhos da Polícia Federal e do Ministério Público. O presidente da Casa, Marquinho Bacellar (SD), esteve na manhã de quinta no local para se informar sobre o caso.
O delegado da Polícia Federal em Campos, Wesley Amato, falou sobre as investigações que apuram possível prática dos crimes de associação criminosa e fraude em contratos de transporte escolar secretaria de estado de Educação, que colocaram sob suspeita os vereadores Marquinho do Transporte e Maicon Cruz, que na época da licitação pertenciam ao mesmo grupo político.
— Nós temos a suspeita que possa ter alguma intervenção ou ingerência desses agentes políticos junto à Coordenação Regional. Temos essa linha investigativa de possível ingerência, tanto junto à diretora regional quanto um conluio com as empresas de transporte. Inclusive, um dos vereadores, é proprietário de uma empresa de transporte, o filho é dono de outra empresa e a nora de outra empresa e todas (as empresas) foram alvos da investigação — comentou o delegado.
Ele explicou, ainda, que a ação foi realizada para buscar mais provas para corroborar com a investigação. “Hoje (quinta) procedemos a fase ostensiva com fins de recolher elementos de provas, apreender celulares, computadores e documentos que sirvam para sustentar nossa linha investigativa. Os locais objetos hoje de busca foram as empresas que participaram do certame no ano passado, onde temos fortes evidências que foi fraudado. Então, foram feitas buscas nas empresas que participaram do certame e na casa dos agentes públicos e políticos que são suspeitos de participarem dessa associação criminosa com intenção de fraudar os certames”, disse.
Objetos utilizados para armazenamentos de dados foram apreendidos. O dinheiro. “Foi encontrado em uma das empresas, onde denotamos que não é comum, a quantia em espécie armazenada (R$ 70 mil) em um local fora do sistema bancário. Considerando essa suspeita do dinheiro ser de fonte ilícita, nós realizamos também essa apreensão”, contou Wesley.
Os próximos passos, segundo o delegado, serão ouvir as pessoas que estão sendo investigadas, como os donos das empresas, os agentes públicos, os políticos, realizar perícia nos bens apreendidos e depois proceder a análise para “formar um conjunto probatório e imputar o crime a alguém ou então excluir da linha investigativa determinada pessoa”.
O delegado Wesley Amato também comentou que não se tem o valor exato do dinheiro movimentado durante esse suposto esquema de fraude. “Das contratações, nós não temos o valor exato até porque nós oficiamos a secretaria estadual de Educação, mas não conseguimos a licitação por completo, então uma das nossas representações também é para que a secretaria mandasse todo o processo licitatório, para que nós possamos proceder a perícia. Então não sabemos o quantificar o tamanho de valores que foram pagos”. informou.
Delegado dá mais detalhes da investigação
Segundo o delegado da Polícia Federal, as investigações tiveram início no ano passado. “O grande fato relevante que objetivou o início da investigação foi uma contratação no ano passado, no dia 25 de julho de 2022, onde houve um certame realizado pela regional Norte Fluminense da Secretaria de Educação, onde várias escolas realizaram o certame em uma segunda-feira, sendo que na quinta-feira anterior, tinha sido realizada uma reunião onde a diretora regional teria chamado esses prestadores de serviço para apresentar esses documentos e então, como esse tempo exíguo, de cerca de quatro dias, esses prestadores tiveram que apresentar todos os documentos”, comentou Wesley.
Ainda de acordo com Amato, alguns prestadores de serviço atuavam há mais de 20 anos no transporte escolar da rede estadual, ao preço de cerca de R$ 1,60 por quilômetro rodado. No entanto, no ano passado esse valor subiu para R$ 6,00 e no certame do dia 25 de julho os antigos prestadores se deparam com pessoas prepostas das empresas investigadas com a documentação completa.
— Esses prestadores já prestavam serviço cerca de 20 anos, porque as rotas não eram atrativas e o preço do quilômetro rodado era muito baixo, cerca de R$ 1,60. Só que no início do ano de 2022, o valor do quilômetro rodado passou de R$ 1,60 para R$ 6,00, ou seja, houve um aumento de mais de 200%. E nesse fatídico dia 25 de julho, esses prestadores achavam que seria apenas uma recontratação, como já acontecia no decorrer desses 20 anos, e chegando aos locais já haviam pessoas prepostas dessas empresas investigadas com a documentação completa, o que causou bastante estranheza. Uma das linhas investigativas é de que elas tenham sido privilegiadas, com acesso a informações privilegiadas, para que essas empresas apresentassem os documentos de forma completa em detrimento dos outros participantes que não tiveram oportunidade de colecionar esses documentos, tendo em vista principalmente algumas certidões, por exemplo, que não são possíveis serem emitidas nos finais de semana — contou o delegado.
Garotinho diz o que ouviu de empresário
Conhecido desde os anos 1980 por seu denuncismo contra adversários políticos, o pai do prefeito Wladimir Garotinho (PP) sequer citou o vereador Marquinho do Transporte, que recentemente deixou a oposição para integrar a bancada governista. Sobre o opositor Maicon Cruz, no entanto, Garotinho disse:
— Recebi a instantes a ligação do empresário que fez a denúncia ao Ministério Público. O que ele afirma: a funcionária da coordenadoria (...) convocou os diretores de escolas, numa quinta-feira, avisando que a licitação do transporte escolar teria que ser feita logo no início da semana seguinte. No dia determinado, ele (o empresário) compareceu à escola onde prestava serviço de transporte escolar para verificar se haveria mesmo uma licitação ilegal, fora do prazo estabelecido em lei e sem divulgação. Chegando, encontrou uma advogada, que se dizia representante de uma das empresas investigadas na operação de hoje. Ele alertou que não houve publicação e que todos teriam que ter direito a prazo para apresentar certidões. Enquanto debatia com a advogada, a diretora da escola recebe um telefone do vereador Maicon Cruz, dizendo que era para ser feito de qualquer maneira, conforme combinado. O empresário disse “quero que conste em ata o telefonema do vereador”. A diretora colocou, em seguida ligaram da coordenadoria pedindo que ela retirasse. Ele então se retirou da escola, foi até o Ministério Público, cujas investigações comprovaram o direcionamento à grande maioria das escolas estaduais por orientação de Maicon Cruz e da representante da educação estadual em Campos.
Maicon se defende e Marquinho não fala
Ainda na quinta, quando ocorreu a operação, o vereador Maicon Cruz, postou um vídeo em suas redes sociais para se pronunciar sobre a situação. Ele afirmou que o dia em que for condenado por qualquer ilicitude irá renunciar a vida pública e se colocou à disposição, assim como seus advogados, das autoridades.
— Estou à disposição, eles estão à disposição. Meu aparelho celular está aqui, estou como sempre estive à disposição de todas as autoridades. Denúncias sempre vão acontecer e cabe a Justiça fazer o seu papel de fiscalizar, de investigar, de ir a fundo. E a gente, enquanto cidadão, nos cabe colaborar. Quero tranquilizar também dizendo o seguinte: o dia que eu for condenado a qualquer ilicitude, por menor que seja, eu tenho a decência e vergonha na cara de renunciar a vida pública. Então, fiquem tranquilos, continuem acompanhando o nosso trabalho, porque nada vai parar o nosso trabalho em prol da Educação. Porque nosso trabalho é idôneo, é sério, é responsável. Não vão conseguir macular, atrelar, meu nome, minha imagem a coisas ilícitas. Porque a gente defende sim com veemência a educação pública de qualidade. A gente defende o servidor público. A gente luta pelo que é certo, pelo que é justo. E vamos continuar e nada vai nos parar — declarou no vídeo, informando que estava buscando ainda, naquele momento, se inteirar sobre a investigação.
A equipe da Folha tentou contato com Marquinho do Transporte por mensagem, que ainda não se manifestou até o fechamento desta edição. Na quinta, ele também foi procurado no seu gabinete pela reportagem e não foi encontrado. Também não houve qualquer manifestação sobre o caso nas suas redes sociais, que, nessa sexta-feira, estava em clima de festa por conta do aniversário do vereador.
A Folha não conseguiu localizar o contato dos demais citados na operação, mas deixa fraqueado o espaço aberto para o posicionamento.
Em nota, a secretaria de estado de Educação informou que os funcionários citados na ação foram exonerados, em maio, do cargo de coordenação e, como servidores públicos, vão responder à uma sindicância aberta pela Seeduc. “A secretaria esclarece que todos os recursos públicos destinados ao transporte escolar são descentralizados diretamente às unidades escolares que possuem autonomia para fazer a licitação e contratação das empresas que ofertam o serviço. A Seeduc afirma ainda que estará colaborando com todas as informações necessárias para a investigação. Por fim, a secretaria também avisa que todo e qualquer pagamento de empresas envolvidas deverá ser suspenso”, informou.